Olá, saudações rubro-negras a todos. No embalo da reta final do emocionante Brasileiro desse ano, em que míseros três pontinhos nos separam por enquanto do paraíso, deixo aqui o derradeiro capítulo da história do tricampeonato de 1983. Os links pros capítulos anteriores estão aqui. Nas partes em negrito, há acesso a vídeos. Então, boa leitura.
Campeonato Brasileiro de 1983 – Final
Flamengo e Santos iriam decidir o Brasileiro de 1983. Final justíssima, pela trajetória das duas equipes. O Flamengo havia começado vacilante, enfrentou sérias turbulências, mas após a chegada de Carlos Alberto Torres o time se reinventou e reencontrou a magia do seu futebol, numa arrancada sensacional. Já o Santos tinha um elenco muito compacto e um time sólido, muito bem treinado por Chico Formiga. A base formada pelos “Meninos da Vila” de 1978, de Pita, João Paulo e Marola estava pronta para chegar ao topo, encorpada com jogadores de qualidade, como o lateral Gilberto, o volante Lino (ex-Flamengo), os zagueiros Márcio e Toninho Carlos (que vinham sendo observados pelo novo treinador da Seleção, Carlos Alberto Parreira) e os seus dois expoentes, o encrenqueiro atacante Serginho Chulapa e o habilidoso meia Paulo Isidoro. O equilíbrio do time se traduzia em sua campanha sóbria, em que passou sem sustos por todas as fases, sempre em primeiro lugar em seus grupos (inclusive contra o próprio Flamengo, na Primeira Fase), e grandes atuações, como os 5-0 sobre o Cruzeiro. Era um time dificílimo de ser batido, que havia perdido apenas duas vezes em todo o campeonato. Muitos inclusive apontavam o Santos como favorito, uma heresia quando se tinha do outro lado o Flamengo de Zico.
Após sorteio, definiu-se que a segunda partida seria no Maracanã. Não haveria vantagem de empate. Em caso de dois resultados iguais, uma prorrogação definiria o campeão no segundo jogo, o que não deixava de ser uma pequena vantagem para o Flamengo.
Para o primeiro jogo, o rubro-negro perdeu Vítor, contundido. Em seu lugar, Torres voltou a confiar em Bigu, deixado de lado desde a má atuação contra o Corinthians. O restante da equipe era o mesmo que vinha atuando, sem alterações.
O Morumbi apanhou um público de cerca de 115 mil torcedores para a primeira partida. E o futebol apresentado foi de primeira qualidade. Sem se intimidar com o mando de campo adversário, o Flamengo tomou a iniciativa do jogo desde o início e passou a criar várias chances de gol, quase todas desperdiçadas pelo afoito Baltazar. O goleiro Marola, em grande fase (havia sido o herói das Semifinais), também fazia grandes defesas. Mas, quando tudo indicava que o Flamengo abriria o marcador, o Santos consegue um escanteio. Camargo cobra, a zaga rebate e Pita emenda de sem-pulo, uma raquetada que Raul não consegue alcançar. Santos 1-0. O Flamengo sente o gol, mas o Santos não aproveita e o primeiro tempo termina mesmo com a vantagem mínima dos paulistas.
Na segunda etapa, Carlos Alberto Torres tira Júlio César e surpreende, pondo o garoto Bebeto, que não sente a pressão e melhora o poder de fogo do ataque. O Flamengo volta a pressionar e a criar chances, especialmente por meio de passes preciosos de Zico, que Baltazar insiste em desperdiçar. O “Artilheiro de Deus” perde uma chance atrás da outra. E logo vem o castigo: Toninho Oliveira cobra falta rápido a Pita, que entra livre na desatenta defesa flamenga e devolve a Toninho, que bate rasteiro. Raul espalma, mas a sobra vai a Serginho, que entra livre e, mesmo desajeitado, só empurra pro gol, abrindo preocupantes 2-0 no placar, tudo o que o Santos queria e precisava.
O Morumbi explodia, e na comemoração do segundo gol, um morteiro atingiu Serginho. O atendimento ao jogador paralisou o jogo por alguns minutos (no fim, apenas uma queimadura leve, e o Chulapa seguiu em campo), pausa providencial para o Flamengo recompor sua tranqüilidade. O time agora vai todo ao ataque. Escanteio. Júnior bate no segundo pau, Mozer joga na área, Marinho apara e Baltazar finalmente acerta, metendo uma cabeçada fulminante, sem chance para Marola. Gol importantíssimo que esfria o Santos e reduz a sua vantagem.
Os últimos minutos são agitados, pois o Santos parte com tudo em busca de mais um gol. O time paulista sabe que no Maracanã a história é outra, precisa aumentar. Aí aparece Raul, que faz uma, duas, três defesas dificílimas e segura os 2-1 até o final. O Flamengo perde, mas vai confiante para a decisão do título no seu templo.
Para a grande final Vítor volta, mas Mozer está fora, contundido. Figueiredo entra em seu lugar. O treinador do Santos repete à exaustão aos seus jogadores e à imprensa que precisa parar os 15’ iniciais do Flamengo e anular Zico. Se conseguir, ele acredita no título.
Tarde ensolarada de domingo, a torcida do Flamengo desconcerta os analistas e se derrama em peso no Maracanã. São 155.523 almas, que estabelecem pela última vez o recorde absoluto de público em jogos do Campeonato Brasileiro.
Sob um barulho infernal e gritos de “Meeeengô, Meeeengô”, começa a partida. O Flamengo dá a saída. Adílio parte pra cima, esbarra na defesa, sobra com Zico, mas Joãozinho espana pro alto. Figueiredo escora mal, Serginho fica com a bola, Élder vem de ladrão e lhe toma a redonda. Dá a Júlio César, que manda com força a Júnior, o Capacete arredonda, limpa um e deixa com Vítor. O volante enxerga Júlio César escapando na ponta esquerda e lança, o galego entorta Toninho Oliveira e bate rasteiro pra área. Baltazar tenta o giro, a zaga corta, Júnior vem na sobra e chuta, Marola espalma nos pés de Zico, e é GOL! Quarenta segundos de jogo! O Flamengo faz 1-0! Que loucura o Maraca!
Bastou menos de um minuto para esfarelar todo o plano de jogo de Formiga. Talvez por isso o Santos se descontrola, seus experientes jogadores não assimilam a tensão do jogo, as divididas são ríspidas, as discussões ásperas. Arnaldo César Coelho tem arbitragem confusa, irrita Zico e João Paulo com pênaltis não marcados, um pra cada lado. O Flamengo está na frente, mas precisa de mais um gol para evitar a prorrogação. Zico está vigiado, e quem começa a sobressair é Adílio. O Neguinho da Cruzada vai dando um vareio, enlouquece a defesa adversária com deslocamentos inteligentes, passes cortantes e arrancadas em velocidade. Pega uma bola na intermediária, risca como faca toda a faixa do meio, abre com Zico, que cruza mas Baltazar isola. Aliás, Baltazar dá início a nova série de chances perdidas, o que vai irritando e deixando a torcida nervosa. O tempo vai passando, o 1-0 se mantém. Mas o Flamengo ataca, sente o momento. 39’. Adílio pega uma sobra pela ponta direita, tenta passar por Toninho Silva, que o desarma. Mas quando o volante pensa em sair jogando, o Neguinho bate-lhe a carteira com sorrateira leveza e o desmoraliza com um drible humilhante. Só resta a Toninho Silva arremessar Adílio ao chão. Falta, Zico cobra dando um passe na cabeça de Leandro, que fecha de surpresa no primeiro pau. Cabeçada à queima-roupa, é gol, é 2-0, é Flamengo!
O Santos vai às cordas. Antes do fim do primeiro tempo, o Flamengo tenta o golpe de misericórdia, Leandro manda uma varada de longe, a bola explode no travessão. A nação em êxtase já pula e canta. Fim da primeira etapa, o Flamengo já tem a vantagem de que precisa.
Mas no segundo tempo o Santos parte desvairado ao ataque. Começa a criar várias chances, preocupa. Na mais aguda, Batistote cruza e Serginho não alcança a bola, diante do gol vazio. Raul, manhoso, reclama com a zaga, retarda tiro de meta, ganha tempo. Mas o Flamengo tem Adílio, em tarde de gala. O nº 8 é decisivo até em cobrança de lateral, onde deixa Júlio César na cara do gol, mas Marola se antecipa. Mais tarde, o impossível Adílio entra pelo meio, escora cruzamento de Júlio César, Marola faz sensacional defesa.
Torres perde a paciência com Baltazar e coloca Robertinho. Tira o cansado Júlio César e coloca mais um garoto, o lateral Ademar, indo Júnior pro meio. O jogo se aproxima do final, o Santos sempre preocupa, o desfecho é imprevisível. Até Zico catimba, para o jogo com faltinha na intermediária do Santos. Agora falta um minuto, mais acréscimos. A torcida começa o “É campeão”, mas enquanto isso o couro come no campo. João Paulo, Serginho Dourado, Paulo Isidoro, Élder e Robertinho travam batalha selvagem pela bola. No fim, Robertinho consegue avançar, chama Gilberto pra dançar e cruza. Adílio vem na corrida e pula, voa, dá o salto de sua vida, protagoniza o grande momento de sua existência flamenga, levita ao encontro da bola e da glória. A pelota enrosca-se gostosamente nas redes, a Nação explode em felicidade e Adílio, o eterno menino Adílio não ouve nada, não sente nada, apenas corre, grita e é sufocado por uma nuvem de companheiros, novamente donos do Brasil como ele.
Não há tempo pra mais nada, salvo uma grossa pancadaria que rebenta entre o exaltado time santista e alguns jornalistas que invadem o campo em busca de melhores ângulos. É mais um episódio conturbado na tumultuada carreira de Serginho, um dos protagonistas do sururu.
Termina a partida, Flamengo 3-0 Santos, placar categórico que põe o Flamengo, pela terceira vez em quatro anos, no topo do futebol brasileiro. Um título suado, sofrido, com várias páginas amargas, em que o time conviveu com o desânimo, a descrença e o escárnio, até encontrar forças para dar a volta por cima e novamente encantar todo um país com uma arrancada inacreditável nos jogos decisivos.
Mas a festa pelo título logo ficaria em segundo plano. Porque ainda na semana dos festejos pela conquista, a Nação, chocada, tomaria contato com a hecatombe, o terror, o desastre.
As tardes de domingo ficariam mais tristes nos dois anos seguintes.
VÍDEOS:
Melhores momentos – Flamengo 3-0 Santos (vídeo de 10 minutos)
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