terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Futebol ainda parado, pré-temporada começando, os torcedores, meio órfãos de futebol, dividem-se entre acompanhar jogos do futebol europeu, buscar notícias sólidas no meio do mar de especulações ou simplesmente curtir suas férias. Mas até pouco tempo atrás, uma boa diversão era acompanhar os jogos da Copa SP de Juniores, competição pródiga em revelar talentos e que costumava oferecer espetáculos bastante interessantes. Infelizmente, a realidade do futebol atual a tornou uma competição inchada e massificada, com uma miríade de equipes, várias delas de aluguel.

De qualquer forma, uma das edições da Copa SP é guardada com carinho pelo torcedor flamengo. Em 1990, o rubro-negro montou uma verdadeira seleção, e é essa história que eu deixo aqui agora. Há links para vídeos nos negritos. Então, boa leitura.

A Copa São Paulo de Djalminha

1990. Inchado com o assustador número de contratações da temporada anterior, o time principal do Flamengo inicia sua pré-temporada em busca de um recomeço. Sem Zico, que se despediu definitivamente dos gramados brasileiros, o time terá em Júnior, Leandro e Renato Gaúcho os líderes de um elenco onde despontam talentos como Ailton, Zinho, Uidemar, Zé Carlos e Leonardo, além do bom zagueiro Fernando (ex-Vasco) e dos promissores atacantes Luís Carlos e Bujica. O clube se reforça com o meia Edu Marangon (destaque na Portuguesa) e o atacante Gaúcho, brigado com o Palmeiras. Além disso, envolve-se em dura briga por mais dois nomes. Numa delas sai derrotado, ao perder Carlos Alberto Dias para o Botafogo. Na outra, a mais duradoura, consegue vencer a queda de braço com o Vasco e confirmar a contratação do zagueiro André Cruz, titular da seleção. No comando, permanece o prestigiado Valdir Espinoza, que terá de fazer o estrelado elenco render mais do que no opaco segundo semestre do ano anterior.

Enquanto isso, viceja uma geração de juniores pronta, sedenta para subir ao time principal. Nos dois anos anteriores, alguns nomes, como o imprevisível zagueiro Júnior Baiano, o clássico volante Marquinhos e o meia Luís Antônio, já haviam disputado jogos pela equipe principal, sendo bastante elogiados. Outros, como o veloz atacante Paulo Nunes e o irrequieto meia-atacante Nélio, também já começavam a chamar a atenção. Mas, de todos, o garoto que mais causava curiosidade era o meia Djalminha, filho do defensor Djalma Dias (que brilhara em times como Palmeiras e América-RJ). O menino era dotado de incrível habilidade com a bola nos pés, chutava muito fácil a gol e abusava de passes e lançamentos precisos. É certo que possuía um temperamento não lá muito fácil, mas isso era coisa da juventude, imaginava-se. De qualquer forma, a Copa São Paulo, que estava logo ali, seria a grande oportunidade para exibir seu talento.

A edição daquele ano da Copa SP contou com um sistema de pontuação bastante complexo (como era praxe na época). A vitória valia 2 pontos, o empate 1 ponto e a derrota nada. Mas, além disso, havia alguns penduricalhos. Se a vitória fosse por mais de três gols, valeria 3 pontos. Empate em 0-0 não dava ponto a ninguém e levava o jogo para os pênaltis, cujo vencedor levava um pontinho de bonificação.

As 36 equipes foram divididas em seis chaves, das quais sairiam três classificados de cada para a fase seguinte. Ao Flamengo coube a companhia de Botafogo-SP, Central Brasileira (Cotia), Criciúma, Nacional-SP e Santos. E o início foi bastante discreto, com um empate em 1-1 com o Botafogo de Ribeirão Preto. Depois, vitórias magras contra Nacional (1-0), Central Brasileira (2-0) e Criciúma (2-1), e no fim um chocho 0-0 contra o Santos (com vitória por 5-4 nos pênaltis). O time passava à Segunda Fase após somar 8 pontos, obtendo o segundo lugar em sua chave (também passaram Botafogo-SP e Nacional-SP).

A fase seguinte adotou o sistema de mata-mata, do qual foram liberados os seis melhores da Primeira Fase, que já avançavam direto para a Terceira Fase. Não era o caso do Flamengo, que precisou disputar uma vaga com a Tuna Luso do Pará. Após a vitória por 3-1, o desafio nas Oitavas seria bem mais complicado, a Portuguesa de Desportos.

A Lusa já começava a montar uma sólida base de garotos que logo traria excelentes resultados (a começar pela conquista da Copa SP no ano seguinte), e havia atropelado seus adversários na Primeira Fase, com várias goleadas, numa das melhores campanhas até então.

E Flamengo e Portuguesa fizeram um dos mais acirrados duelos do torneio, um belo choque de estilos entre o futebol mais cadenciado e técnico do rubro-negro e a correria dos garotos paulistas. No final, o empate em 1-1 foi justo, dado o equilíbrio de forças, mas na decisão por pênaltis brilhou a estrela do goleiro Adriano (que já brilhara no tempo normal com belas defesas) e o Flamengo, vencedor por 4-1, seguiu em frente. Agora somente restavam seis equipes. O funil apertava.

A essa altura, Ernesto Paulo já montava seu time-base com Adriano, Mário Carlos, Tita (Edmilson), Júnior Baiano e Piá; Fabinho, Marquinhos, Luís Antonio e Djalminha; Paulo Nunes e Nélio. Os principais destaques eram Júnior Baiano, Nélio, o goleiro Adriano e principalmente Djalminha, já apontado como um dos grandes nomes da competição.

Na fase seguinte, os seis sobreviventes foram divididos em duas chaves. Flamengo, Corinthians e Juventus de um lado, São Paulo, Internacional e Santo André do outro. Cada grupo classificava duas equipes para as Semifinais. O Flamengo vinha em ascensão, mas quem brilhou nessa fase foi o Juventus-SP, clube que sempre trazia uma equipe de juniores forte (havia sido campeão em 1985, e vice em 1989), e que havia derrotado o Flamengo por 2-1 (de virada, num jogo duríssimo com uma arbitragem muito confusa) e o Corinthians por 2-0, mostrando visível superioridade. Assim, Flamengo e Corinthians brigariam pela última vaga do grupo para as Semifinais.

O Pacaembu recebeu um ótimo público para apoiar o Corinthians na decisão da vaga. Mesmo com a (considerada) inesperada derrota para o Juventus e com as boas atuações de Djalminha, o time paulista era tido como favorito, muito em função das categóricas vitórias nas fases anteriores. E no início o alvinegro realmente deu a impressão de que levaria vantagem, exigindo bastante de Adriano. No entanto, os paulistas não contavam com a exibição de Djalminha, que se travestiu num demônio em campo e literalmente passou a destroçar a defesa adversária. Naquela que talvez tenha sido a maior atuação individual de um garoto na história da Copa São Paulo, Djalminha simplesmente enlouqueceu torcedores, jornalistas e mesmo outros jogadores. Com a desconcertante e inverossímil marca de CINCO gols, o filho de Djalma Dias implodiu Corinthians, Gaviões da Fiel e a estrutura do torneio, comandando o massacre flamengo e estalando estrondosos SETE a UM na face adversária. Não, não foi erro de digitação: naquela tarde, o placar do Pacaembu exibiu o contundente recado: Flamengo 7-1 Corinthians. Daquele dia mágico, há o registro em vídeo de uma das belíssimas obras do gênio, um lindo gol por cobertura. Resignada e abatida, a torcida corintiana consagrou o pequeno prodígio com ruidosas palmas. Agora, pintava o campeão.

Embalado, o Flamengo não tomou conhecimento do Internacional e enfiou-lhe contundentes 3-0. Agora os garotos de Ernesto Paulo exalavam autoconfiança e alma de campeão. O adversário na final, ao contrário do esperado, não foi o São Paulo, mas o Juventus, velho conhecido, que superou o tricolor na outra Semifinal. Melhor assim, pois havia a chance da revanche.

Sem os times mais tradicionais da cidade na final, o Pacaembu vazio e gelado foi testemunha de mais uma grande partida entre Flamengo e Juventus. Nem os desfalques de Paulo Nunes, Marquinhos e Marcelinho (convocados para a Seleção sub-20) tira a competitividade do Flamengo, que exerce intensa pressão na equipe paulista logo no início da partida. E ainda não haviam se passado 5’ quando a blitz dá resultado. Júnior Baiano ganha disputa pelo alto no meio e se projeta ao ataque. Djalminha pega a sobra, acaricia a bola com doce ternura e aplica-lhe suave e adocicado passe de trivela, que encontra o becão baiano livre, tendo apenas diante de si o goleiro grená, que sai desesperado do gol. Calmamente, Júnior Baiano vive seu momento bestial e dá um toque sutil e aristocrático, remetendo a criança por cobertura em direção ao gol. O Flamengo abre o placar.

O que se seguiu foi um duelo selvagem pela posse de bola, de intensa marcação. Apesar de um ou outro lance mais agudo, com bolas na trave e boas defesas dos dois goleiros, o placar não foi movimentado, terminando mesmo em Flamengo 1-0 Juventus. Pela primeira vez (e até hoje a única), o Flamengo era campeão da Copa São Paulo de Juniores, coroando o lançamento de uma das mais talentosas gerações que o clube já produziu, talvez comparável às safras dos anos 50 e 70 em termos de talento bruto. Um grupo de jogadores que poderia ter feito o Flamengo voar longe.

Campeão da Copa do Brasil, Estadual e Brasileiro foi pouco.

Muito pouco.

Flamengo Net

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