COLUNA DE SEXTA-FEIRA - André Monnerat
O benefício da dúvida
Gostaria de ver um Flamengo muito diferente do de hoje.
Neste Flamengo, os dirigentes eleitos teriam a convicção de que a gestão do clube deveria ser tocada por profissionais, com funções definidas e competência comprovada para exercê-las. Seriam cobrados por seus resultados - ou bonificados por eles, se alcançassem ou superassem as metas estabelecidas. Com um orçamento definido, cada um saberia os recursos que teriam disponíveis e trabalhariam dentro deles.
Com esta mentalidade bem estabelecida por quem estivesse no topo do clube, haveria hoje por lá um grande executivo de marketing, reconhecido pelo mercado, trabalhando com uma equipe adequada, bem remunerada e com estrutura à disposição para multiplicar em muitas vezes as receitas do clube. Número de sócios crescendo exponencialmente, produtos vendidos em uma ampla rede de distribuição pelo país e também nos próprios estádios em que o time jogasse, bom uso do caráter nacional da marca Flamengo, relacionamento estreito com o público consumidor desta marca, até a Internet sendo utilizada como geradora de receitas.
Com o dinheiro entrando, contas em dia e a dívida equacionada, o gestor profissional do futebol entenderia como dar prioridade na hora de gastar à montagem da estrutura necessária para que todos os empregados de seu departamento - jogadores e treinadores - rendessem o seu máximo. E contrataria um técnico top do mercado, que aproveitaria da melhor maneira possível o elenco montado de acordo com os critérios da direção técnica do departamento de futebol, com o apoio de uma estrutura permanente de observação e avaliação de jogadores no Brasil e no exterior.
Pois é - estamos longe disso aí. A virada definitiva nessa direção vai acontecer em algum momento. Não está acontecendo agora.
Mas temos algumas mudanças acontecendo, dentro dessa realidade limitada do Flamengo atual. E estou me dando o direito, talvez de maneira ingênua, quem sabe?, de não rechaçar de primeira alguns destes personagens.
É o caso do novo vice de futebol. Sei que há muitos que visitam este espaço que estão dentro da vida do clube, têm suas referências do cara, conhecem histórias, enfim. Não é o meu caso, e eu sei que a política interna do Flamengo é das coisas mais complicadas na face da Terra - todo mundo se conhece, todo mundo se mistura, todo mundo se separa. Assim, estou me deixando formar opinião sobre o cara vendo ele trabalhar - lhe dando o benefício da dúvida. E, até agora, não me vi motivo pra me irritar - pelo contrário. Dentro do modo de trabalho atual por lá - que não é o ideal -, neste pouquíssimo tempo, está funcionando tão bem quanto eu poderia esperar.
Não fez fanfarronice alardeando interesse em não sei quantos jogadores de alto nível "com conversas adiantadas", colocou jogador pra pedir desculpas em público (um tanto tardias...) sem ele mesmo procurar os holofotes pra isso, colocou o time pra se concentrar e diminuir determinados e conhecidos tipos de problemas - enfim. Vamos dar tempo ao tempo, mas, por enquanto, não me parece que haja motivos pra grandes revoltas com o cara.
Entre seus acertos, em minha modesta opinião, esteve a decisão de efetivar Andrade - mais um a quem estou dando o benefício da dúvida. Andrade já teve passagens como técnico antes no Flamengo. Duas um pouquinho mais longas, ambas em situações críticas do clube e do time. Numa, foi razoavelmente bem; em outra, muito mal. Hoje, anos depois, as circunstâncias são outras - e ele também não está se saindo mal. O lateral voltou a ser lateral, o zagueiro voltou a ser zagueiro, o volante a ser volante - algo já melhorou. Algumas substituições surpreendentemente boas. Eu escalaria diferente? Provavelmente sim. Mas cada um aqui vai ter seu time na cabeça, e os que Andrade mandou a campo até agora não foram nenhum absurdo.
E vem aí o tal Cidadão Rubro-Negro. O que já se viu dele, até agora, foi só a ponta do iceberg que descobriremos no início do mês que vem. Tenho algumas ansiedades em relação ao projeto - afinal, os benefícios para quem escolher os planos pagos vão ser realmente atraentes? Será que não pensam mesmo em incluir benefícios com ingressos, que fariam realmente a receita criada diretamente pela parada se tornar relevante em um prazo não tão longo - nem que estejam em negociações com o Botafogo e parceiros para os próximos anos de Engenhão? A relação com os Cidadãos vai ficar só na Internet mesmo? E, se vai ficar, vai depender mesmo da galera resolver visitar com frequência e em quantidade um novo Orkut, quando na verdade já está todo mundo no velho Orkut mesmo e não tem porque migrar em massa pra outro lugar parecido? Há mesmo uma estrutura de inteligência por trás do tal megabanco de dados que querem montar, para transformá-lo em relacionamento verdadeiro com os clientes - e em grana? Podem mesmo estar errando feio num monte de coisas.
Mas também estou dando a eles o benefício da dúvida - só por saber que, afinal, a coisa não está sendo tocada internamente, por um departamento que, dúvidas sobre competências individuais a parte, não funciona mesmo de maneira adequada. Há parceiros na parada tocando a coisa, gente que tem seu lugar bem estabelecido no mercado - não está só nas mãos de quem está na Gávea, pelo contrário. Já sabemos que atraíram para a base do projeto empresas de porte. Algo de bom pode estar sendo plantado ali sim. Vamos esperar pra ver.
Já tem um bom tempo, andamos tristemente nos acostumando a se preparar sempre para o pior, quando se fala de Flamengo. E sei que não é realista esperar agora o melhor. O tal Flamengo que eu gostaria de ver, de que falei no início do texto, ainda não parece mesmo estar a caminho.
Mas acho que, no momento - posso quebrar a cara, posso mudar totalmente de opinião daqui um mês ou dois -, vale dar tempo ao tempo antes de voltar a atirar pedras. Do jeito que estava antes, sei que eu não estava satisfeito. Vamos ver no que vai dar agora.
• ANDRÉ MONNERAT trabalha com marketing e Internet e escreve também no SobreFlamengo.
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