terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Alfarrabios do Melo



Olá, saudações rubro-negras a todos.

Foi com um misto de surpresa e satisfação que recebi o convite da administração do blog para assinar um texto semanal. Assim, vou tentar dar a minha contribuição a esse espaço, que na minha opinião já se tornou indispensável para quem deseja discutir e absorver assuntos flamengos.

Como muitos blogueiros já comentam sobre aspectos táticos e da estrutura administrativa com muito mais competência do que eu o faria, resolvi procurar, dentro do que rege a missão da FlamengoNet, resgatar alguns momentos históricos importantes do futebol do clube, com um pouco mais de detalhes do que normalmente se obtém quando se pesquisa cada uma dessas conquistas.

Resolvi começar com um título bem especial que já faz 20 anos, aproveitando que estamos em disputa da Taça Guanabara. Convido-os a embarcar nessa viagem, e espero que gostem.

* * *

1989. O Flamengo acabava de ser eliminado do Campeonato Brasileiro de 1988 (que havia sido paralisado para as férias) pelo Grêmio, com um gol de Cuca (é, ele mesmo) em pleno Maracanã. Mas não havia tempo para lamúrias botafoguenses. O treinador, Telê Santana, tinha que preparar o time para a disputa da Taça Guanabara, já dali a duas semanas.

A base da equipe era ainda formada pelos remanescentes do tetra brasileiro de 1987. No gol, Zé Carlos reinava absoluto. As laterais eram ocupadas por Jorginho e Leonardo, ambos com forte índole ofensiva. O seguro zagueiro Aldair, que já começava a chamar a atenção do país (e do exterior) tinha a companhia do garoto Rogério, ótima revelação surgida na base. No meio havia uma vaga em aberto, pois o volante Delacir havia caído em desgraça após ter falhado no gol decisivo contra os gaúchos e seria negociado. Os postulantes a ocupá-la eram o jovem Marquinhos (grande organizador de jogo), e o discutido Paulo Martins (ex-Bahia, de futebol clássico mas cadenciado em excesso). Ailton completava a dupla de volantes, e Zinho (aberto pela esquerda) ajudava a fechar o meio. Zico atuava mais à frente, com o voluntarioso Alcindo pela direita (ajudando a cobrir as subidas de Jorginho) e Bebeto flutuava no ataque. Com as freqüentes ausências do Galinho, o meia-atacante Renato, vindo do América, era praticamente um “12º titular”.

Além do dilema na posição de primeiro volante, Telê ainda não poderia contar, nos primeiros jogos, com Rogério e Leonardo, ambos servindo à seleção sub-20, que disputava o Mundial da categoria. Assim, o treinador teria que recorrer a Zé Carlos II (zagueiro alto, que finalmente teria sua chance) e Paulo César (outro egresso do Bahia, lateral habilidoso, mas lento).

O início não foi muito animador. Empates contra Porto Alegre de Itaperuna e Botafogo (em jogo polêmico, onde o árbitro Luís Carlos Félix encerrou a partida com a bola em disputa na área do Flamengo, o que evidentemente gerou muita choradeira...) e uma vitória pouco convincente contra o América davam a impressão de que a equipe não engrenaria. A ausência de Leonardo era muito sentida, e Zico precisava de alguém com mais mobilidade para ajudá-lo na armação das jogadas de ataque. Telê percebeu isso, e num jogo contra o Bangu resolveu testar uma formação com Zico e Renato jogando juntos, recuando Ailton para a posição de primeiro volante (e sanando assim seu problema). A goleada por 4-2, com o time mais solto, mostrou que a intuição do treinador estava correta. E assim, com essa formação na cabeça, Telê foi ajustando a equipe, que foi passando sem problemas pelos jogos seguintes. O time, que já começava a ser elogiado, parecia pronto para a reta final. Leonardo estava de volta (Rogério também, mas Telê preferiu manter Zé Carlos II, mais entrosado com Aldair), Bebeto e Aldair viviam fase fulgurante, e Zico (sempre indispensável) enfim parecia poder engatar uma seqüência de jogos. O primeiro grande teste da nova formação seria o Fla-Flu.

O Fluminense estava empolgado. Vinha de vitória sobre o Vasco, o que reacendeu suas chances na competição. Se vencesse o clássico, entraria de vez na briga. Mas o Flamengo de Telê já estava embalado. Além dos toques refinados e envolventes, a equipe apresentava um diferencial, uma incrível capacidade de jogar em velocidade. Os contragolpes puxados por Alcindo, Renato, Bebeto e Zinho foram um permanente tormento para a desnorteada defesa tricolor. O Flamengo tinha ânsia de gols, imprimia uma correria alucinada, parecia uma cavalaria em batalha. E assim, quem viu o jogo não se surpreendeu com os assombrosos 4-0 que o time enfiou, com espantosa naturalidade, no adversário. Naquele dia, o Fluminense parecia um desses friburguenses da vida (o final dessa partida é de causar orgasmos). Atordoado com a amassada, o zagueiro tricolor Torres declarou, ao final do jogo, que não agüentava mais ver aquela “gangue de camisas vermelhas e pretas” e torcera praquilo acabar logo.

Antes do jogo final contra o Vasco, o já festejado Flamengo ainda tinha que enfrentar o perigoso Nova Cidade, de Nilópolis, que já havia tirado pontos do próprio bacalhau e do Fluminense. O jogo seria na Gávea, que passou a semana em festa. Mas estrelas do quilate de Zico e Telê já estavam calejadas com o oba-oba, e com impressionante seriedade o time empurrou OITO no atônito adversário. Só Bebeto, no auge da forma, fez quatro. Depois do jogo, Zico, em entrevista a um repórter de campo, soltou: “é, o time trabalhou etc, e tivemos a felicidade de conseguir a vitória de ... ahn... quanto é que foi o jogo mesmo?”

Na última rodada, o Flamengo liderava, um ponto à frente do Botafogo. Mas os chorões venceram o Bangu, e assim o time de Telê entrou em campo com a obrigação de derrotar o bacalhau. Com um empate, haveria jogo extra contra o Botafogo, e a derrota significava a perda do título para General Severiano (a vitória valia dois pontos).

Mas o jogo contra o Vasco não seria fácil. O adversário tinha excelente equipe, com nomes do quilate de Geovani, Bismarck, Mazinho (tetra em 94) e Acácio, entre outros. Todos eles comandados pelo veterano Roberto Dinamite. Para piorar, o bacalhau vinha de uma seqüência de cinco vitórias seguidas sobre os rubro-negros, a chamada “quina” (que o Flamengo devolveria poucos anos depois), motivo de muitas gozações. A torcida vascaína apregoava que iria ao Maracanã ver a “sena”, idéia logo encampada pelo falastrão Eurico Miranda. O volante Zé do Carmo gostava de dizer que enfrentar o Flamengo era “bicho certo”. Enquanto isso, Zico & Cia. trabalhavam em silêncio...

Mesmo com o retrospecto recente amplamente favorável ao Vasco, o Flamengo era considerado favorito absoluto pela imprensa, encantada com o futebol dos comandados de Telê. E o time não decepcionou. Tomou desde o início a iniciativa da partida, sufocou o tempo inteiro, perdeu inúmeras oportunidades (um dos defeitos daquela equipe), e se impôs com tranqüilidade, vencendo por 3-1, numa vitória até bastante fácil, pela importância do jogo. O que chama a atenção é o segundo gol, num contragolpe típico e didático (o passe de Zico é um espetáculo...).

O Flamengo era o campeão da Taça Guanabara de 89. Aliás, bicampeão. E invicto. E a torcida, em êxtase, não deixou passar a oportunidade para tripudiar em cima dos cabisbaixos vascaínos, que deixavam o estádio.

“Ô, ô, ô, a sena acumulou...”

Foi a última volta olímpica de Zico no Maracanã, comemorando título.

Links no youtube:

Botafogo 1-1 Flamengo: http://www.youtube.com/watch?v=UI6BMMXU4oU

Flamengo 3-1 Vasco:
http://www.youtube.com/watch?v=uWg_oH9_0FI

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