terça-feira, 22 de novembro de 2011

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos. Fora Luxemburgo, fora Renato, fora Léo Moura, fora Wellington, Willians, fora até Ronaldinho Gaúcho. Diante da profunda pasmaceira em que esse arremedo de time se encontra, marchando com todas as honras para uma possível e inacreditável eliminação (que certamente virá, a se manter o padrão repetido com irritante regularidade nos últimos jogos), cada um tem seu “judas” particular.

Mas a vivência no futebol nos ensina que, na maioria das vezes, o sucesso e o fracasso são decorrentes de uma série de fatores, cuja responsabilidade deve ser dividida entre jogadores, comissão técnica, torcida e, principalmente, diretoria.

É mais ou menos sobre isso que posto essa semana. Só para alguns se lembrarem de quem ocupa hoje a cadeira que responde pelo futebol do clube que movimenta a paixão de milhões e milhões de pessoas. Boa leitura.

O ocaso da inépcia

1994. A temporada vai chegando ao final, e o Campeonato Brasileiro ferve em sua fase decisiva, com oito equipes se digladiando em jogos tipo “mata-mata”, disputados em estádios lotados e incandescentes.

Enquanto isso, o Flamengo, com seu time titular, recebe o América na Gávea, em jogo válido pela Taça Cidade do Rio de Janeiro, torneio caça-níqueis criado pela FERJ para manter em atividade os elencos das equipes de menor expressão. Algumas dezenas de torcedores resolvem enfrentar o sol forte de novembro e acompanhar o último suspiro de uma equipe. O último suspiro de uma gestão.

A contemplação deste quadro silencioso e desolador provoca incredulidade até nos mais céticos. Pois soa visceralmente inverossímil constatar que, há apenas dois anos, o mesmo Flamengo vivia o êxtase do pentacampeonato brasileiro, passando por cima do pretensamente favorito Botafogo, em um Maracanã coberto de rubro-negros e galvanizando a atenção de todo um país. Uma equipe que conjugava a experiência de jogadores rodados e de qualidade com o cintilante talento de jovens já vitoriosos desde o berço, com a conquista da Copa SP. Tudo sob o comando de rubro-negros de primeira cepa, como Carlinhos e Júnior. Os anos vindouros traziam uma perspectiva de glórias e títulos que faziam a Nação salivar. Não tinha como dar errado.

Mas aí mudou a gestão.

Ao final de 1992, o corpo de conselheiros da Gávea resolveu que era hora de “mudar”, de “trazer novas ideias”, de “renovar o comando”. E um novo grupo recebeu a incumbência de gerir o futebol campeão brasileiro. Um clube endividado, mas com um time de futebol forte, uma valiosa base de garotos pronta para ser aproveitada e a perspectiva de disputar a Libertadores no ano seguinte.

Mas deu tudo errado.

O jogo começa na Gávea, mas poucos estão muito interessados na peleja. Desde cedo, percebe-se que o único ânimo que move os pulmões daquele punhado de abnegados é a vontade de gritar, de vociferar, de berrar, de arrancar de seu âmago a dor de contemplar uma nau à deriva, uma instituição sem rumo, sem norte, sem fome, sem nada.

Desde os primeiros dias, a nova direção se entrega com todas as energias a denunciar o estado das finanças do clube. Contrata auditoria, que constata o óbvio, a presença de dívidas e mais dívidas. E esperneia, grita, reclama. As dívidas são o pilar de sustentação de uma argumentação polida, bem estruturada, mas pouco convincente.
E o time vai se desmantelando.

A diretoria contrata jogadores contestados, veteranos. Ou investe valores acima do mercado em jogadores que só darão retorno a curto prazo. E assim chegam em diferentes momentos Casagrande, Edu Lima, Nilson, Boiadeiro, Carlos Alberto Dias, Valdeir, Éder Lopes e Charles, alguns deles já às voltas com sérias contusões. Além da volta de Renato Gaúcho.

Enquanto isso, a base da Copa SP e outros garotos são liquidados baratinho. Sem comando algum, o Departamento de Futebol não consegue domar o gênio difícil de alguns desses jovens, que promovem todo tipo de baderna e arruaça, mas respondem em campo. O grupo tem que ser preservado, o ambiente precisa ser mantido, as finanças estão frágeis, e lá vão Marcelinho brilhar no Corinthians, Djalminha fazer história no Guarani, Júnior Baiano encantar Telê no São Paulo, Rogério luzir no Cruzeiro.

O clube se apequena rapidamente.

O presidente que assumiu disposto a “mudar tudo” realmente consegue várias inovações. É um dos únicos dirigentes da história flamenga a não conquistar NENHUM título oficial. Nem TURNO de Estadual. E até andou perto, muito perto em 1994, quando Júnior, já treinador, barrou alguns medalhões do time de aluguel montado para um semestre e promoveu a subida de garotos como Sávio (uma das poucas coisas boas do período). O time respondeu e superou o Vasco no Quadrangular Final. Mas a diretoria, eivada de incompreensível inépcia, permitiu que a FERJ invertesse as duas últimas rodadas da competição. Ao invés de enfrentar um Botafogo combalido e em profunda crise, podendo sair campeão antecipado, vem um Fla-Flu contra um adversário embalado, voando depois de meter sete no alvinegro. O resultado? Perda do clássico, da vantagem, do título.

Fora, gritam as testemunhas da pelada na Gávea.

O Brasileiro de 1994 é a marca definitiva da gestão que assola a Gávea nestes tempos difíceis. Um time destroçado e desfigurado é mandado a campo para representar o Flamengo, que pela primeira vez irá fazer figuração em um campeonato tantas vezes acostumado a conquistar. Os líderes, as referências técnicas, os comandantes da equipe são Gilmar e Charles Guerreiro, alguns dos poucos remanescentes do time do penta. E assim, em um time onde alinhavam também Wilson Gotardo, Uidemar, Zinho, Júnior e Gaúcho agora jogam Marçal, Paulo Paiva, Hugo, Isael, Magno e Sávio. O time, apesar de algumas exibições históricas (5-2 Corinthians e 2-0 Palmeiras), termina a competição em um pífio 14º lugar.

Dali a alguns dias haverá eleição. O presidente atual concorre à reeleição, mesmo diante de uma rejeição interna que beira os 90%. O candidato favorito é um radialista famoso, que acena com novos projetos, novas ideias, novos nomes. Enquanto isso, o joguinho na Gávea vai correndo, perto do fim. O presidente, diante das manifestações eloquentes que emanam do estádio, prefere manter-se em sua Sala, despachando e negando os rumores de que esteja negociando a estrela maior do elenco, Sávio, para o São Paulo.

O apito trila na Gávea. Final de jogo, o América vence por 2-1.

Mas ninguém liga. Ninguém se importa.

Flamengo Net

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