terça-feira, 13 de outubro de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. E o Mengão está chegando... No embalo de mais uma bela vitória, segue a continuação da história do tricampeonato conquistado em 1983 (os capítulos anteriores estão aqui). Há links para vídeos nos negritos. Então, boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1983 – Parte 04

Retumbante, fantástico, mágico. Faltavam aos jornais palavras para descrever a desconcertante exibição do Flamengo nos 5-1 sobre o Corinthians. Os mesmos que vinham acompanhando Zico e sua turma com reservas, desconfiança e até certa ironia agora se derramavam ronronando loas à espetacular goleada, uma das atuações mais perfeitas de uma equipe no Maracanã em anos.

Mas o campeonato seguia. Na partida seguinte, o Flamengo encarou um Serra Dourada lotado com 60 mil (a maioria esmagadora de flamengos), e arrancou um bom empate em 1-1 (gol de Zico, de pênalti), que o manteve na liderança. Uma vitória contra o Guarani, no Maracanã, e o time conquistaria a classificação. Mas, desfalcado de Júlio César (suspenso), o rubro-negro voltou a encontrar problemas. Carlos Alberto tentou montar uma formação mais ofensiva, com Robertinho e Edson no ataque, mas a iniciativa não deu certo e a equipe foi presa fácil para a forte marcação bugrina. Somente após a entrada de dois garotos, o volante Bigu e o atacante Ronaldo Marques, o Flamengo se soltou no jogo e conseguiu os gols que selaram a vitória por 2-0 (Adílio e o próprio Ronaldo), já a 20 minutos do fim, decretando a classificação para as Quartas-de-Final.

Antes, havia o Corinthians, em São Paulo. A chinelada no Maracanã havia desarticulado completamente o time paulista, que agora corria sério risco de eliminação, após nova derrota, dessa vez para o Goiás de Luvanor e Zé Teodoro. Aproveitando que a partida não lhe valia nada, o Flamengo poupou Zico (que vinha se queixando de incômodo), Élder e Júlio César, o que gerou grande curiosidade sobre a escalação da equipe. Curiosidade que logo viraria espanto, quando Carlos Alberto Torres, com sua habitual verborragia, anunciou que o time entraria com “Bigu e mais dez”. Quem era Bigu?

Bigu, um talentoso volante oriundo das divisões de base, havia entrado muito bem contra o Guarani, dando boa movimentação ao time, mostrando ótima capacidade de marcação e bom passe. Mas, ao contrário do otimismo do Capitão do Tri, ainda estava algo verde. A injeção de moral acabou atrapalhando Bigu, que não teve boa atuação em São Paulo, juntamente com todo o time, que numa jornada anormalmente sonolenta, foi goleado por 4-1, resultado que não serviu ao Corinthians, pois o Goiás derrotara o Guarani em Campinas. Flamengo e Goiás seguiam adiante, e o milionário Corinthians com sua democracia estava fora.

Ao final da Terceira Fase, alguns times mais badalados já começavam a ficar pelo meio do caminho, caso do Grêmio, concentrado na Libertadores, e do Palmeiras, que sucumbiu ao estrelismo de alguns jogadores. Agora restavam somente oito equipes: Flamengo, Goiás, Santos, Atlético-MG, Atlético-PR, São Paulo, Sport e... Vasco, o adversário seguinte do rubro-negro.

A exemplo do Flamengo, o Vasco havia iniciado o Brasileiro de forma irregular. O treinador Antônio Lopes ainda buscava mesclar a experiência de Roberto Dinamite, Mazarópi, Dudu e Orlando Fumaça com a juventude de Geovani, Marquinho e Ernani. Como reforços, o meia Elói, que vinha em grande fase, e o zagueiro Rondinelli, que às voltas com sucessivas lesões, não se firmara no time titular. O Vasco quase fora eliminado na Segunda Fase, mas um duvidoso pênalti já nos momentos finais acabou garantindo um empate salvador contra o Bahia no Maracanã, já na última rodada. Na Terceira Fase o time saíra fortalecido, com boas atuações em um grupo forte, batendo Santos, Palmeiras e Náutico. Os comandados de Antônio Lopes vinham, a exemplo do Flamengo, com moral redobrada pro duelo.

E Flamengo e Vasco pararam o Rio de Janeiro naquela primeira semana de maio. A decisão de 1982 ainda estava muito recente, e os torcedores flamengos clamavam por vingança. Os vascaínos, acreditando na ascensão da equipe, sabiam que seu time tinha condições de vencer. E a rivalidade, sempre à flor da pele, acabou contaminando dirigentes e jogadores, que começaram a bater boca via jornal e televisão. Não se falava em outra coisa, senão nos dois jogões. O Flamengo tinha a vantagem dos dois empates, mas poucos se importavam. Haveria 180 minutos de bola e muita, mas muita tensão.

Primeiro jogo, noite de quinta-feira, 111 mil abarrotam o Maracanã. As torcidas de Flamengo e Vasco berram antes, durante e depois da partida. Ninguém quer se mostrar inferior. Todos cantam seus heróis e contemplam o rival com várias gozações. O Flamengo vem completinho, com o mesmo time que pulverizou o Corinthians. O Vasco entra com escalação parecida com a da final do Estadual de 1982, só que ainda mais forte, com o perigosíssimo trio Geovani, Roberto e Elói na armação das jogadas. Mas a zaga é seu ponto fraco. Torres sabe disso, e pede pro Flamengo tomar a iniciativa. Zico, ainda meio no sacrifício, é muito vigiado por Serginho. Inteligente, procura pontos periféricos e abre espaços para a evolução de Júnior e Adílio. O Neguinho da Baixada está no melhor momento de sua carreira. Começa a se destacar. Está cheio de moral com a exibição, justo naquela semana, de um programa de TV em sua homenagem. Come a bola. E vai começar a mudar o jogo. Zico recua, puxa a marcação. Recebe de Vítor, deixa com Júnior. Adílio já entrou no espaço deixado pelo Galinho e pede a bola, que lhe é servida numa bandeja de prata pelo Capacete. Aí, é só tirar de Mazarópi e colocar 1-0 no placar. São 25’, e o Flamengo já vence com inteira justiça.

Com o gol, o Vasco abre o time, mas não parece ameaçar. O Flamengo começa a encontrar contragolpes, mas não define. Mesmo assim, o jogo parece sob controle. Mas um clássico é feito de detalhes. Elói encontra Roberto na área, lança, Marinho se antecipa e rebate. Na sobra, Serginho manda a bomba, Raul espalma. Mozer, num momento de exagerada confiança, tenta devolver a Raul de cabeça, mas a bola pega muita força e encobre o goleiro. É o empate do Vasco, aos 39 do primeiro tempo. Duro castigo para Mozer, que vinha com bela atuação.

Segundo tempo, o jogo passa a ser mais estudado. O Flamengo começa a encarar o empate com bons olhos, afinal tem a vantagem. Os armadores do Vasco, Elói e principalmente Geovani, não rendem. A partida se torna muito truncada e até violenta, com poucas chances. Júlio César leva cartão, continua batendo. Torres se assusta, vai tirá-lo, prepara a mexida, chama Gilmar Popoca.

Enquanto Gilmar assina a súmula, uma bola sobra no lado direito do ataque do Flamengo. Marinho dá um drible estranho no lateral Gilberto e de repente se vê livre. Como um ponta, joga a bola na área. Ninguém vai, Mazarópi se afoba e espalma, justamente nos pés de Júlio César, que vinha acompanhando o lance. O galego apenas rola para o gol vazio, define a partida e inicia sua carreira de carrasco do Vasco, marcada por vários gols decisivos sobre o rival. Torres desiste de tirar Júlio César, saca Baltazar. O Vasco ainda ataca desordenadamente, mas não ameaça e no fim o Flamengo vence por 2-1, ampliando ainda mais sua vantagem.

Domingo, 120 mil no Maracanã. Agora a maioria flamenga é nítida no estádio, mas há muitos vascaínos. O cruzmaltino precisa fazer dois de vantagem. O Flamengo começa muito cauteloso, com o mesmo time. O Vasco, muito ofensivo, parte com tudo pra cima, e com apenas 10’ já abre o placar, numa cobrança de falta de Elói que esbarra na barreira e engana Raul. A torcida vascaína começa a acreditar no milagre. O Flamengo está nas cordas, leva uma bola no travessão, Raul faz várias defesas. Aos poucos, o time se acalma, começa a tocar a bola, aproveita-se da pouca marcação do adversário. Zico está mais desenvolto, chama a responsabilidade, pede a bola, abusa da defesa adversária, mostra porque é o “camisa 10” e quem manda ali.

O jogo vai passando, o Flamengo assume de vez a iniciativa do jogo, tem em Élder, Júlio César e Vítor três notáveis ladrões de bola. Mas perde gols, assusta a torcida. O relógio não passa, o Vasco não desiste, mostra um absurdo espírito de luta, não se impõe na bola mas divide todas. E nos minutos finais vai se debater. Vai todo à frente, numa estratégia suicida. Não há mais defensores. O rastilho de pólvora está aceso. De repente, toda a multidão para de cantar, à espera do gol que vai encerrar mais um capítulo de uma rivalidade sempre aguda e irreversível. O Vasco volta a ameaçar, Raul começa a ter trabalho. Mas há os contragolpes. Um, dois, três, sempre desperdiçados por um ou outro detalhe, uma canelada de Baltazar, uma defesa de Mazarópi, uma bola que passa rente à trave. Vem o Vasco, mas Mozer, o leão Mozer, antecipa e despacha pra frente. Élder (como corre esse garoto!) dá lindo toque de calcanhar e encontra Adílio, completamente livre. E Adílio vem, sozinho, sozinho, cadê a defesa do Vasco?, olha pro lado e só vê Zico, atrás da linha da bola. Chega perto do gol e serve ao Galinho, que apenas rola pras redes e se ajoelha diante da bandeira de escanteio, eternizando mais um de seus inesquecíveis momentos no Maracanã. 45’, segundo tempo, é o empate em 1-1, o Flamengo despacha o Vasco e está nas Semifinais.

Antes do final do jogo, Roberto Dinamite se exaspera com a eliminação, xinga o árbitro e é expulso. Depois, protagoniza forte bate-boca via imprensa com Carlos Alberto Torres, que não pipoca e manda um recado cheio de ironia ao rival: “espero que o Vasco seja feliz no Estadual. Eles são passado, tenho que montar meu time pras Semifinais do Brasileiro.” Roberto, em seu desabafo, pragueja, apressado: “ele não é ninguém como treinador. Ainda não ganhou nada.”

Mas isso era apenas questão de tempo. Afinal, ele estava no Flamengo.

(créditos vídeos: http://www.youtube.com/user/aleflamengo, http://www.youtube.com/user/alekmurdoch)

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