segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Alfarrábios do Melo Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana terá início mais uma edição do Campeonato Estadual. E como aperitivo, deixo uma passagem que mostra como a história sempre se repete. O “homenageado” da semana é nosso trivice. Boa leitura. A História se Repete – o Chororô de 1942 1942. Em meio à ansiedade gerada pela entrada do Brasil na Segunda Guerra, o carioca se apruma para acompanhar mais um Campeonato Carioca. E, pelos preparativos das equipes, essa edição promete. O Flamengo, particularmente, está mordido e obcecado pelo título. O rubro-negro ainda não havia digerido a perda do campeonato anterior para o Fluminense, após o empate no clássico que ficou eternizado como o “Fla-Flu da Lagoa”. Para a temporada de 1942, a diretoria resolveu tomar medidas mais enérgicas, e a primeira delas foi negociar a estrela da companhia, o craque Leônidas, que apesar do magnífico futebol vinha se tornando um transtorno com seus ataques de indisciplina. Para substituir Leônidas, o treinador Flávio Costa confiava na forte dupla formada por Pirilo e Perácio. Outro reforço seria o ótimo goleiro Jurandir, encostado no Palmeiras. Com a base formada por Biguá, Valido, Jaime e Vevé, o Flamengo já poderia ser considerado forte candidato ao título. Mas ainda havia o magistral Domingos da Guia na zaga e o gênio Zizinho no comando do meio-campo. Era uma máquina, um esquadrão, um time muito forte. Mas os adversários também eram temíveis, notadamente o Fluminense, com quem o rubro-negro vinha disputando ponto a ponto a hegemonia do futebol do Rio a cada ano. A maior ameaça ao reinado da dupla Fla-Flu era o Botafogo, comandado pelo irascível Heleno de Freitas. O Vasco sofria um processo de reformulação (começava a montar o forte time dos anos 50) e corria por fora, bem como o América. O Flamengo começa a competição de modo claudicante. Goleia o Canto do Rio na estréia, mas depois sofre quatro tropeços seguidos e se distancia da liderança. Ensaia reação, mas perde para o Fluminense (1-2) e encerra o primeiro turno com uma pálida terceira colocação. A essa altura, tudo indica que o título ficará entre Fluminense e Botafogo. O tricolor engata incrível sequência de 10 vitórias em 11 jogos, mas quem parece empolgar o público é o Botafogo, com o futebol exuberante de Heleno. O Flamengo chega a estar a sete pontos da liderança, distância considerada inalcançável (o campeonato era disputado em pontos corridos e a vitória valia dois pontos). A maré começa a virar quando o Fluminense leva inacreditáveis 6-1 do modesto São Cristóvão, em Figueira de Melo (jogo que consagrou o obscuro atacante Caxambu, autor de três gols, que desfilaria exibindo a bola do jogo no dia seguinte). Enquanto isso, o Flamengo ganha moral após segurar um duro 2-2 com o Botafogo em General Severiano e ao vencer o Vasco por 1-0. Mas a arrancada se iniciaria após a espetacular virada conseguida contra o América, quando o time reverteu, nos minutos finais, uma desvantagem de 1-3, fechando o placar em 4-3, numa exibição ensandecida de Vevé, o ponta triste (muitos consideram Vevé o melhor ponta-esquerda da história flamenga. Em 1942 Vevé estava no auge). Depois disso, o rubro-negro, cheio de moral, livre dos problemas de contusão e com o time pronto, iniciou uma absurda arrancada de mais TREZE vitórias seguidas. O devastador ataque formado por Valido, Zizinho, Pirilo, Perácio e Vevé começou a empilhar uma goleada atrás da outra e a abrir verdadeira caçada ao Botafogo, que estava quatro pontos à frente. Ao vencer o segundo Fla-Flu por 1-0, o Flamengo ultrapassa o tricolor e já está em segundo. O Botafogo sente a pressão. Não é mais o time leve e insinuante das primeiras rodadas. As vitórias começam a vir mais suadas. Focos de tensão surgem entre os jogadores. O empate contra o franco-atirador América torna as coisas ainda mais tensas em General Severiano. E o que era tensão vai beirar o desespero quando o Botafogo não sai do 0-0 contra o fraco Canto do Rio, em Niterói. A antes confortável diferença cai para meros dois pontos, diante de um Flamengo que vem babando, ganhando todas de cinco ou seis. E chega o grande dia, a “final antecipada” entre os dois rivais. Terceiro turno, a reta final. O Estádio da Gávea abarrota-se, o Rio, o Brasil inteiro esperam o clássico nas ondas das possantes rádios cariocas, aguardam o desfecho da arrancada do Flamengo. Mas o Botafogo, apesar dos tropeços recentes, ainda está invicto. E tem uma boa vantagem, pois o empate muito lhe interessa. Não, senhores, o que se viu em campo não foi um clássico. Foi um massacre. Injetados de gana, sentindo o sangue rubro-negro arder nas veias, onze flamengos pintaram suas caras de vermelho e foram pra guerra. O Botafogo tentou cadenciar, ensebar, mas foi inteiramente anulado pelo esfomeado volume de jogo do Flamengo, turbinado pela esmagadora maioria de torcedores no estádio. Na verdade, o Brasil torcia por uma vitória flamenga, pelo final feiz daquela história de superação. E os heróis da jovem nação não decepcionam. Domingos não tomou conhecimento de Heleno, Biguá assombrou o público com comovente raça, Zizinho levou os alvinegros à loucura com passes macios e melódicos, e Vevé semeou o caos e o pânico na esbaforida defesa botafoguense. Mas o grande nome foi mesmo Perácio, o tanque, que talvez tenha realizado sua mais perfeita exibição com a camisa flamenga. Diante de tão magnífica atuação, era natural que os gols fossem saindo. Perácio abriu os trabalhos, sendo logo seguido por Pirilo, e depois novamente Perácio. Na segunda etapa, o abatido e derrotado Botafogo entregou-se de vez, e contentou-se em se entrincheirar em sua defesa para evitar humilhação maior. Mas ainda haveria tempo para Heleno acertar pontapé no médio Volante e ser expulso e para Jaime fechar a conta e o caixão com mais uma estocada. Final, Flamengo 4-0 Botafogo. Após o baile, ninguém mais duvidava do título flamengo. Nem os botafoguenses (mesmo ainda dividindo a liderança). E nem o oba-oba impediu o rubro-negro de seguir enfileirando vitórias acachapantes. Em outra absurda demonstração de poderio, o Flamengo, em apenas 20 minutos, abriu 5-0 no América. Depois relaxou, mas ainda fechou o placar em bizarros 8-5. E, enquanto o rubro-negro seguia goleando, o Botafogo, destroçado moralmente, seguia oscilante. Ao empatar com o Fluminense, deixa a liderança isolada ao Flamengo. Mas é nos 3-3 com o São Cristóvão que o alvinegro, ao ver o título ir embora de vez, mostra seu descontrole. “Roubados, fomos roubados”. Alucinados, jogadores e dirigentes saem escoltados do gramado, sob vaias. Reclamam da anulação de um gol de Patesko e principalmente da validação do terceiro gol do São Cristóvão. “Flagrante off-side”, alegam os botafoguenses, querendo impedimento. O escândalo dura uma semana, até que resolvem tomar uma atitude. Vão aos tribunais. Mas a choradeira é tão intensa, tão estridente, que não se contentam apenas em anular a partida. Não. O mimimi atinge tamanho grau de sofisticação que General Severiano quer logo tomar os pontos do jogo. Quer ganhar no tapetão o que já não consegue no campo. Enquanto isso, nas últimas rodadas o Flamengo confirma o (agora) favoritismo e consegue o título, ao empatar o último Fla-Flu por 1-1, em jogo tenso. Mas, como terminou apenas um ponto à frente do Botafogo, é necessário ainda esperar o resultado do tribunal. Os flamengos estão tão preocupados com o resultado do julgamento que espocam champanhe ainda no campo das Laranjeiras, após o empate, e dão volta olímpica. A Federação, que tem mais o que fazer, leva 140 dias para analisar o caso. E dá ao Botafogo a devida dimensão de seu berreiro, ao confirmar o resultado da partida, e assim o título flamengo, por 8 votos a zero. Enquanto Severiano se recompõe e tenta enxugar as lágrimas, o Flamengo vive tempos de festa. Novamente campeão, vê sua popularidade se alastrar com rapidez impressionante, embalado pelo rádio, pela gaitinha de Ary Barroso e pelo futebol de Domingos e Zizinho. É o início de uma era vitoriosa, do nascimento da Charanga e do primeiro tri. O clube está pronto para romper fronteiras e ganhar o país.
O Rio de Janeiro havia ficado pequeno para o Flamengo.
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