As lições de 2002
Ontem, o companheiro de blog Maurício Neves escreveu por aqui um texto criticando o vice de futebol do Flamengo, Marcos Bráz, por ter declarado que o Flamengo não priorizaria a Libertadores. Confesso que não li a declaração e acho que a competição sul-americana obviamente deve ser a prioridade absoluta do clube neste ano; se alguém lá dentro acha que não, está muito, muto errado. Mas, enquanto o Maurício usou o exemplo de nosso péssimo desempenho na Libertadores de 2002 para puxar a orelha do dirigente eu, vejam vocês, vou utilizá-lo para o contrário. Eis a beleza de um espaço democrático como este, não?
(Apesar de ser tocado com mão-de-ferro por um ditador furioso, mas beleza).
Em 2002, o Flamengo iniciou o ano não exatamente com um bom elenco - já que ele tinha vários desequilíbrios graves -, mas ao menos com uma penca de bons jogadores, de nome: Júlio César, Juan, Athirson, Leandro Ávila, Beto, Leonardo, Petkovic, Juninho. É uma bela base. No entanto, terminou eliminado ainda na primeira fase da Libertadores. Não exatamente por "falta de prioridade"; afinal, foi mal também no Rio-São Paulo e até no Caixão 2002. No Brasileiro, acabou na vexaminosa 18a. posição. Pensem bem: mesmo que o time não tivesse ninguém no banco de reservas, os jogadores acima deveriam ser suficientes para que o time conseguisse um pouquinho mais do que isso.
Para tanto fracasso, pesou o fato de terem passado pela Gávea naquela temporada alguns treinadores de peso: João Carlos, Carlos César, Lula Pereira e Evaristo de Macedo. Mas, mais do que isso, aquele foi o ano do impeachment de Edmundo Santos Silva, que deu lugar a Gilberto Cardoso Filho, num cenário pós-falência da ISL. O clube vivia talvez a fase mais turbulenta de sua história, com uma desorganização impressionante, dívidas estourando de todos os lugares e, obviamente, salários atrasados. Isso, obviamente, refletiu-se no desempenho do time.
Neste início de temporada, vimos alguns times anunciando diversas contratações. Parte da torcida rubro-negra começou a ficar impaciente e a cobrar reforços. Vejam bem: eu acho também que o elenco, para realmente ficar confiável na busca dos títulos importantes que disputará nesta temporada, precisa de mais jogadores, inclusive em condições de serem titulares. No duro, vejo o desempenho do time este ano como uma incógnita: boa parte de nosso sucesso no Brasileiro passado baseou-se na dupla Adriano-Petkovic, e não sei bem como vão render em 2010 - principalmente o segundo. Acredito mesmo que, sem Pet ter jogado o que jogou em uns 9 ou 10 jogos do ano passado, o Hexa não viria de jeito nenhum. Ele já nos surpreendeu muito antes - a ponto de inspirar uma onda de contratações nostálgicas que se alastraram por outros clubes brasileiros. Mas é difícil ter certeza de que ele vá voltar a render naquele nível este ano.
Porém, é preciso ter um mínimo de coerência. Se sei que o clube encerrou o ano devendo a funcionários e atletas, que muitas receitas foram adiantadas, outras tantas pra frente estão penhoradas, sempre me revoltei com as notícias de salários atrasados e, ainda por cima, quero que o clube invista em estrutura para seus profissionais, tenho que entender que é preciso segurar a onda nos gastos. E, neste momento, tenho visto que a diretoria tem sabido utilizar a infalível Lei da Oferta e da Procura a seu favor.
Começou pelo caso de Andrade. Na época de sua renovação, houve quem dissesse que deveriam pagar de uma vez o que ele pedia, era justo, e não era aquele aumento sozinho que estouraria as contas de um clube que paga centenas de milhares de reais a um Dênis Marques da vida. Talvez estivessem certos, o treinador é um ídolo e eu mesmo acho que merece toda a valorização do mundo. Mas, de qualquer forma, Andrade ficou. E, caso seu salário tivesse tido um aumento ainda maior do que o que foi dado, o que isso teria sinalizado ao mercado e aos demais profissionais do clube? Será que hoje Ronaldo Angelim teria hoje renovado seu contrato, em bases mais próximas das que o clube oferecia? O quanto será que isso impactaria na pedida salarial de outros que o clube pretendesse contratar?
No momento, há a expectativa por Vagner Love - que, sinceramente, não aguardo com nenhuma ansiedade, bem pelo contrário. Mas vejo que a situação parece próxima de se resolver e, novamente, a tal lei infalível está funcionando a favor dos cofres rubro-negros. Pode ser que acabe dando pra trás (de novo: eu não ficaria triste com isso); mas, ao que parece, está bastando esperar para que a pedida do vendedor - no caso, o Palmeiras - vá baixando até o preço que o Flamengo pretende - no caso, zero.
De novo: acredito que alguns reforços seriam mais do que bem vindos. E não sei dizer se Marcos Bráz, que no duro está há pouco tempo à frente do futebol e nunca precisou montar um elenco na vida, tem a competência necessária para o trabalho; é preciso esperar pra ver. Pode até ser que o trabalho neste sentido esteja sendo um tanto mais lento que o desejável; o ideal seria que Andrade já tivesse agora, no início da pré-temporada, seu grupo bem mais montado do que está. Porém, vivemos uma fase de transição, com orçamento indefinido e gente chegando ao clube que não conhece a fundo suas contas. Na verdade, ninguém lá dentro sabe ao certo o quanto se pode gastar - já sei que uma das primeiras coisas que estão sendo providenciadas é uma auditoria de todas as contas, pra se saber exatamente onde estão pisando.
E se há uma lição que 2002 deixou, ao menos para mim, é esta: sem um mínimo de tranquilidade pra trabalhar, não se chega a lugar nenhum. Se a prioridade por lá está sendo pagar em dia quem já está no clube, estão mais do que certos. O Flamengo está em um período de retomada de sua credibilidade que passa muito pelos resultados em campo, mas também bastante pelo que se faz fora dele. No momento, acho que vale o voto de confiança ao caminho que está sendo tomado.
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Ah sim: peço desculpas pela ausência da coluna nas últimas semanas. Natal, ano novo, cerveja, destilados, sabe como é. Mas se até o Adriano ainda tá com o pé queimado desde o ano passado, acho que posso ser desculpado.
- ANDRÉ MONNERAT trabalha com marketing em Internet e escreve também no SobreFlamengo (sobreflamengo.blogspot.com e twitter.com/sobreflamengo).
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