terça-feira, 1 de setembro de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Hoje quero seguir falando da conquista do Brasileiro de 1982, dando continuidade à série que pode ser acessada aqui. Há link para vídeo no texto em negrito. Então, boa leitura,

Campeonato Brasileiro de 1982 – Parte 04

A competição chegava à sua fase de jogos eliminatórios, os “mata-mata”. Apenas 16 equipes ainda seguiam adiante. Eram apontados como os reais candidatos ao título, o Guarani, o São Paulo, o Grêmio e, naturalmente, o Flamengo. Mas, apesar de manter-se favorito, o rubro-negro já começava a receber críticas. A classificação na Segunda Fase, mesmo diante da dificuldade do grupo, foi considerada mais sofrida do que o esperado, e muitos setores da imprensa, apressados, já enxergavam um princípio de decadência no futebol da equipe, minimizando problemas como a ausência de Nunes. E o principal alvo dessas críticas era justamente a estrela maior, Zico.

Com o título mundial, muitos jogadores do Flamengo passaram ao status de celebridades, sendo recebido em algumas cidades como pop-stars, arrastando multidões histéricas. O sucesso atraía anunciantes, mesmo numa escala bem menor do que a dos tempos atuais. Zico, o astro maior, era presença constante na televisão, estrelando comerciais de shampoos, refrigerantes, participando de programas de entrevistas (houve um particularmente emocionante, chamado “Esta é a sua vida”, onde o apresentador J. Silvestre o fez jorrar lágrimas) e mesmo gravando um vídeo-clip com o cantor Fagner. Segundo alguns de seus detratores, isso influenciava no seu futebol, o Flamengo parara de dar show e a culpa era de Zico. Ponto. E as críticas surgiam mesmo com o Galinho sendo considerado, até então, o melhor jogador do campeonato, artilheiro de seu time e o melhor jogador brasileiro em atividade.

O Flamengo iria enfrentar o Sport nas Oitavas. Como terminara seu grupo na segunda posição, o Mengão tinha a desvantagem nos confrontos, mesmo com uma campanha global superior à do adversário. Mas pouca gente imaginava que isso seria um entrave. O Sport era uma equipe aguerrida, mas mediana, comandada pelo polêmico treinador Ernesto Guedes, recheada de veteranos, como o goleiro País, os zagueiros Antenor e Marião, o volante Merica e o meia Givanildo. Seu principal destaque, o atacante Roberto (que inclusive chegara a ser testado por Telê na Seleção), estava fora, contundido. Muita gente imaginava que o confronto seria definido logo na primeira partida, no Maracanã.

Zico havia participado, dias antes, da solenidade de entrega do troféu “Craque do Ano 1981”, promovida pela Revista Placar, que terminara numa badalada festa. No dia seguinte, estava lá, treinando. Mas para os críticos, isso era irrelevante, o jogador estava “se perdendo”. O ruído das cornetas começava a se tornar intolerável. Mas logo viria a resposta.

A chuva insistia em castigar o Rio de Janeiro. Mesmo assim, cerca de 60 mil torcedores foram ao Maraca empurrar a equipe, que continuava sem Nunes, embora o artilheiro já treinasse com bola (o retorno se aproximava). Carpegiani dava mais uma chance a Reinaldo. Como era imaginado, o Flamengo não encontrou dificuldades para se impor diante do Sport, tomou a iniciativa desde o primeiro minuto, alugou o campo adversário e só foi incomodado em um lance esporádico, em que Givanildo acertou a trave de Raul. Mas, fora esse contratempo, o que se viu foi uma sinfonia de gols perdidos, em que Tita e Lico, abastecidos principalmente por Adílio, desperdiçaram sistematicamente oportunidades de gol, uma após a outra. Podia ter feito uns seis, mas vence por 2-0, dois gols de Zico, em mais uma bela atuação (ganhou todos os prêmios), respondendo do jeito que mais gostava, jogando o fino da bola.

Vem o jogo de volta, e o Flamengo vai sentir, de forma dramática, a falta dos gols no Maracanã. O campeão do mundo chega para disputar uma partida de futebol. Encontra armado o cenário para uma batalha. A Ilha do Retiro está lotada, 37 mil torcedores. Não cabe ninguém. Ernesto Guedes berra, vocifera, exige de seus comandados que arranquem sangue em campo. O Sport precisa devolver o placar, e vai com tudo pra cima. O Flamengo vem com um time cauteloso, com Andrade e Vítor no meio, Reinaldo fora. Novamente o time encontra dificuldades, não consegue lidar com a marcação por pressão. O Sport sai na frente e se empolga, Raul faz várias defesas. Afobados, os pernambucanos dão espaços, e numa linda jogada de Leandro, o Flamengo empata e faz cair o inverno na Ilha do Retiro. Mas na volta do intervalo, o time da casa marca o segundo e incendeia o estádio. Faltam 40’, o jogo vira guerra, é uma versão (só um pouco) mais amena da batalha do Cobreloa. O time se defende no bico e na porrada. O Sport vai pra cima, e aos poucos volta a abrir sua defesa. O Flamengo se aproveita, empata de novo, mas o árbitro paulista Oscar Scolfaro, em péssima noite, anula erradamente. O tempo vai passando, o resultado é imprevisível. O time da casa vai pro abafa. E nos descontos chega ao terceiro gol, pondo o estádio abaixo. Mas novamente Scolfaro anula o lance, alega impedimento, talvez pra compensar o gol flamengo que impugnara. Sob vaias, ofensas e xingamentos, o jogo termina. O Flamengo é derrotado (1-2), mas sai classificado, vivendo uma sensação de profundo alívio.

O adversário das Quartas-de-Final seria o Santos, cuja campanha opaca transmitia a ilusão de fragilidade. Seu treinador, Clodoaldo, montara uma equipe fortemente competitiva, baseada em um rígido poder de marcação, que se preocupava primeiro em não deixar jogar (quase uma precursora do futebol de hoje). A forma como eliminara o Londrina, fazendo 0-0 e 1-0, dava bem a medida de seu jogo. O principal símbolo era o volante Chicão, ícone da truculência e da catimba naqueles tempos. Os destaques eram o goleiro Marola, o zagueiro Toninho Carlos, o lateral Gilberto Sorriso, o meia Pita e os atacantes Batistote e João Paulo. Ainda havia Palhinha, fora de combate por contusão. Novamente, o Flamengo, apesar da melhor campanha em todo o campeonato, largava em desvantagem, pois só contavam os pontos obtidos na fase anterior.

Noite de sábado, Maracanã, TV Globo pra todo o país, 65 mil. Nunes ainda fora, e Carpegiani segue insistindo com Reinaldo. O Flamengo se arma para enfrentar uma retranca descomunal, mas é surpreendido por uma marcação adiantada e muito inteligente imposta por Clodoaldo. O time novamente começa a partida de forma apática, um defeito recorrente à época. O Santos se aproveita, vai à frente, e o Maracanã assiste, estupefato, ao ponta Batistote ser lançado pela direita e cruzar certeiro, na cabeça do lateral Gilberto, que fechava pelo meio. O Sorriso, habilidoso, só coloca no contrapé de Raul, abrindo o placar aos 20’. Novamente, o Flamengo saía atrás no placar no Brasileiro.

A primeira parte do plano de Clodoaldo dera certo. Agora sim, o Santos se tranca todo atrás e apela pra catimba pesada, o jogo fica nervoso. Chicão, em noite particularmente inspirada, distribui pontapés a quem aparece pela frente, inclusive companheiros. Mozer sai machucado, entra Figueiredo. O Flamengo gira a bola, mas não consegue entrar na defesa santista. O primeiro tempo já vai embora. O time perde em casa, a torcida dá sinais de nervosismo. Reinaldo sai, entra Chiquinho, o Flamengo melhora, começa a ameaçar. A defesa santista está segura, vai enxotando a bola de sua área. Zico, sempre Zico, cria três chances claras de gol, sem sucesso. O tempo segue passando, o Maracanã não respira, hirto de tensão. Já são 28’. Júnior é lançado, livra-se do marcador e cruza, Tita (que vinha mal) antecipa-se a Marola e cabeceia para empatar e devolver o Flamengo à partida. O time atira-se com um ímpeto impressionante ao ataque, não tem mais tática, agora o jogo resume-se onze homens de vermelho e preto, tendo o gol santista como objetivo contra onze atletas de branco que buscam manter a bola longe, numa disputa medieval, jogo de colégio. O relógio galopa, a Nação empurra, ensurdece, exige dos seus rapazes a cabeça do inimigo. E o time responde, vai à frente, vai à luta. A ampulheta, implacável, já escorreu quase toda a areia. E nada. 44’. Bola com Chiquinho, cruza, a zaga afasta, volta com Júnior deslocado no meio, que deixa de calcanhar com Andrade, daí a Adílio, o neguinho rabisca a área, atravessa uma muralha de sentinelas brancos, não acha espaço, devolve a Chiquinho na direita. O ponta manda uma bomba, rasante, a bola perfura a área e encontra os pés de Marinho, o tantas vezes contestado zagueiro, que tem aos seus pés a chance de virar herói. E consuma o ato do seu jeito, com uma bicuda que arromba as redes e enlouquece a cidade, a nação. O Flamengo faz 2-1, mais uma virada, mais uma vitória sofrida, dramática, conquistada na raça, como só os flamengos sabem viver, padecer e desfrutar.

Para o jogo de volta, no Morumbi, finalmente, após 33 dias, Nunes estava de volta. A virada antológica dera novo ânimo ao time, que embarcava para São Paulo embalado e otimista para a conquista da vaga para as Semifinais.

Mas o drama ainda não terminara.


(crédito vídeo: www.youtube.com/user/alekmurdoch)
(créditos fotos: Revista Placar, acervo pessoal)

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