terça-feira, 18 de maio de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos.

Após a pífia exibição da semana passada, quando mais uma vez em pouco tempo o time mostrou sua capacidade de calar um Maracanã lotado, e uma vez que as especulações sobre uma reformulação no elenco têm sido robustecidas, especialmente diante do fraco desempenho da equipe nestes tempos pós-hexa, ocorreu-me tentar avaliar: qual será a marca desse grupo de jogadores? Como eles serão lembrados daqui a uns dez, quinze anos? É esse exercício que tento fazer aqui.

Em 2005, a cúpula flamenga, cansada de ver a equipe chafurdando no pântano lodoso das sucessivas fugas contra o rebaixamento, resolve alterar o perfil dos jogadores contratados. Ao invés de investir os quase inexistentes recursos em nomes “bons” (???) e baratos (tipo Adrianinho, Marcos Dener, Márcio Guerreiro e quetais), começam a desembarcar na Gávea jogadores com algum histórico em equipes de ponta, ou pelo menos acostumados com o brilho dos holofotes. Em baixa, é verdade (não há dinheiro), mas rodados. Nesse contexto, chegam nomes como Leonardo Moura (ex-Botafogo, Vasco, Fluminense, São Paulo e Palmeiras), Renato (ex-Corinthians), Obina (grande destaque no Brasileiro de 2004), entre outros. No ano seguinte (pão de queijo à parte) a estratégia é repetida, e desembarcam na Gávea Juan (ex-Fluminense e São Paulo), Ronaldo Angelim (eleito o melhor zagueiro do Brasileiro de 2005), o jovem Toró (ex-Fluminense) e o goleiro Bruno (ex-Corinthians e Atlético-MG). Nos anos seguintes, essa seria a base de jogadores que formaria a espinha dorsal da equipe do Flamengo, com algumas idas e vindas (Ibson, Souza, Fábio Luciano, Adriano etc) que não mudariam sua essência.

Os resultados são indiscutíveis e falam por si. O Flamengo deixa de freqüentar a obscura região habitada por mortos-vivos como Brasiliense, Ipatinga, América de Natal e Botafogo, e volta a exercer sua habitual vocação de protagonista no futebol brasileiro. Dois títulos nacionais (entre eles o tão perseguido hexa), um tri estadual (e a conquista da tão almejada hegemonia), além de sucessivas classificações para a Libertadores. Tudo isso poderia fazer com que nomes como Leonardo Moura, Juan, Bruno, Toró e Ronaldo Angelim fossem tratados como heróis, redentores, saudados com uma reverência quase mitológica pela grande nação rubro-negra, certo?

Errado. Todos os supracitados, sem exceção, já foram, estão sendo ou ainda serão fortemente criticados, vaiados, massacrados, até hostilizados. E nem vou entrar aqui na questão da “falta de memória” ou “falta de reconhecimento” do brasileiro, pois não é isso o que quero discutir. Porque esses mesmíssimos heróis, redentores etc, também são os responsáveis por alguns dos maiores vexames da história flamenga. E com dois agravantes: uma repetição bizarra de eventos, e uma sádica capacidade de vivê-los sempre no Maracanã, preferencialmente lotado.

Assim, nos últimos quatro, cinco anos cada torcedor flamengo sempre tem estado exposto a uma alucinante e mortal gangorra, uma roleta-russa que empilha a glória e o escárnio de forma quase simultânea. À arrancada para a Libertadores de 2007 se contrapõe o Cabañas, ao lado do tri estadual se perfila o Resende, vitórias históricas (Fla-Flu com nove, virada no Sport em três minutos, pau no SPFC invicto e arrogante do Muricy etc) e derrotas inesquecíveis (Atlético-MG no jogo do Sambueza, 3-3 Goiás...). Tudo isso com praticamente o mesmo grupo de jogadores. O grupo do hexa.

Esses jogadores não têm perfil de vencedores, haverão de dizer. Talvez, mas como explicar que todo ano eles sempre trazem uma ou duas taças novas para enfeitar a Sala de Troféus da Gávea? Essa turma aí talvez só seja superada (de longe, é verdade) pela Geração Zico em termos de conquistas. Têm medo do Maracanã lotado e tremem, dirão outros. Pode ser, mas este mesmo Maracanã foi fundamental na arrancada de 2007, sempre cheio, sempre ensurdecedor, e sempre vitorioso. Ou no hexa, ou no tri, ou em outras batalhas. São frios e não “estão nem aí”, outros sustentam. Tudo bem, mas como explicar então o choro convulsivo de Leonardo Moura após cada taça conquistada (só procurar no youtube), ou o pranto incontrolável do Bruno após o jogo do Cabañas? Será mesmo que falta brio, falta alma a esses caras?

Enfim, muitas são as teorias. Eu acredito que esse é um perfil inerente à própria tradição flamenga (brilhar na adversidade plena e quedar vítima da lassidão quando sua superioridade é exposta), que de alguma forma esses jogadores absorveram com uma intensidade talvez inédita na história do clube. O fato é que, para um Bruno, um Juan, um Leonardo, o bálsamo das glórias e o açoite humilhante do escárnio sempre caminharão de mãos dadas, arrebatando e maltratando os corações de todos os que soçobram na vã tentativa de tornar racional o estado da arte da emoção que é ser Flamengo.

Concluindo, e quanto à pergunta do início? Afinal de contas, como esses jogadores serão lembrados? Bruno será o herói dos pênaltis, a muralha fundamental do hexa, ou um frangueiro boquirroto? Leonardo Moura será o velocista capaz de destruir defesas ou um omisso pipoqueiro? Juan, guerreiro ou um encrenqueiro folgado? Angelim, o herói do hexa ou um zagueiro meia-boca que teve sorte?

Deixemos a história, sábia como ela, decidir no tempo adequado. Enquanto isso, a mesma história coloca diante desses mesmos heróis-vilões mais uma oportunidade única para que mostrem seu valor, seu brio. O adversário está invicto. Joga em casa. Alçapão. Lotado. Pode até perder. Está com a moral nas alturas. Virtualmente classificado, com a vaga na mão.

É nesse tipo de cenário que o Flamengo costuma ser mais Flamengo.

Flamengo Net

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