terça-feira, 30 de março de 2010
Alfarrábios do Melo Olá, saudações rubro-negras a todos. Vasculhando meus alfarrábios, acabei descobrindo um texto que redigi ano passado. O Flamengo havia derrotado o Atlético-MG por 3-1 no Maracanã, resultado que efetivou o Andrade no comando. Mas, além disso, a vitória contra os mineiros teve outro significado. Relendo agora, achei que ficou legal e por isso publico aqui. Então, boa leitura. O Maracanã e as Mil Vitórias Que o Maracanã é a casa do Flamengo todo mundo sabe. Que o gigantesco e mitológico estádio tem sido o palco perfeito para a celebração da simbiose de carne e sangue entre o time e sua apaixonada torcida, isso tem sido demonstrado através dos anos e é de conhecimento comum. O que poucos sabem é que esse casamento perfeito, que vem desde o longínquo ano de 1950, acaba de produzir o seu milésimo fruto. Sim, o Flamengo completou 1.000 vitórias no Maracanã. Mil vitórias, mil batalhas em que o bastião rubro-negro foi fincado como uma estaca no território inimigo... (ok, às vezes nem tão inimigo assim), mil ocasiões em que a massa rubro-negra se fez ouvir mais alto, forte e feliz, mil vezes, falando assim parece algo intocável, inatingível. Tudo começou com um prosaico amistoso contra o Bangu, que havia acabado de contratar Zizinho, o maior ídolo flamengo. Estávamos em 1950, havia apenas uma semana que o Brasil vivera o maior trauma da história de seu futebol. O triunfo por 3-1 marcou o início da “Era Maracanã” para o Flamengo, e desde então o time sairia vitorioso em pouco mais da metade das partidas disputadas no templo. No seu templo. Mil vitórias. Quem já provou sabe que enfrentar o Flamengo no Maracanã costuma ser um inferno. Vários craques estelares podem ostentar essa marca em seu currículo. Gente como Pelé, Garrincha, Beckenbauer, Puskas, Maradona, Eusébio, Nilton Santos, Carlos Alberto Torres, Dino Zoff, Altafini, Romário, Ronaldo, Didi e Rivelino, entre outros gigantes, que viveram a experiência de enfrentar e ser derrotada pelo Flamengo no Maraca. Equipes como Juventus de Turim, Atletico de Madrid, Boca Juniors, Benfica, River Plate, New York Cosmos, Peñarol, times de 19 países diversos. Todos os clubes de expressão do Brasil, espalhados por 22 estados, todos eles subjugados pela magia de uma equipe que se agiganta quando está diante de seu povo, de sua gente, de sua torcida. Mil triunfos. Há vitórias simples em jogos amistosos (ou quase), nessa lista entram jogos-treino, partidas de importância menor, mas há também triunfos decisivos, que valeram o grito de “é campeão”. Como esquecer a cabeçada de Rondinelli, a falta de Petkovic, o gol maroto de Nunes que deslocou João Leite, o toque certeiro de Bebeto se antecipando a Taffarel, o gol-relâmpago de Zico contra o Santos, a bomba de Obina que abriu o caminho da Copa do Brasil contra o Vasco, entre outros tantos gols que ajudaram a encher a Sala de Troféus da Gávea? Ser campeão é maravilhoso, com vitória no jogo final melhor ainda, e se essa vitória é conquistada em sua casa, aí beira a perfeição. Pois, nessas 1.000 vitórias, o Flamengo fez sua torcida gritar “é campeão” em Campeonatos Brasileiros, Copa do Brasil, Estaduais, Torneio Rio-SP, Taças Guanabara, entre outros títulos menos cotados. Mil jornadas vitoriosas que consagraram diversos personagens, que com seus pés escreveram cada página dessa história. Gente como Fio Maravilha, que com seu “gol de anjo, um verdadeiro gol de placa” marcado contra o Benfica em 1972 ganhou até música. Ou como Silva, o Batuta, que semanalmente arrombava as redes do estádio com suas raquetadas, na inesquecível temporada de 1965. Ou Almir, que meteu a cara na lama pra sacramentar mais uma peleja vencida, contra o Bangu em 1966, ou como Índio, Doval, Nunes, Gaúcho, Edílson, Bebeto, Romário, Cláudio Adão, Evaristo, Paulinho, Henrique, Adriano, artilheiros que ajudaram a inchar bastante essa lista de vitórias. E o que dizer de Dida, que honrou por oito anos o manto flamengo, colecionando gols a ponto de se tornar o segundo maior artilheiro de sua história? Mas nenhum jogador, de nenhuma nacionalidade ou posição, em nenhuma época foi tão íntimo, esteve tão à vontade e viveu com tanta intensidade a força da aliança entre o Flamengo time e o Flamengo torcida quanto Zico. O Maracanã era o seu teatro, era o palco onde dedilhava suas melhores notas, onde escolhia os melhores acordes para entoar para o público nos seus concertos semanais de 90 minutos. No auge da “Era Zico”, o Flamengo chegou a acumular uma série de 82 jogos sem derrota para intrusos (equipes de fora do RJ) no estádio, em um período de 1 ano e 8 meses (março de 1980 a novembro de 1982). Do total de mil vitórias no Maior do Mundo, o Galinho de Quintino foi o comandante de pouco mais de 20%, uma marca assombrosa. No estádio, anotou mais de 300 gols, de cabeça, de perto, de longe, de placa, de pênalti e de falta, os seus preferidos, que também deram até música (“é falta na entrada da área, adivinha quem vai bater...”). Para os adversários, o Maracanã era um assustador desafio. Para Zico, era seu lar. Mil batalhas. Cada vitória, desde a mais fácil até a mais sangrenta, assinala a marca da defesa bem-sucedida do solo sagrado flamengo, de sua demonstração de força e caráter guerreiro. Viradas históricas, reversões inacreditáveis, como os 4-3 sobre o Vasco em 1963, salvando-se da eliminação e abrindo caminho para a arrancada do título estadual. Outro 4-3 célebre foi conseguido nas semifinais contra o perigoso e atrevido Coritiba em 1980, que fez dois gols relâmpago e obrigou time e torcida a virarem juntos o placar. Já que é pra falar de 4-3, que tal a “virada da poeira” contra o galáctico Fluminense em 2004, que deu a moral que o time precisava para o título daquele ano? Há mais viradas heróicas, há os 3-2 dos campeões do mundo sobre o São Paulo na abertura da temporada de 1982, ou os incríveis 2-1 sobre o Sport em 2008, conquistados nos seis minutos finais, debaixo de muita chuva. Mil “cala-bocas”. Não foram poucas as vezes em que os lutadores flamengos entraram em campo cercados de desconfiança e descrença, contra um oponente considerado muito superior, e em momentos de histórica superação construíram vitórias retumbantes, como os 3-1 sobre o Bangu, “queridinho da cidade”, invicto e favorito em 1963, os 2-0 da garotada comandada por Bebeto e Aldair sobre o Vasco de Roberto, Geovani e Romário na decisão do Estadual de 1986, 2-0 da meninada de Sávio e Magno em cima do poderoso Palmeiras de Rivaldo, Evair, Edmundo e Roberto Carlos em 1994, ou as sucessivas vitórias sobre o forte Vasco na trilogia 99-2001, entre vários e fartos exemplos de superação. Mil bailes. Às vezes os guerreiros flamengos defenderam sua cidadela de forma tão intensa que as linhas adversárias acabaram se rompendo com inesperada facilidade. E aí sobrevieram os dilúvios de gols, para lavar a alma da massa rubro-negra. Jogos como os quase inverossímeis 12-2 sobre o São Cristóvão, impostos pelo “Rolo Compressor” em 1956, naquela que foi a maior goleada da história do Maracanã. Aliás, como era bom de gol aquele “Rolo”! 4-1 no Vasco (1954, janeiro), 4-1 no Vasco de novo (1954, maio), 4-1 no Botafogo (1954), 5-2 no Fluminense (novamente em 1954), 6-1 no Fluminense (1955), 4-0 no Atlético-MG (1955), entre outras vítimas. Outros momentos divertidos, em outras épocas, foram os 9-2 no Cerro Porteño (1960), os 9-0 em cima da Portuguesa-RJ (1978), e as biabas de 8 aplicadas no Olaria (1958), Bangu (1973), Sampaio Correa (1976), Fortaleza (1981), Madureira (1982) e Minerven, da Venezuela (1993), entre tantas outras surras. Mas, de todas as goleadas, uma vale como um título. Aliás, talvez nenhuma das mil vitórias tenha sido tão emblemática quanto os 6-0 sobre o Botafogo em 1981, um massacre que fez a massa flamenga explodir em festa, emoção, delírio, e principalmente alívio pelo fim de uma era de gozações e sofrimento. Enfim, entre tantas vitórias épicas, goleadas impiedosas, triunfos de azarões, consagração de goleadores, mitos, craques e ídolos, foi forjada a identidade flamenga, a expressão de uma nação que se transfigura na face e na alma de cada torcedor, que se identifica e se vê representada pela multidão que ocupa cada pedaço de seu templo, seu espaço, sua casa, seu Maracanã e conclama seus representantes para a eterna batalha pela vitória, pela defesa de sua gente, de seu chão, de seu território. Do sagrado espaço do Maracanã. Do Estádio das Mil Vitórias.
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