quinta-feira, 21 de maio de 2009

Queremos respostas
Por Vinicius Paiva

Foi com o mais absoluto estarrecimento que abri, no sábado passado, a revista FUT, vinculada ao diário Lance. Nela, consta excelente reportagem de capa a respeito da difusão dos projetos de sócio-torcedor entre os clubes brasileiros. Antes de explicar o porquê da minha indignação, relatemos um pouco das informações contidas na reportagem, apenas para termos ideia da magnitude dos números envolvidos.

Naturalmente o foco central da reportagem é o Internacional de Porto Alegre (logo quem, hein?). Os colorados, que afirmam terem ultrapassado a casa dos 83 mil sócios-torcedores, encabeçam o ranking dos projetos de sucesso deste gênero no país. Em muitos casos, o torcedor sequer pisa no estádio, como acontece com a garotinha Clarice, associada de Campina Grande, na Paraíba. A intenção destes torcedores é se aproximar e colaborar de fato com aquele clube que, a partir de 2003, passou a tratar sua torcida como um verdadeiro cliente, oferecendo estrutura, conforto e comodidade. E títulos. O número de associados pulou de 5 mil em 2003 para os 83 mil atuais, e as receitas do clube cresceram em proporção geométrica. Em 2006, os sócios geraram R$ 11,9 milhões anuais ao Inter, saltando para R$ 25 milhões em 2008 e com a expectativa de se atingir a marca de R$ 34 milhões em 2009. Os frutos colhidos pelo clube nas competições, após esta verdadeira onda colorada, eu absolutamente me abstenho de comentar. Principalmente hoje.

Mas não é só do Beira-Rio que vem o exemplo. No quadro abaixo, compilo um resumo dos projetos de associados pelos grandes clubes brasileiros em diversos estados:


Clube/Nº de torcedores/Nº de Associados/% de Associados/Mensalidade
AtléticoPR/900 mil/22 mil/2,4%/R$ 50
Botafogo/2,7 milhões/12 mil/0,44%/R$ 55
Fluminense/2,2 milhões/7 mil/0,32%/R$ 30 a R$50
Grêmio/6,4 milhões/50 mil/0,78%/R$ 30
Santos/4,9 milhões/4 mil;/0,08%/ R$ 53
Corinthians/24 milhões/20 mil/0,08%/R$ 6 a R$ 75


Isso sem contar o Avaí – o pequeno e simpático time de Floripa – que mal ultrapassa a marca de 100 mil torcedores, mas que já atingiu a fabulosa quantidade de 10 mil sócios-torcedores. Isto representa cerca de 10% de sua torcida cadastrada e associada. Um assombro.

Fora do Brasil, então, nem se fala. Foi lá que surgiu o modelo, e é lá que os clubes mais colhem os frutos desta verdadeira sinergia clube-torcedor. Na Inglaterra, a taxa de ocupação do estádio nos jogos do Manchester United atingiu os 97%. São 75.000 torcedores em média por jogo, gerando uma receita por partida de aproximadamente seis milhões de euros (quase R$ 17 milhões). Nada mau se considerarmos que até a temporada 1992/1993 – anterior à criação deste tipo de projeto por lá – o campeão de bilheteria atraía apenas 37 mil torcedores por jogo. De Portugal, vem outro exemplo de vulto: o Benfica, campeão mundial em número de associados, com 178 mil apaixonados. A visão do torcedor como cliente é tão aguçada que, por lá, se oferecem vantagens quase que inacreditáveis aos torcedores. O benfiquista que quiser comprar um automóvel da Citroen ou da Suzuki, por exemplo, ganhará, respectivamente, abatimento de 21% e 10% no valor do carro.. Isto equivale, no Brasil, a comprar um automóvel Citroen C3 de R$ 35 mil reais com SETE MIL REAIS DE DESCONTO. Vale ou não vale a pena?

Diante disto tudo, não haveria dúvidas a respeito do quão valiosas são as parcerias entre os clubes e suas torcidas, justificando de maneira indefectível a adoção de projetos de sócio-torcedor por todo e qualquer clube brasileiro, certo?

Errado.

Na reportagem, há um quadrinho que trata especificamente da “questão Flamengo”. Do porquê o clube com maior torcida do Brasil – e portanto, maior potencial de alavancagem de receitas – não possuir um projeto do tipo.

E foi aí que eu não acreditei no que li.

Segundo Luis Fernando Pozzi (who?), gerente de marketing do Flamengo, “Criar um plano de associados não é interessante para nós”. Não para por aí. “Fizemos uma pesquisa para ver se um programa desses valeria a pena. Chegamos à conclusão que daria prejuízos”. A reportagem conclui dizendo que “o Flamengo estuda lançar o programa Cidadão Rubro-Negro, um cartão de fidelidade para os fãs fora do Rio de Janeiro, cujos pontos acumulados nas compras na rede credenciada poderão ser trocados por prêmios”.

Deixe-me ver se entendi. O máximo que o Flamengo faz é cogitar lançar um projeto de troca de pontinhos por prêmios? Projetos de sócio-torcedor estão descartados pelo clube?? Ora, mas não foi bem isso que o sr. Ricardo Jorge Hinrichsen Junior, VICE PRESIDENTE DE MARKETING DO FLAMENGO, afirmou, em entrevista à minha pessoa, no dia 01/02/2008. A íntegra pode ser conferida no link: http://www.flamengorj.com.br/coluna.asp?codColuna=276 . Transcrevo, pois, a parte em que o vice-presidente do Flamengo trata da questão do projeto “Cidadão Rubro-Negro”:

“(...) Temos um projeto que vislumbro há quase dois anos, desde que entrei, chamado “Cidadão Rubro-Negro”. Não se trata apenas de um projeto de sócio-torcedor, vai muito além, pois eu queria algo totalmente diferente, que fosse muito mais do que um simples nome e cadastro do torcedor. O projeto se baseia em tecnologia, e por conta disso já foi modificado várias vezes. Com as novas tecnologias, como as que utilizam celular como meio de pagamento, eu acho que finalmente agora vai. Temos que ser cuidadosos para não acontecer o que aconteceu com outros clubes que lançaram projetos de sócio-torcedor e não foram bem sucedidos exatamente por conta de ter havido uma precipitação.”

Fica bem claro que o senhor Ricardo Hinrichsen trata o projeto “Cidadão Rubro-Negro” como um projeto de sócio-torcedor. Ou mais do que isso, já que o intuito era “ir além”. Considerando que um gerente de marketing seja um subordinado ao vice-presidente de marketing, ficam as perguntas:

1) Como pode um subordinado contradizer as palavras de seu próprio superior hierárquico?
2) De fevereiro de 2008 até o presente momento, a vice-presidência de marketing do Clube de Regatas do Flamengo mudou de opinião com relação ao lançamento de um projeto de sócio-torcedor, é isto?
3) Que diabos de pesquisa é esta que concluiu que um projeto de sócio-torcedor no Flamengo “não valeria a pena”? Foi encomendada a quem? Por que a mesma não teve a devida publicidade?
4) ATÉ QUANDO A DIRETORIA DO FLAMENGO VAI REMAR CONTRA OS ANSEIOS DA IMENSA MAIORIA DE SUA TORCIDA, ÁVIDA POR SE ASSOCIAR AO CLUBE, GERAR RECEITAS E NOS RECOLOCAR NO CAMINHO DAS VITÓRIAS E DOS TÍTULOS DE IMPORTÂNCIA?????


Se o Flamengo atingisse míseros 0,08% de sócios-contribuintes, como no caso do Santos e do Corinthians - e considerando um valor fictício R$ 50 (cobrado por boa parte dos clubes), arrecadaríamos R$ 1.400.000,00 mensais. Quase R$ 17 milhões anuais. Já se atingíssemos um percentual de 1,5% da torcida (próximo ao conseguido pelo Internacional, onde 1,7% dos torcedores são sócios), o projeto nos catapultaria a receitas de R$ 26 milhões mensais, R$ 315 milhões anuais. Dívida paga em um ano.

Este exercício está longe de ter semelhança com aquela velha lenga-lenga de “se cada torcedor do Flamengo der um real, blá blá bla”. Não. Baseei-me em fatos. Em percentuais empiricamente verificados nos projetos de sócio-torcedor de outros clubes brasileiros. Excluí, na melhor das hipóteses, 98,5% dos torcedores do Flamengo da amostra daqueles que estão decididamente dispostos a contribuírem com o clube, pois é assim que estes projetos funcionam. Diante destes números, e dos questionamentos elencados acima, este espaço está aberto a possíveis direitos de resposta.

Isto se houver um mínimo de preocupação com relação às demandas da torcida do Flamengo, naturalmente.

E que sejam bons argumentos. Não topamos qualquer negócio.

E-mails para a coluna: viniciusflanet@gmail.com

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