Vanderlei Luxemburgo e a estratégia Rocky Balboa aplicada ao futebol
Parece ser de propósito que o treinador armou um time que só tenta de verdade ganhar jogos em menos da metade do tempo.
No texto no SobreFlamengo sobre o empate entre Flamengo e Palmeiras, escrevi que Luxemburgo trouxe para o futebol este ano a inovadora estratégia Rocky Balboa, e prometi desenvolver um pouco melhor este assunto. Vou aproveitar esta coluna de hoje para isso.
Vocês devem ser familiares com os filmes de Rocky Balboa. Nas lutas mais marcantes de sua saga, o boxeador vivido por Sylvester Stallone apanhava feito um condenado ao longo de boa parte do combate, até decidir partir para uma reação espetacular no final. A estratégia de apanhar para cansar o adversário fica mais clara em Rocky IV, no qual ele enfrenta na União Soviética um lutador russo fabricado pelo regime comunista para bater o herói capitalista-americano. No fim, claro, Balboa vence, com seu calção stars-and-stripes, conquistando o público que antes queria vê-lo beijar a lona. No clímax apoteótico do filme, até Gorbachev bate palmas para o Garanhão Italiano. Ah, os momentos que o cinema consegue nos proporcionar...!
Na verdade, esta tática de apanhar pra cansar o adversário também já foi utilizada na vida real de maneira marcante por Muhammad Ali, na famosa luta contra George Foreman no Zaire, em 1974. Mas digressiono; vamos voltar à estratégia Balboa de Vanderlei Luxemburgo, aplicada ao futebol.
Antes da partida contra o Palmeiras, li uma matéria que mostrava que 11 dos 14 gols que o Flamengo havia marcado no returno do Brasileiro haviam acontecido no segundo tempo. Somando a esta estatística o jogo da última quarta, temos aí 80% dos gols do time nas últimas 10 partidas marcados no segundo tempo. Há algumas explicações possíveis para isso, mas não posso deixar de relacionar o fato ao comportamento rotineiro de Luxemburgo, que sempre escala o time com três volantes e, no meio da partida, faz substituições para deixá-lo mais ofensivo. E só a partir daí saem os gols.
Fiz então um rápido levantamento pegando todo o campeonato e descobri que em 20 das 29 rodadas disputadas até agora, Luxemburgo fez substituições para tornar mais ofensivo o esquema com que iniciou o jogo. Das 9 partidas em que ele não fez isso, em 5 ele já não havia começado com três zagueiros ou três volantes (Flamengo 4x0 Avaí, Bahia 3x3 Flamengo, Flamengo 1x1 Corinthians - isso se não considerarmos a troca de Petkovic por Negueba no intervalo -, Flamengo 0x0 Botafogo e Cruzeiro 0x1 Flamengo). Nas outras 4, o Flamengo empatou 3 (Palmeiras 0x0 Flamengo, Flamengo 0x0 Vasco, Botafogo 1x1 Flamengo) e venceu apenas uma (Fluminense 0x1 Flamengo). Houve ainda uma em que o Flamengo já havia construído sua vitória com o esquema que iniciou a partida e a substituição mais ofensiva de Luxemburgo aconteceu mais pro fim da partida (Flamengo 2x0 Grêmio - Fierro entrou aos 35 do segundo tempo no lugar de Aírton, quando a partida já estava ganha).
Resumindo: o Flamengo iniciou 22 das 29 partidas do campeonato com três zagueiros ou três volantes; destas, em apenas duas venceu jogando com este esquema. Todas as demais vitórias foram construídas apenas depois que Luxemburgo trocou um zagueiro ou volante por um meia ou atacante, ou um meia por um atacante. Foi assim no primeiro turno contra Atlético-MG, América-MG, São Paulo, Santos e Coritiba; e no returno contra América-MG, São Paulo e Fluminense.
Pode-se discutir circunstâncias de algumas destas partidas, ou o quanto as substituições influenciaram no rendimento do time em certas vitórias. Mas eis a estatística impressionante: se pegarmos apenas os resultados que o Flamengo conseguiu enquanto jogou no esquema em que começou as partidas, sem fazer uma troca que o colocasse mais pra frente (zagueiro ou volante por meia ou atacante; ou meia por atacante), o time teria hoje apenas 28 pontos - estaria empatado com o Atlético-PR, na zona do rebaixamento.
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Mas se o time precisa quase sempre mudar seu esquema para conseguir bons resultados, por que Luxemburgo insiste sempre em começar os jogos com os infames três volantes?
Nas primeiras 5 rodadas do campeonato, o Flamengo não usou este esquema. Contra Avaí, Bahia, Corinthians, Atlético-PR e Botafogo, teve Renato como segundo volante, com Bottinelli e Thiago Neves completando o meio-campo. O time jogou bem contra o Avaí, teve bons momentos mas deixou escapar a vitória contra o Bahia e depois não convenceu nos empates contra Corinthians, Atlético-PR e Botafogo. Ao final deste último jogo, a torcida vaiava Ronaldinho Gaúcho, que "se arrastava em campo". Apesar de invicto, o aproveitamento de 46,6% não deixava ninguém satisfeito. A partir da partida seguinte, o Flamengo passou a iniciar os jogos com o esquema mais defensivo - e Ronaldinho desde então nunca mais foi vaiado. Mesmo durante aquela sequência sem vitórias que parecia infinita, Luxemburgo nunca esqueceu a experiência ruim vivida no início da competição e não abriu mão do sistema mais defensivo que escolheu.
Eu mesmo não ouvi Luxemburgo dando esta declaração, mas já me disseram que ele falou que usa os três volantes "para Ronaldinho não precisar marcar". Eis então a possível explicação para a estratégia Rocky Balboa: propositalmente ou não, ele sistematicamente deixa Ronaldinho "descansando" em campo por pelo menos metade do jogo, participando menos do que gostaríamos e com pouca companhia na frente, enquanto o time basicamente enrola a partida, sem nem tentar jogar direito. Depois, com substituições, Ronaldinho passa a ter com quem jogar - e, muitas vezes, enfrentando um adversário mais cansado, acaba decidindo. Se quase todas as vitórias do Flamengo acontecem depois que o esquema muda, boa parte delas vêm em lances com a participação de Ronaldinho Gaúcho.
É tão claro que o Flamengo precisa das mudanças durante a partida para alcançar os resultados que não dá pra acreditar que Vanderlei Luxemburgo, que não começou ontem no futebol, não enxergue isso. Partindo deste pressuposto, a opção por começar sempre com este esquema que não funciona, para alterá-lo durante as partidas, só pode ser deliberada. O quanto que este planejamento do treinador dentro da estratégia Rocky Balboa é consciente, podemos discutir. Mas as coisas têm acontecido desta maneira já há muitas e muitas rodadas.
Eu gosto da estratégia Rocky Balboa? Não. Seria minha escolha? Não.
Mas fato é que, de alguma forma, foi com ela que o Flamengo chegou a esta altura do campeonato ainda disputando o título. E parece que é com ela que vamos até o final.
- ANDRÉ MONNERAT escreve também no SobreFlamengo (www.sobreflamengo.com.br e twitter.com/sobreflamengo)
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