quinta-feira, 13 de maio de 2010

MAGNÉTICA

* Por Gustavo de Almeida


Lá pelos idos de 1985, em meio à agonia do presidente eleito indiretamente Tancredo Neves, eu ouvi pela primeira vez um verso que me intrigou, na voz de Milton Nascimento: “Quero falar de uma coisa/Adivinha onde ela anda/Deve estar dentro do peito/Ou caminha pelo ar/Pode estar aqui do lado/Bem mais perto que pensamos”. Naquela época, eu de baixo dos meus 17 anos, tive a sensação ainda por um segundo, que o hino da pavoroso Nova República se referia na verdade à torcida do Flamengo. Mas foi muito rápido. Racionalmente, eu sabia que o sr. Milton Nascimento, mineiro e, portanto, torcedor de algum time escroto (Cruzeiro, Atlético ou América), jamais homenagearia aquela que é seguramente, na minha modesta opinião, o maior patrimônio da humanidade.

Um dia, claro, acompanhado de amigos com passagem pelo Batalhão de Operações Especiais, eu queria poder dizer isso para o Bruno, atual goleiro do Clube de Regatas do Flamengo: nada, absolutamente nada, chega aos pés da torcida do Flamengo. Não há amor em maior quantidade ou qualidade do que o da Magnética Sagrada e Gigantesca. Não há uma força da natureza, seja ela chuva, terremoto ou gravidade, que se compare à oração permanente e ambulante que é a torcida do Flamengo.

Eu penso, de vez em quando, que, se há um lugar na Terra que Deus frequenta, este é a torcida do Flamengo. Na arquibancada, nas cadeiras azuis, nas tribunas, nas cadeiras especiais, nos bares, nas casas dos amigos, no paraíso, no além, no inferno e no purgatório. A torcida do Flamengo reina acima de tudo, como se fosse o Leviatã jamais imaginado ou previsto por Thomas Hobbes. A torcida do Flamengo é o verso não escrito do Rancho da Goiabada.

Não peço desculpas. Até pensei em pedir. Mas não posso pedir desculpas. O texto bem-educado diria “me desculpe a torcida do Inter, do Vasco, do Botafogo, do Fluminense, do Cruzeiro, do Corinthians”. Mas não. Não peço estas desculpas porque a Torcida do Flamengo é, não só maior em sua dimensão geográfica, mas em espiritualidade, em paixão, em amor e dedicação.

Ser Flamengo é um perrengue desgraçado. É pegar trem e metrô lotado para ver jogo às 19h30. É encarar fila de quatro ou cinco horas. É pagar mais caro para cambista. É passar perrengue para entrar no estádio. É sofrer muito durante o jogo, é gritar, xingar, vaiar – até na hora errada – lamentar, protestar.

Nós podemos criticar, reclamar, discordar da vaia da Magnética. Ou de alguns de seus integrantes. Podemos discutir o problema.

Mas, pelo amor de Deus, deixemos fora disso a Instituição. Hoje, meus amigos, a Magnética é uma instituição, um poder tão ou mais perene que Executivo, Legislativo ou Judiciário. Seu sangue derramado é a água benta da humanidade: se nascemos mortais, pecadores, frustrados, felizes, pobres, ricos, mas mortais e pecadores acima de tudo, o Flamengo existe para nos purificar. E a Magnética é nossa chave do paraíso, para a vida eterna.

Foi a Magnética que fez Dida balançar a rede do América por três vezes em 1953. Foi a Torcida do Flamengo, a Maior do Universo, quem fez Rondinelli voar por três segundos atrás do hediondo Abel. E eu estava lá e vi: foi a Magnética que fez Nunes passar por Silvestre e fuzilar João Leite com nosso sangue dos olhos, mandando o Atlético Mineiro e Pavoroso para o inferno de onde jamais deveriam ter saído.

Mas, PQP, não precisamos nem citar estes momentos de glória. Como diz o sábio filósofo rubro-negro Arthur Muhlemberg, ficar falando em títulos é trocar figurinha de álbum. Somos maiores do que todas as horas por causa de alguns segundos. Estes três do Rondinelli em 1978? Talvez. Mas não precisa ser. Posso citar um Flamengo 1 x 1 América obscuro de 1979; eu e meu velho no Maracanã, o América vencia com um gol de César. Zico pega a bola. Bate uma falta. Rondinelli, vestindo o segundo uniforme, mergulha de peixinho, marca o gol de empate.

E aí, meus amigos, só a Magnética pode fazer um empate ser vitória. Era Rondinelli, e eu e meu velho lembramos do FDP do Leão um ano antes, e pulamos e vibramos, e nos abraçamos de um jeito que só pai e filho podem se abraçar. Em volta, o Estádio lotado, a Magnética explodindo, como nenhuma outra torcida pode ou consegue fazer.

A gente estava lá. Na Torcida do Flamengo. Fico pensando em quantos daquela multidão já se foram, como meu velho. Certamente muitos. Mas ainda estão lá. Nós estamos lá. Ficaremos lá, sempre, a cada gol de cabeça ou de canela.

A Magnética, meus amigos, é o único lugar da Terra onde sempre estaremos.
Por isso tudo que escrevi acima, é que eu imploro à presidente do Flamengo e ao sr. Bruno Souza, atualmente goleiro do time: respeitem a Torcida do Flamengo como se fosse a coisa mais importante de suas vidas insignificantes.


Porque ela é.

Flamengo Net

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