terça-feira, 20 de abril de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Após o término de um campeonato em que seguiu direitinho a cartilha de “como perder”, o Flamengo entra em campo na quarta-feira buscando ainda salvar o semestre, e para isso precisa vencer o Caracas, no Maracanã, tarefa que normalmente não deveria causar muita preocupação.

Com efeito, acompanhando o noticiário da última semana (mais especificamente as matérias após a última derrota no Chile), vi muita gente qualificada fazendo contas e mais contas, cruzando os jogos dos outros grupos. O veredicto foi mais ou menos o mesmo: ao Flamengo, “basta” uma “simples” vitória por dois gols e a vaga estará na sacola, salvo alguns resultados que tangenciariam o absurdo.

Conhecendo bem a capacidade flamenga de transformar em epopéia situações tranqüilas, e meio preocupado com a naturalidade com que se crê nessa tal vitória por dois gols, especialmente pelo que o time (não) vem jogando, quero lembrar duas historinhas educativas, ambas envolvendo adversários venezuelanos.

1984, Segunda Fase da Libertadores. O Flamengo vai para a última partida diante do inexpressivo ULA Mérida, da Venezuela (por coincidência, o time em que Andrade jogou nos anos 70) precisando de uma vitória por OITO gols, para obter a vantagem do empate em um jogo-extra com o Grêmio. O treinador Zagallo, à época ainda exibindo uma fanfarronice de fazer corar o Renato Gaúcho de hoje, cismou que a tarefa era tranqüila, e que bastariam dois ou três gols no início. Realmente, o adversário era fraquíssimo, havia apanhado de cinco ou seis de meio mundo. Mas entrou mordido e retrancado no Maracanã, saiu na frente logo no início e entrincheirou-se em sua defesa com todas as forças. Após errar 36 cruzamentos e perder gols inacreditáveis, o Flamengo, diante de uma torcida lívida e que suava frio, conseguiu a virada com Tita e Adílio, marcando o gol da vitória a dez minutos do fim e evitando o que seria um dos maiores vexames de sua história. Mas a vantagem do empate não veio, e justo um 0-0 no jogo-extra o eliminou da competição.

1992, Torneio Pré-Olímpico. Com pleno cartaz pela conquista da Copa São Paulo pelo Flamengo, o treinador Ernesto Paulo convoca uma seleção repleta de jogadores promissores para a disputa de uma vaga nas Olimpíadas de Barcelona. Nomes como Cafu, Roberto Carlos, Marcelinho, Márcio Santos, Élber e Elivélton faziam crer que a vaga viria com facilidade, o que não aconteceu. Mas, mesmo não exibindo um bom futebol, a seleção chegou à última rodada precisando de uma vitória simples contra a pálida Venezuela, que ainda não havia pontuado. Desligada e exibindo uma arrogância sem precedentes, a equipe é surpreendida, sofre um gol no início e somente na segunda etapa chega ao empate, com Elivélton. Mas não consegue furar o bloqueio do adversário e por muito pouco não sai com uma derrota humilhante. No fim, o 1-1 tirou o Brasil das Olimpíadas, e Ernesto Paulo acabaria relegado ao esquecimento.

Agourento? Derrotista? Arauto do apocalipse? Não, meu objetivo, ao relembrar essas passagens desagradáveis, é mostrar que “futebol só acaba quando termina”. Não adianta fazer contas com os resultados alheios, se isso fizer o time perder foco em campo. E, particularmente esse ano, temos visto que o desempenho flamengo em campo vem sendo bem aquém do minimamente desejável.

Isso quer dizer que não acredito na vaga? Não, jamais. Um torcedor flamengo, por mais que a realidade indique o contrário, nunca perde a fé e a esperança em um desfecho vitorioso, até porque o Flamengo sempre foi especialista em desafiar e derrotar a realidade, e é isso que faz do Flamengo o Flamengo. Desunião no elenco, excesso de regalias, “panelinhas”, falta de pulso? No início do ano passado havia tudo isso. E ainda havia salários atrasados. E ainda tinha o Cuca. E mesmo assim ainda conseguimos o tri estadual, que pouco pode significar para muita gente, mas não deixou de ser uma conquista.

Enfim, chegamos a um momento de definição e avaliação. A derrota para o esforçado time do Botafogo escancarou as deficiências na forma com que o futebol vem sendo conduzido, isso desde a presidência até o roupeiro. Certo que derrotas por vezes ampliam além do desejável alguns problemas, mas agora, nesse momento específico, não vai adiantar colocar na berlinda os erros de conduta do nosso capitão, o progressivo processo de racha no elenco, a fritura do Andrade, a segregação do Petkovic, a falta de profissionalismo do Adriano, os inúmeros defeitos do time, entre outros problemas. Agora é hora de torcer, de acreditar, de fazer mostrar que somos Flamengo, somos diferentes, capazes de encontrar no fundo do abismo a força motriz que nos levará aos píncaros da glória.

É certo que esse processo poderá redundar num aprofundamento da crise, demissão de treinador, derrubada de diretoria, reforma no elenco, essas coisas. Não seria a primeira vez. Mas também é plenamente possível que esse grupo ferido, sangrando as feridas advindas do escárnio e da ofensa, novamente tire de suas entranhas forças inimagináveis e mostre-se capaz de uma redenção somente verossímil a quem vive e sente a paixão flamenga.

Para não ficar apenas em lembranças ruins, foi exatamente isso o que aconteceu em 1999, quando um grupo à deriva, eliminado e imerso na mais profunda crise (com direito a afastamento de três jogadores, alguns deles depois reintegrados) emergiu da lama para arrancar ao título da Copa Mercosul. E nessa hora, a torcida, mesmo desconfiada, deu as mãos ao time e caminhou junto.

Eu já fiz a minha escolha. Com todo o desencanto com esse 2010 flamengo, mesmo vendo um time que não funciona e não parece muito a fim, na quarta-feira estarei, como sempre, diante da TV, gritando e torcendo por todos aqueles que estão ali, trajando o sagrado pano negro e encarnado, empurrando para mais uma vitória, mais uma briga, mais uma luta. Depois, a gente reclama, xinga, corneta, esperneia. Mas na hora da batalha, jamais há de se negar força e fé. Sempre e sempre.

Porque o meu maior prazer é ver o Flamengo brilhar.

Flamengo Net

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