quarta-feira, 15 de outubro de 2008


CADERNINHO DO SIMÕES LOPES XXX

Calma, não é nada disso que estão pensando... XXX é apenas “trinta” em algarismos romanos. Acontece que em 2008 completo trinta anos na minha carreira de torcedor, que começou no augustíssimo campeonato carioca de 1978. Nestes anos já presenciei tanta coisa, que resolvi fazer um resumo do Flamengo (ou dos Flamengos, para ser mais exato) que eu acompanhei ao longo destas três décadas de emoções sempre fortes.

LATERAIS PELA ESQUERDA (Parte 1)

Em 1978 um lateral-esquerdo já reinava absoluto naquele inesquecível time do Flamengo. Leovegildo Lins da Gama Júnior, ou, simplesmente, Júnior, além de talentoso, além de cracaço, e além de versátil, era tão disciplinado que muito raramente recebia cartões, além de ter um preparo físico tão incomum, que parecia ser imune a contusões.

A conseqüência imediata desta combinação de fatores era que Júnior jogava tanto, que seus reservas praticamente não tinham oportunidade de entrar em campo. Inicialmente escalado como lateral-direito nos idos de 1974, quando ajudou o Flamengo a conquistar o título carioca com uma constelação de pratas-da-casa, a contratação do tarimbado lateral Toninho Baiano fez com que ele se deslocasse para a canhota, mesmo sendo destro. Começava assim um reinado que se estenderia até 1984, ano de sua venda para a Itália. Coitados dos reservas: o primeiro a sofrer com a concorrência desleal foi o regular lateral Vanderlei (que décadas mais tarde ficaria famoso como o técnico Vanderlei Luxemburgo). Titular da lateral-direita até 1974, Vanderlei acabou perdendo a posição para o concorrente genial, e após sair do Fla teria passagens apagadas por Botafogo e Inter, encerrando precocemente sua carreira. Outro reserva esporádico foi Antunes, um garoto filho do massagista que teve poucas atuações entre 1979 e 1982 (neste ano, viveu um curto momento de glória ao substituir Leandro na final heróica do Brasileiro daquele ano).

Com a venda de Júnior, o Flamengo experimentou Ademar, que pouco fez, e Adalberto, cujo futebol rápido e habilidoso garantiu-lhe a posição de titular por quase três anos. Ia com eficiência ao ataque, mas teve sua carreira promissora abreviada por uma entrada criminosa num jogo amistoso contra o Botafogo da Paraíba. Perdíamos assim um jogador de grande futuro. Sem ele, o Flamengo passou por um período de improvisações emergenciais, ora com Jorginho precisando retornar à sua posição de origem na lateral-esquerda, ora com Aílton cobrindo aquela região, ora com reservas que não corresponderam, como Lula, Malhado e Nem. Uma tentativa de se preencher a vaga foi a contratação do lateral Aírton, com passagens regulares por São Paulo e América-RJ, mas quem acabou tomando conta da posição foi o recém-promovido Leonardo. Disciplinado, inteligente e bom no toque de bola, ele foi titular até 1989 (com Paulo César, outro ex-América, como seu reserva por pouco tempo) quando a miopia dos dirigentes rubro-negros não foi capaz de valorizar o seu potencial, e ele acabou trocado por empréstimo pelo decepcionante Nelsinho, do São Paulo. Os são-paulinos, demonstrando ótima percepção, e amparados por seu técnico Telê Santana, após o período de empréstimo, contrataram definitivamente Leonardo, e coube aos dirigentes flamenguistas a patética conformidade de que tínhamos Piá, e não precisávamos de outro lateral.

Piá jamais foi craque, e não passava de um lateral mediano, que no entanto teve a sorte de ser extremamente competente nos momentos decisivos. Sendo assim, mantebe-se titular mesmo com a contratação em 1991 de Dida, lateral revelado pelo Coritiba e com passagens pela Seleção Brasileira. No Flamengo, pouco fez, e acabou sendo barrado pelo modesto Piá. Com ele, ganhamos o Carioca de 1991 e o Brasileiro de 1992. Alguns reservas foram testados, sem nenhum sucesso: Selé, Paulo César Stenico (contundiu-se na própria estréia) e Josicler; sem jogadores fortes na posição, o Flamengo acabou encontrando uma solução improvisada no versátil volante Fabinho, que acabou atuando por mais tempo como lateral, em ambos os lados do campo.

Em 1994 o presidente Velloso contratou Marcos Adriano, cuja passagem vitoriosa pelo São Paulo o credenciava como a solução dos problemas rubro-negros; como reserva tínhamos Serginho, um jogador então desconhecido vindo do interior do Rio, com passagem apagada pelo Fla. Anos mais tarde, acabaria no São Paulo, onde brilharia chegando à Seleção Brasileira e à carreira internacional do futebol italiano. Quando Kléber Leite assumiu a presidência, Marcos Adriano e Fabinho seguiriam na posição, já que a contratação do veterano lateral-esquerdo Branco visava mais o aproveitamento dele no meio-de-campo. Tínhamos o júnior Leonardo Inácio na posição, mas não correspondeu à expectativa, e em 1995 o Flamengo comprador de KL contratou Lira ao Fluminense. Com ele no time, chegamos a ganhar o Carioca de 1996, mas foi com duas jovens promessas que o Fla mais uma vez conseguiria solucionar a escassez na posição. Gilberto, irmão do então rubro-negro Nélio, trazido do América, e Athirson, egresso das divisões de base, revezaram-se na lateral, e com eles parecíamos ter encontrado finalmente titulares confiáveis. Athirson ainda chegou a passar por um curto empréstimo ao Santos, quando seu futebol finalmente estourou; assolado por dívidas estratosféricas, não conseguimos segurar Gilberto, que acabou negociado com o Cruzeiro, de onde ainda acabaria jogando no arqui-rival Vasco, antes de partir para uma carreira de sucesso na Europa. Ainda tivemos Zé Roberto por pouco tempo, mas foi Athirson que atingiu o auge de seu futebol nos idos de 2000, quando defendeu, atacou, fez gols, e chegou à Seleção Brasileira. Vendido à Europa, numa negociação que casou muitas celeumas na Gávea, ainda chegou a voltar, mas sem jamais recuperar o futebol que teve. Seguiu-se então uma fase de jovens laterais irregulares, como altos e baixos: Wagner, Cássio, Marco Antônio, Ânderson, Vítor, Gauchinho, Rúbens, Júlio César (que agora brilha no Goiás), Roger (o Rei dos Fla-Flus, hoje naturalizado e jogando na seleção da Polônia), André Santos (titular no Corinthians) e André. Após penarmos muito, finalmente conseguimos um titular à altura das tradições rubro-negras: Juan, contratado ao Fluminense, que chegou para conquistar a posição de forma definitiva. Habilidoso, veloz, ainda que às vezes pareça meio distraído, suas boas atuações o levaram à Seleção Brasileira. Isso com certeza atraiu a atenção dos empresários estrangeiros, e não sabemos por quanto tempo ainda o veremos na lateral-esquerda.

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