terça-feira, 13 de janeiro de 2009

No dia do último tri, eu estava...


Em São Paulo. Era um domingo de Sol. Minha família estava a passeio, localizada em um município próximo à capital, onde moramos. Meu pai, rubro-negro autêntico, contemplador da geração de Zico e Cia, ciente das verdadeiras dimensões do Mais Querido, olhava com tristeza a transmissão local da Tv, que iria começar a mostrar a final do Campeonato paulista entre Corinthians e Botafogo de Ribeirão Preto.


Não era tarefa fácil ser torcedor do Flamengo em Sampa em época pré-internet. E ainda não é. Os jornais mais informativos dedicavam incríveis 3 linhas aos times do Rio. O mundo podia estar acabando em território carioca, que era preferível estampar uma reportagem com o cozinheiro do Corinthians, o jardineiro do Palmeiras, alguém do São Paulo, Santos...

Mas as três linhas de futebol carioca eram claras: o Vasco era franco favorito ao título, pois além da vantagem de ter ganhado por 2 a 1 o primeiro jogo, mostrava um futebol mais convincente ao longo do campeonato. Não bastasse isso, o elenco rubro-negro era um mar de vaidades, fora do controle do ultrapassado Zagallo, geridos por uma parceria mal explicada e uma diretoria duvidosa. Do alto da experiência dos meus 12 anos, li esse trecho pro meu pai e disse: “-Tá difícil pro nosso Mengão, hein pai?”.


Ele olhou pra mim. Um moleque que amava futebol, mas não podia acompanhar seu time. E ainda tinha que conviver com a pressão de virar a casaca pra um time paulista, junto com gozações bairristas que atacavam a abalada reputação flamenga em solo paulista. Refletiu um pouco e respondeu: “-Esquece isso. O Flamengo está na final e quando nos deixam chegar, fodeu! Isso é Flamengo, o resto é bobagem. Você vai aprender com o tempo.”


Já que a televisão escolheu a final paulista, decidimos fazer a viagem de volta à capital no horário do jogo, pois morreríamos de desgosto ficando uma hora e meia vendo gambazada e adjacências, esperando a torturante “bolinha pintar na tela” anunciando gols, que poderiam ser de qualquer campeonato do país. Era preferível acompanhar a final pelo rádio do carro, onde caçávamos uma estação que transmitisse nosso jogo. Nenhuma. Só havia a Rádio Globo do Rio, que devido à distância, tinha um sinal horrível, pouco compreensível e com um chiado ensurdecedor. Problemas pequenos perto da devoção rubro-negra. E fomos acompanhando o jogo durante toda a viagem, que durava cerca de uma hora e vinte minutos, a contragosto da minha mãe e irmã, já surdas e transtornadas pelos ruídos do rádio.


Supondo que havíamos decifrado corretamente os ruídos, o placar apontava insuficientes 2 a 1 para o Flamengo. Já eram 40 do segundo tempo, meu pai dirigia aflito, já próximo de casa. Atrapalhado pelas rádios locais e pelas rádios piratas, o já combalido sinal da rádio Globo carioca sumiu de vez, pra alegria das mulheres do carro e dos palavrões cabeludos do meu pai, que foi forçado a sintonizar a rádio Bandeirantes local, justamente no momento em que o juiz apitava o fim do jogo paulista e o começo da festa corintiana. Tudo estava contra. Restavam 5 ou 6 minutos ainda no Rio, ninguém informava se o jogo acabou ou não, se saiu gol.


Eu no banco traseiro do carro já estava me acomodando e olhando a festa corintiana surgindo pelas ruas. Subitamente o narrador pediu a palavra do repórter que entrevistava Marcelinho Carioca na festa do Paulistão: o correspondente no Rio informava que o jogo estava acabando e o Flamengo teria uma das últimas chances em uma falta de longe, Petkovic, então camisa 10, se preparava pra cobrança.


Meu pai fazia “figas” ao volante. Eu levantei do meu lugar, com olhar distante, ouvidos no rádio, coração batendo forte, e gostaria que as mãos estivessem segurando os pés do Hélton. Na voz pálida e meio indiferente do narrador:
“- A falta é de muito longe, talvez seja a última chance, o Zagallo está rezando (e todos da rádio davam risada), Pet ajeita com carinho, a torcida balança as mãos no alto, clima incrível no Maracanãããããã... Vem Petkovic(...) Bateeeeeeuuuuuuu (barulho da torcida) Gooooooooooool !!!!!!!!! “


Meu pai largou o volante e me abraçou, quase causando um acidente monumental. Mergulhado em euforia, soltando palavrões mais cabeludos ainda, também ouvindo alguns da minha mãe, amedrontada e embasbacada pelo quase acidente que um “mero” gol poderia ter causado. Ele sorria contente por me ver comemorando a melhor decisão da minha vida: ser Flamenguista. Paramos em um bar para ver o gol. Minha mãe e irmã voltaram a pé para casa, que estava próxima. Provavelmente foram ver o Planeta Xuxa, que contava com a presença do Pet, Edilson, Júlio Cesar...


No bar os comentárioa de corintianos, santistas, são-paulinos e palmeirenses eram da ordem: “-Parabéns! Emocionante! Pô, a torcida de vocês é fenomenal... “ e também: “No Rio eu sou Flamengo! Aqui torço pra não sei quem, mas no Rio eu sou Flamengo!” E naquele instante a cidade inteira refletia a grandeza do Flamengo.


Porque momentos antes,em meio à festa corintiana do título, quando a bola do Pet entrou no ângulo, fez-se um minuto de silêncio (e de respeito) em São Paulo. E, com o perdão do termo, era um silêncio ensurdecedor.Mais do que os ruídos que ouvimos durante toda a viagem.


Jonas Policarpo Ico, acima de tudo rubro-negro, também é um paulista de 18 anos, que nas horas vagas é estudante e estagiário de engenharia mecânica na terra da Garoa.

Flamengo Net

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