Relembrando um texto que postei na internet em maio de 2007, relatando o surgimento da CASA DO URUBU,em Curitiba, após o segundo jogo contra o Defensor no Maracanã. Nosso amigo Juan Saavedra ainda residia por aqui. Tanto naquela época como agora, o nosso próximo adversário seria o Palmeiras...
QUINTA-FEIRA, 10 DE MAIO DE 2007
Paixão rubro-negra no frio curitibano
* Por Vinicius Nagem – Presidente da FLAPARANÁ
Noite fria em Curitiba, 5 graus.
Pensei comigo, antes de sair de casa: será que as centenas de e-mails enviados aos integrantes da nossa gloriosa FLAPARANÁ iriam surtir efeito, será que a paixão pelo Flamengo conseguiria tirar dos seus aconchegantes lares alguns companheiros para assistirmos juntos a essa difícil tarefa de fazer quatro gols no aguerrido time do Defensor?
Nunca deve-se duvidar do amor que alguém possa nutrir pelo "mais querido", pois como dizia Nélson Rodrigues (o tricolor mais rubro-negro que já existiu): "Por que o Flamengo tornou-se o clube mais amado do Brasil? Porque o Flamengo se deixa amar à vontade".
Chegamos, Juan [Saavedra] e eu, no Plataforma Bar - ponto de encontro habitual da nossa torcida – e deparamos com um ambiente lotado, onde dezenas de torcedores se acotovelavam esperando o início do jogo. A paixão falou mais forte e todos estavam ali à espera dos nossos guerreiros entrarem em campo para a batalha que seria travada durante os próximos 90 minutos. O primeiro golpe estaríamos a sofrer alguns minutos após. Fomos informados de que não seria transmitido o jogo do Flamengo para Curitiba.
Como não, perguntamos estupefatos? Os canais de TV aberta anunciavam que estariam transmitindo Fluminense X Atlético-PR, mas ainda restavam as alternativas de assistirmos no Sportv 1 e 2 e no Premiere Futebol Clube, além de uma eventual transmissão num canal internacional , ESPN ou FX.
O dono do bar começou a zapear o controle remoto da televisão e nada... No Sportv 1 , que estava transmitindo o jogo do Mengão para todo o Brasil, em Curitiba , tinha deletado a programação e também estava transmitindo o jogo do Atlético-PR. Nos canais pagos, não havia nem sinal. Telefonamos para a NET na tentativa de comprar o jogo avulso (apesar do bar possuir um pacote comprado para todos os jogos do Première) e fomos informados de que não são comercializados jogos da Libertadores. Os telefonemas começaram a pipocar no meu celular, aqueles que não tinham saído das suas casas, começaram a perguntar o porquê de não estar passando o jogo do Mengão em lugar algum. Ninguém sabia responder...
Indignação geral. Quase 100 pessoas estavam debaixo de um frio de rachar, com um objetivo que não estava se concretizando: ver o Flamengo em campo. Grêmio x São Paulo passando na tela da Globo e nós tentando ao menos sintonizar uma estação de rádio que estivesse narrando o jogo do Mengão ... No way!
Nossa esperança passou a ser a aparição daquela bolinha na tela, anunciando um gol rubro-negro. Estávamos ilhados e impotentes na nossa própria paixão. Alguns foram se despedindo, desistindo, voltando frustrados para suas residências. Outros, começaram a procurar numa lista telefônica algum bar que tivesse uma parabólica instalada, pois alguém havia informado que através da parabólica poderia ser sintonizado o jogo diretamente da GloboRJ. Que absurdo, na era da comunicação, do aparato multimídia, da informação instantânea, nosso sonho naquele momento era poder sintonizar ao menos uma transmissão via rádio e ouvir a fala com o sotaque carioca de algum narrador esportivo do Rio de Janeiro. Estava me sentindo na década de 50!
Alguns integrantes da FLAPARANÁ saíram do bar, com a missão que eles próprios se auto-impuseram: encontrar um lugar com uma parabólica instalada. Nesse interim aparece uma bolinha na tela: Flamengo 1 x 0 , os corações dos que ali restaram bateram mais forte, a chama estava acesa. Imediatamente após o gol, outra emoção: meu celular toca, um dos nossos avisa que logo na esquina havia um boteco, bem simples, onde numa televisão de 20 polegadas , lembrando um cenário corriqueiro de milhares de botecos espalhados pelos subúrbios do Rio de Janeiro, estava passando o jogo do Mengão, sintonizado através de uma parabólica, o Bar do João.
Euforia geral, saímos em debandada, ninguém estava acreditando naquilo... A comunicação fluiu tão rápido entre o pessoal, que nem sei como chegou tanta gente lá. Rapidamente estávamos reunidos novamente em frente àquele balcão, todos de pé, assistindo ao segundo tempo.
Segundo gol, logo no início, vai dar para classificar. Aparece um torcedor do Coxa que se incorporou à nossa torcida dizendo que tinha ficado vidrado com a nossa vibração. Deixamos ele lá conosco. Diz a lenda que todos nascem Flamengo, mas somente alguns degeneram, a oportunidade dele reencontrar o seu verdadeiro destino estava dada.
A torcida gritando no Maraca, empurrando o time, nós aqui fazendo a nossa parte, puxando os mesmos gritos de guerra. Olho para o torcedor do Coxa e vejo ele cantando conosco, a paixão rubro-negra estava tomando conta dele também.
O tempo vai passando, juiz roubando, o terceiro gol não saiu. A raça do time foi reconhecida, nós sabíamos que os jogadores e a torcida tinham feito o seu papel. Batemos palmas no nosso boteco, acompanhando as palmas de reconhecimento pelo esforço do time. Nesse momento, a mística do que é ser flamenguista tomou conta daquele local. Nos abraçamos, brindamos e reafirmamos o eterno amor pelo nosso time de coração. O torcedor do Coxa se aproxima de mim e diz a seguinte frase: "a partir de hoje eu sou Coritiba e Flamengo, fiquei emocionado com o que vi aqui".
Mesmo ilhados, isolados, até certo ponto discriminados, resistimos até o fim, estivemos ali na nossa trincheira reafirmando as nossas crenças e valores. Flamengo sempre!
Dessa noite, tiramos três lições: a) nunca devemos desistir daquilo que acreditamos e desejamos; O Flamengo é febre que contagia, mesmo no frio de 5 graus de Curitiba; b) Nelson Rodrigues cutucou o sobrenatural de Almeida e, de raiva, fez o Fluminense ganhar do Atlético-PR, só para nos vingar de não terem transmitido o jogo do Flamengo pelos canais usuais! Praga de urubu!
Agora, somos 35 milhões e um , tem mais um integrante na nossa torcida, o Coxa Branca que viveu, por alguns instantes nessa noite fria, a sublime emoção de torcer pelo Flamengo!
Que venha o Palmeiras domingo, a gente vai estar no Bar do João , simples como cada torcedor rubro-negro, de pé no balcão!
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