quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Lobo não come lobo (divagações à espera do Fla-Flu)

Domingo tem Fla-Flu. O único jogo capaz de me fazer voltar no tempo, quando eu era um moleque que pegava a Revista Placar ansioso pela tabela do campeonato, e circulava com caneta vermelha o domingo reservado ao Fla-Flu.

Era uma época sem internet, sem pay-per-view e sem telefones celulares. As pessoas trocavam cartas pelo correio, o futebol ao vivo na televisão era um evento que comemorávamos antes, durante e depois, e ter um telefone fixo (seis dígitos) conferia ao proprietário um certo status. Assim, para saber as notícias do Flamengo, ouvíamos o rádio. Sei que os mais jovens imaginam esse cenário como uma Era Mesozoica, e a nós, jurássicos flamengos, como pesados dinossauros que arrastavam enormes caudas rubro-negras a derrubar sequoias e palmeiras. Era mais ou menos isso aí, mas também ouvíamos rádio e, no dia seguinte aos jogos, recortávamos do jornal O Globo a coluna Penalty, de Otelo Caçador, para sacanear a arcoirizada, que eram chamados nominalmente de bacalhaus, tricolagem e cachorrada. A vida era mais simples. Não havia essa enxurrada de informações de hoje, mas éramos felizes.

O rádio. Eu sempre ouvi a Rádio Globo, mas em 1983 fui surpreendido por um desabafo de Jorge Cury ao final de uma jornada esportiva. Ele estava de saída da emissora, deixando para trás a camisa 1220 e a cabine 10, a cabine Pelé, como ele mesmo dizia. Fiquei em pânico, achando que nunca mais teria as transmissões interrompidas pela voz de trovão que dizia para anotarmos o tempo e o placar no maior do mundo. Logo veio a notícia que Cury apenas trocava de prefixo, era girar o seletor um pouco para cima e achar a Super Tupi nos 1280. O futebol passou a ser com a dobradinha Jorge Cury e Doalcei Camargo. Raul Plassmann pendurou as chuteiras e foi ser o comentarista. Ainda havia Sérgio Noronha e Carlos Marcondes. Um timaço, o da Tupi.

Minha dependência de Jorge Cury fez com que eu só ouvisse a Tupi, até dezembro de 1985, quando o locutor de 9 copas do mundo faleceu tragicamente em um acidente de carro. Deixei de ter uma estação preferida. Às vezes ia de Doalcei, Edson Mauro e Dário de Paula nos 1280, às vezes de Garotinho, Penido e Mauricio Menezes nos 1220, sem esquecer o indivíduo competente Waldir Amaral, que dividia a Nacional com César Rizzo. Isso foi até 1988, quando Penido levou meia Globo para a Tupi, mas aí já é outro assunto.

O que eu quero contar é que mesmo tendo me mudado com Cury para a Tupi, havia um jogo que só podia ser ouvido na Globo: o Fla-Flu. Culpa da vinheta que ouvia desde muito pequeno, que embalava as semanas de Fla-Flu cantando nos meus ouvidos lobo não come lobo, o Fla-Flu é na Globo. Lobo não come lobo, e desfilaram pelo Fla-Flu Zico, Rivelino, Toninho Baiano, Doval, Júnior, Nunes, Uri Geller, Assis, Tita, Mozer, Washington, Raul, Bebeto, Paulo Vitor, Tato, Andrade, Delei, Sócrates, Edinho, Uidemar, Ézio, Bobô, Nélio Marreco, Romário, Renato Gaúcho, Sávio, Roger Maradona e Roger Guerreiro, Liedson, Felipe, Marcão, Zetti, Agnaldo, Petkovic e Adriano Imperador. Mudaram os jogadores, mudou o jogo e alguns dos speakers que contaram páginas do mais belo de todos os clássicos já calaram suas vozes. Já nem ouço mais futebol no rádio, mas basta a tabela dizer que o próximo jogo é um Fla-Flu e pronto, vem a musiquinha. Lobo não come lobo.

Domingo tem Fla-Flu, e enquanto a bola não rola, eu me lembro de Jorge Cury, do gol de cobertura do Lico em 1981, do golaço de Leandro em 1985, das três buchas que Zicão meteu no Paulo Vitor em 1986. Eu me lembro que esse jogo já me fez feliz e triste, mas bem mais feliz que triste. Eu lembro que lobo não come lobo, seja já o que isso signifique, e vamos lá para mais um Fla-Flu na vida de todos nós.


Mauricio Neves no Twitter: http://twitter.com/badsnows

No site oficial do Flamengo: http://www.flamengo.com.br/site/blog/blog.php?id=5

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