quinta-feira, 11 de setembro de 2008

COLUNA DE QUINTA-FEIRA - Raphael Perret

Um vice inesquecível

Todo vice-campeonato é uma derrota. Pode vir de uma vitória, mas é uma derrota. O segundo lugar pode ser o resultado de uma campanha excelente mas que teve um desfecho inesperado porque o time não entrou concentrado, ou porque o adversário jogou melhor, ou por causa do azar. E a dor da derrota vem sempre acompanhada de uma ardente dose de frustração.

Na coleção de vices destinados ao Flamengo, há derrotas incontestáveis (Cruzeiro, 2003), incompreensíveis (Santo André, 2004) e trágicas (Fluminense, 1995). Mas pelo menos um deles foi o vice-campeonato mais honroso que o Flamengo já conquistou. Um "título" de dar orgulho a qualquer rubro-negro com sangue nas veias.

Quarta-feira, 24 de novembro de 1993. Morumbi. São Paulo. Segundo jogo da decisão da Supercopa dos Campeões da Libertadores. Um torneio sem muita tradição, mas que seria ambicionado pelo então campeão da Libertadores e pelo então campeão brasileiro. São Paulo e Flamengo disputavam o título. Quem ganhasse levava o caneco. O empate transformava a decisão no suplício dos pênaltis. Esta configuração decorria do resultado do primeiro jogo, 2 a 2 no Maracanã, sete dias antes.

A decisão, naquela quarta-feira, era a grande chance de consagrar Júnior, técnico que assumira o comando do time meses depois de se aposentar como jogador. O Flamengo entrava em campo com Gilmar; Charles Guerreiro, Gélson, Rogério e Marcos Adriano; Fabinho, Marquinhos, Marcelinho e Nélio; Renato Gaúcho e Casagrande. Se o time mesclava a juventude de novos valores com a experiência de importantes medalhões, sofria exatamente com esse desequilíbrio. Tinha um meio-campo veloz, mas que nem sempre era acompanhado pelo ataque, lento e pesado.

As circunstâncias não ajudavam. O jogo era fora de casa. Na primeira partida, o Flamengo saiu decepcionado porque vencia por 2 a 1 até os 40 do segundo tempo. O rival era, simplesmente, o então bicampeão da Libertadores e preparava-se para ir a Tóquio vencer o Milan e conquistar o segundo Mundial de sua história. Naquele ano, o São Paulo já havia eliminado o Flamengo da Libertadores (1 a 1 no Maracanã e 2 a 0 no Morumbi). E a equipe de Telê entrava em campo com Zetti; Cafu, Válber, Ronaldão e André Luiz; Dinho, Doriva, Toninho Cerezo e Leonardo; Palhinha e Müller. Mais de 70 mil pessoas estavam presentes ao estádio paulista. Tudo, enfim, indicava uma vitória tricolor.

Começa a partida e, em jogada de escanteio, Renato Gaúcho marca aos 9 minutos. Algo de diferente estava no ar. O São Paulo não ameaçava muito e o Flamengo assustava muito mais em contra-ataques. Renato parecia o Renato de 1987, arisco, insinuador, e o malandro de sempre. Assumia a responsabilidade. Num lance, ele se livra dos zagueiros, invade a área, tira de Zetti, o gol anda sozinho e a bola passa rente à trave. Depois, em outro escanteio, Rogério dá um cabeceio mortal, a trave ganha diâmetro e impede o segundo gol. Sim, a vitória era possível.

Veio o segundo tempo e, com ele, 45 minutos impressionantes e inesquecíveis. Os principais personagens do primeiro jogo recuparavam o papel de protagonistas na grande decisão. O objetivo não era só o título, mas também a consagração como herói.

O São Paulo voltou com o endiabrado e garoto Juninho (sim, o Paulista, ainda sem o epíteto regional) no lugar de Cerezo. O Tricolor se tornou avassalador e perdia chance atrás de chance. O Flamengo também assustava, mas a maioria das bolas caía nos pés de Nélio, conhecido pelos gols que fazia e que perdia. Era o dia do "perdia".

A pressão era forte, até o ex-rubro-negro Leonardo, que também fizera o primeiro gol no Maracanã, empatar aos 16.

A torcida, feliz por ver um jogo tão emocionante, motivava o São Paulo. Mas esbarravam numa parede chamada Gilmar. O goleiro do Flamengo voltava ao Morumbi, onde brilhou tantas vezes pelo tricolor paulista, para ter, provavelmente, a melhor atuação de sua carreira.

Mas os deuses do futebol escolhem os heróis e vilões em frações de segundos. Juninho estava em sua melhor fase. Armava e fazia gols. Foi ele quem fez o gol de empate no primeiro jogo, no Rio. Aos 34, finalizou um rápido contra-ataque com um chute fraquíssimo, rasteiro, mas que Gilmar foi incapaz de desviar do gol. Explosão no Morumbi. O herói do Maracanã se transformava no grande nome da decisão. Gilmar, uma muralha, era vazado de forma prosaica. O São Paulo virava a partida.

Como era de se esperar, o Flamengo estava cansado. Chegava bem ao ataque, mas o ímpeto do adversário e o momento do jogo favoreciam absurdamente o São Paulo. Mas nada, nada mesmo indicava que o jogo ficaria naquilo. Todos que assistiam à partida sabiam que as emoções cessariam apenas ao fim do jogo.

Dois minutos depois do gol de Juninho, a catarse em que se transformou o Morumbi, rapidamente, esgotou-se num silêncio que se interrompia pelo lado rubro-negro do estádio. Num tirambaço de fora da área, quando os times ainda se rearrumavam depois do desempate tricolor, Marquinhos fazia 2 a 2. O volante encheu o Flamengo de esperança. Era o terceiro gol de fora da área de Marquinhos naqueles dois jogos. A roupa do herói mudava de corpo.

Daí até o final, Flamengo e São Paulo, em jogadas de alta velocidade e bem tramadas, chegavam na cara do gol e perdiam suas oportunidades. Os goleiros tinham seus méritos. Mas na maioria das vezes, principalmente contra o São Paulo, o destino distanciava a bola do gol, por centímetros, por conta própria. Porque queria preservar esta partida. Um gol, àquela altura, macularia um jogo imortal que não merecia ter um derrotado.

Mas a regra, infelizmente, é clara: só um time poderia erguer a taça. O apito final de Renato Marsiglia levava a onírica decisão para a cruel realidade dos pênaltis.

Dinho manda uma bomba no lado direito.

Rogério, no canto esquerdo. Quase que Zetti pega.

Leonardo, no ângulo direito, indefensável.

Marcelinho, o Carioca, acerta a trave direita.

Cafu chuta no lado direito.

Marquinhos capricha e manda no canto esquerdo.

André, de canhota, emenda no meio do gol.

Gélson chuta na esquerda, Zetti quase pega, mas a bola entra.

Müller toca rasteiro, numa bola lenta, que parecia não querer chegar ao gol, na última tentativa de eternizar aquela partida. Mas ela entra no canto direito de Gilmar e encerra um jogo, uma decisão, um campeonato, um sonho.

Uma partida equilibrada, repleta de chances, de gols feitos, de gols perdidos, de muita raça, vontade, emoção, garra, sorte e azar, falhas e méritos. Este vice, apesar dos dois empates, foi uma derrota. Porém, uma derrota bonita, guerreira e que custou muito caro ao São Paulo. Se todos os vice-campeonatos fossem assim, teríamos mais orgulho de ficar em segundo lugar. Tudo aconteceu de forma a transformar aquela decisão num evento histórico e definitivo.

Evento que faço questão de lembrar numa semana de São Paulo x Flamengo no Morumbi. Não vale título, mas é, sem dúvida, uma decisão, que bota um time na disputa por uma vaga no G4 e afasta o outro pela briga nas cabeças. Espero que o resultado seja completamente diferente da partida de 15 anos atrás. Mas que a entrega dos jogadores seja a mesmo.

Sei, porém, que nunca mais vamos ver um São Paulo x Flamengo como aquele. Porque jogos eternos acontecem em 90 minutos e, depois, repousam para sempre em nossos sonhos.

***

Se você não se lembra ou não era nascido quando fomos abrilhantados por este jogaço, veja os quatro gols da primeira partida e os melhores momentos do jogo mais emocionante que vi em toda a minha vida. E reparem na comoção do nosso glorioso Galvão Bueno na narração dos gols do Mais Querido do Brasil.


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