segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Para encerrar o ano

Depois da ópera que assisti ontem, pensei em abrir mão da promessa e fazer um Top Ten sobre o jogo das estrelas.

Só que meus irmãos de Fé Arthur Muhlemberg e Lucas Dantas foram mais rápidos, e creio eu, muito mais precisos do que eu conseguiria ser. Este é um post em homenagem à velha guarda do blog, com 2 textos com a essência do que aconteceu ontem.

Nos títulos, os links com a url original.

Se não nos falarmos mais, Feliz 2010 a todos.



* Por Arthur Muhlenberg


A semiótica é um saber muito antigo, que estuda os modos como o homem significa o que o rodeia.

Após a dionisíaca conquista do nosso épico hexa, nada mais parecia ser capaz de emocionar um rubro-negro em 2009. Nada que fosse relacionado ao universo esportivo. E depois de intermináveis 21 dias de pausa emocional, onde a veia operística da Magnética se manteve anomalamente contida e ao mesmo tempo distensionada, chega o Jogo das Estrelas para fazer os corações rubro-pretos baterem em outro ritmo.


Emi se indignou com a bandeirinha.

A própria presença de mais de 70 mil pessoas no Maracanã em um domingo escaldante já é algo assombroso. Não é necessário dizer que só mesmo a gente, Nação Rubro-Negra, pra fazer algo dessa magnitude. É tão reconfortante saber que até mesmo uma pelada amistosa nos dá motivos tão fortes para confirmar que somos os maiores. Mas não pensemos apenas em nosotros. Regozijemo-nos também pela ajuda que chegará à família de Zé Carlos e às mãos de Washington, nosso carrasco florminensista nos longínquos anos 80. Além de ser tudo que já é, o Flamengo, através de seu maior evangelista, Zico, ainda tem o poder de fazer de cada um nós seres humanos melhores.

Falando em seres humanos, que magnífica constelação de craques Zico conseguiu reunir. Fico até receoso de citá-los nominalmente e cometer a injustiça de esquecer o nome de alguém. Ma também não há como não me levantar da cadeira e digitar de pé os nomes de Adílio, Andrade, Junior, Zinho e Charles Guerreiro. Quando esses caras começam a trocar passes transformam aqueles 450 gramas de couro inflado esfericamente em uma prodigiosa máquina do tempo que anula dimensões. A bola correndo pelo gramado, sendo tocada por aqueles pés sagrados era uma imagem comovente. Tão comovente e bela que nem mesmo as despropositadas vaias ao Tetra Campeão Renato Gaúcho conseguiram avacalhar com as minhas sinceras lágrimas internas.

Pai, eu vi o Zico!

Como entusiasmado puericultor amador que sou é evidente que levei minhas crias ao Maraca. Não poderia ser tão irresponsável e desnaturado a ponto de negar-lhes o privilégio de ver Zico e Romário fazendo gols pelo Flamengo em uma mesma tarde. Ter nascido no século XXI não serviria de justificativa para que elas nunca tivessem cantado que Zico é o nosso rei e que Romário vem aí e o bicho vai pegar. Com a ajuda desses craques prodigiosos essa lacuna na formação intelectual de minhas meninas foi devidamente preenchida.

E durante essa tarde memorável de exaltação ao belo, ao bom e ao verdadeiro muitas vezes me passou pela cabeça o questionamento sobre como os olhos das minhas meninas interpretavam aquilo que estavam vendo no gramado. O que significa pra Emilia aquela matada no peito do Romário antes de suspender o balão e colocar o Ibson na cara do gol? Um questionamento nada original, que já foi abordado consistentemente por Platão, Aristóteles e Plotino nos seus estudos sobre estética e que Peirce sistematizou como Categorias do Pensamento e da Natureza, ou Categorias Universais do Signo.


Para Peirce a Primeiridade é a qualidade da consciência imediata é uma impressão (sentimento), invisível, não analisável, frágil e irrepetível. Quando o Baixo escraviza a redonda no peitoral e a Emilia se vira e me diz: – Que bonito isso que o moço fez com a bola, pai. isso é Primeiridade. Quando a Camila atalha com: – Foi bonito, mas não foi gol isso é Secundidade pura. É a Secundidade que dá a experiência seu caráter factual, de luta e confronto entre o sentimento e a lógica.

E temos, finalmente, a Terceiridade, que corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Aos meus olhos já cansados a matada no peito ganhava em significados. Era a Terceiridade que expressava a minha interpretação de tão belo gestual. Aquela bola amaciada no tórax romariano naquele exato momento, naquele preciso lugar, significava que em nosso reino a paz estava selada. Que na imensa nação flamenga, onde o sol nunca se põe, havia terminado para sempre um ignóbil conflito de gerações.

Não posso conceber domingo mais perfeito para encerrar um ano dourado. Obrigado, Maracanã, templo e academia da minha vida. Obrigado, Zico. Obrigado, Magnética. Obrigado Cami e Emi, foi através de seus olhinhos que eu tive certeza de que a chama não se apagará.



*Por Lucas Dantas


Dizem que se Jesus perdoou, todos devemos fazer o mesmo. Não sou católico e não quero cometer nenhuma blasfêmia, mas hoje eu digo que Ele perdoou de verdade. Zico, o Messias, estendeu a mão e em nome da solidariedade e do espetáculo, aceitou em seu convívio o maior camisa 11 da história do futebol. E Romário, o Cara, aceitou. Sorte de quem viu.

Por muito tempo, os recalcados de plantão usavam o discurso surrado do Romário e atacavam a seleção de 1982 chamando-a de perdedora, e esquecendo que ídolos de seus times não tiveram sequer a oportunidade de figurar numa equipe tão magistral. Ela não ganhou a Copa, e como diria o outro, azar da Copa. Mas ganhou a paixão do mundo. O que dirão esses idiotas agora?

Hoje Romário mostrou que as imbecilidades do passado devem ficar por lá e dois ídolos da maior torcida do mundo, segundo o próprio, não podem mais viver uma celeuma idiota. A melhor forma para acabar com isso foi com a bola em campo, os dois lado a lado.

Eu já me peguei sonhando inúmeras vezes em como seria se Romário e Zico tivessem jogado juntos pelo Flamengo. Quando Pelé e o Galinho fizeram uma única parceria, o pavoroso Galo mineiro foi trucidado no Maracanã. Como seria então o 10 e o 11 figurando num mesmo time, com Bebeto caindo pela ponta direita, Júnior e Leandro nas laterais, Andrade, Adílio e Djalminha na meuica e Juan e Aldair garantido a paz de Julio Cesar lá atrás?

É um sonho, jamais será realizado num jogo à vera, mas hoje deu para ter um belo aperitivo. Trajando uma camisa vermelha que mais lembrava o América do que o Flamengo (justo, dada a identificação da família Antunes e do próprio Romário com o time da Tijuca) e jogando uma partida onde a competitividade foi deixada de lado, a emoção rolou com a bola e o gramado do Maracanã voltou a ser bem tratado.

Convidado de honra, Romário deu um show. Mostrou com poucos toques e um talento absurdo que é muito fácil fazer o que Adriano parecia ter uma dificuldade incomensurável. O Imperador chegou na cara de Carlos Germano (goleiraço e raro exemplo de jogador vascaíno sangue bom) e se fartou de perder gols. Romário apresentou a velha frieza dentro da área. Incrível como ele joga naquele espaço com a mesma tranquilidade que eu mexo açúcar dentro de uma xícara.

O Baixinho tinha noção do tamanho da festa e de sua responsabilidade perante os súditos do Rei ArthurZico 1º (e único). Mas o dono da partida não poderia ser outro senão Ele. Zicão meteu três, deu passes, dribles e reverenciou a torcida que o ama mais do que qualquer outra jamais poderá idolatrar qualquer jogador. Já disse antes e repito: times tem ídolos, muitos, mas sempre encontramos discussões sobre o maior. Só o Flamengo tem Zico. E por mais que tentem com patéticos argumentos atacá-Lo, jamais conseguirão.

Zico conseguiu num jogo beneficente enfiar mais de 70 mil pessoas no Maracanã. Muito time brasileiro não consegue esse público em partida oficial há muito tempo. Tem equipe de primeira divisão que fez isso uma ou duas vezes na vida!

A imagem do Galinho agradecendo a torcida é na verdade um espelho. Nós é que agradecemos. Mesmo quem nunca O viu jogar diz todos os dias “obrigado, Zico, por tudo o que você fez pelo Flamengo”.

Mas hoje quem está agradecendo também é o Romário. E pensando “se eu tivesse nascido um pouco antes, quem sabe não teria ido pro Flamengo e chegado logo aos 1000 gols”?

Flamengo Net

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