sexta-feira, 1 de outubro de 2010

COLUNA DE SEXTA-FEIRA - André Monnerat

Milhões com nariz de palhaço
Escrevi em algum texto, no início desta passagem de Zico pelo clube, que o verdadeiro problema do Flamengo está longe de ser ter alguém que saiba escolher jogador e técnico pra contratar. É claro, isso faz parte, é parte importante do trabalho. Mas não é falta de alguém assim que trava o Flamengo. Parece que muita gente não entendeu bem o que poderia ter significado esta chegada de Zico e é possível que nem vejam tanto dano agora nesta sua saída (a não ser pelo “momento impróprio”). Afinal, Zico como dirigente agora era “um desastre”, certo? Um desastre de apenas quatro meses.

Resultados esporádicos em campo vêm e vão, ainda mais num prazo tão curto. O mesmo Kléber Leite que colocou o Flamengo em duas Libertadores (endividando e muito o clube) também colocou o time à beira do rebaixamento anos antes, como presidente (igualmente, endividando e muito o clube). Marcos Bráz foi campeão brasileiro ano passado e este ano fracassou retumbantemente no Estadual e na primeira fase da Libertadores, em que o time fez campanha horrorosa. Zico, em seus primeiros quatro meses, errou em escolhas técnicas e o desempenho atual do time em campo aponta isso, com outros tantos, no Flamengo em muito clube por aí, erraram. Mas quem foca apenas nisso realmente não coloca as coisas em sua real perspectiva.

O Flamengo tem um problema enorme não só de caixa, mas também (e talvez até mais) de credibilidade. É difícil atrair gente boa para o clube, tanto pra entrar em campo quanto pra trabalhar fora dele. É preciso muita grana e muito trabalho de convencimento pra fazer alguém que esteja bem no mercado a encarar a possibilidade de ficar sem receber num lugar sem estrutura e cheio de pressões injustificadas de todos os lados. São inúmeras as histórias de jogadores e treinadores que recusaram convites do Flamengo por conta disso; também são muitos os casos dos que vieram, mas recebebendo muito mais do que receberiam em qualquer outro clube – e que, nas condições de trabalho que o Flamengo oferece, não deram certo e foram depois se dar bem em outro lugar. Não seria um trabalho de poucos meses que resolveria isso; é preciso investimento em estrutura e um longo período honrando seus compromissos e mantendo a tranqüilidade no trabalho para que a imagem fosse definitivamente revertida.

É isso o que Zico poderia ter representado: com sua credibilidade, com seu prestígio, ele poderia ser a figura capaz de fazer o Flamengo mudar de prioridades, parar de pensar apenas no hoje e plantar o seu amanhã.

É pena que boa parte da torcida não entendeu isso e ajudou a criar o clima que agora deu no que deu.


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Escrevi que parte da torcida não entendeu o que Zico poderia representar. Mas quem tava lá dentro entendeu muito bem. No que Zico assumiu, muitos perceberam: “se isso der certo, a gente não vai ter espaço nunca mais”. E se tantos imaginavam que Zico poderia trazer uma união em torno do Flamengo, o que se viu foi um efeito contrário: um incrível movimento de boicote, juntando muita, muita gente (não achem que é só Capitão Léo e mais dois ou três não!) de diversos setores da política rubro-negra – e que colocou pra funcionar suas ligações também na imprensa. E ao mesmo tempo em que se batia bem acima do normal nas decisões relativas ao time (afinal, se os resultados fossem bons, qualquer pressão contrária perderia força), abria-se espaço pra todo tipo de acusação sem documentos, sem fundamentos, com argumentações esquisitaças de gente mais esquisitaça ainda, mirando inclusive onde sabiam que atingiriam Zico de jeito: a sua família, que já não queria mesmo que ele procurasse dor de cabeça aceitando voltar. Infelizmente aquela parte da torcida que não tava entendendo bem qual era a da parada embarcou em muita pilha errada e ajudou no trabalho.

Patrícia Amorim errou. Desde o início de seu mandato, ficou claro que ela não tinha um plano definido do que fazer com o futebol do clube. Quando tudo parecia mais incerto, ela tirou um fenomenal coelho da cartola, mas não preparou o terreno em volta de onde ele deveria agir. Zico assumiu, mas sem que os planos para aproveitá-lo da melhor forma tivessem sido feitos. Poderia ter dado certo mesmo assim, mas isso, claro, facilitou o trabalho de quem queria que desse errado.

E, por conta disso, vai ser grande a tentação de jogar toda a culpa na presidenta, que não “o blindou”. Mas ela não errou mais nessa aí do que Márcio Braga já tinha errado antes com Júnior. Braga foi ainda pior e chegou a permitir uma situação em que um vice-presidente amador anunciou uma contratação de centro-avante contra a vontade do diretor contratado. E depois da queda de Júnior, nunca mais – até Zico – foi tentado novamente qualquer tipo de “profissionalização” do futebol rubro-negro, algo que também era bandeira de Márcio Braga quando assumiu a presidência.

Enfim: Patrícia errou, não criou as melhores condições para que as coisas funcionassem da melhor forma – mas tentou, como Braga tentou antes, e teve seu mérito nisso. Mas não é a maior vilã nesta história. Ela que se prepare: quem mirou em Zico quer mesmo é acertar nela.
Sei não.


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Zico sai num momento complicado. Gostaria que ficasse, que se segurasse mais, que não abandonasse o time no meio da competição. Teria sido melhor para o Flamengo.

Mas se eu, que estou de fora, já sentia o que estava se armando por lá, imagine ele, que estava no olho do furacão? É muito fácil pra quem está seguindo confortavelmente sua vida julgar agora o quanto ele deveria suportar. Entrar nessa é seguir o mesmo discurso cínico de quem agora deve estar abrindo um cidra Cereser pra comemorar.

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Será mesmo que eu deveria me importar tanto com este tipo de coisa?

Somos gente demais bancando os palhaços, enquanto gente lá dentro escrotiza de maneira mesquinha algo que é um símbolo nacional, uma paixão e até razão de viver de milhões, na maior cara de pau. E o que se pode fazer?

É de chorar.


- ANDRÉ MONNERAT escreve também no SobreFlamengo (www.sobreflamengo.com.br e twitter.com/sobreflamengo)

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