terça-feira, 8 de abril de 2008

Flamengo Vence na Atitude - II

Aproveitando que é véspera do nosso jogo mais importante do ano, resolvi visitar novamente toda a conversa fiada das alturas andinas. Porque nesses últimos dias o tema central de qualquer conversa entre rubro-negros ou mesmo entre rubro-negros e os raros arcoíristas esclarecidos é a nossa decisiva partida em Cuzco. E o assunto paralelo que gruda nessas conversas como se fosse um chiclete, prolongando as resenhas indefinidamente, é a controvérsia sobre a altitude.

Não é preciso que banquemos os idiotas, é fato que o corajoso posicionamento do Flamengo em defesa do cumprimento pela Confederação Sul-Americana das determinações da FIFA em relação aos jogos oficiais disputados em altitudes superiores a 2.450 metros deu margem a muita zoação. Principalmente por parte dos torcedores dos times cujos dirigentes, ao contrário dos do Flamengo, não quiseram, ou não souberam, lutar pelo melhor interesse de seus clubes, de seus atletas e do próprio esporte. Admito que a advocacia em causa própria sempre provoca desconfiança, ainda que não deslustre o mérito ou subtraia justiça à nossa reivindicação.

Mas até quem agora está zoando sabe bem que todo esse escárnio é mesquinho, invejoso e de efêmera duração, enquanto a vitória jurídico-esportiva a qual o Flamengo se dedicou causará efeitos benéficos e duradouros para todos os envolvidos com o futebol na América do Sul. Não que esperássemos aplausos advindos da rancorosa arco-íris, ainda não nos entregamos à demência, mas imaginei que nossos clientes ao menos se munissem de uma argumentação lógica para tentar refutar as teses defendidas pelo Flamengo. Só mesmo as teses, já que os fatos médicos e científicos que substanciam o nosso pleito não permitem contrastação.

Eu sou humanista e acredito de verdade que as idéias certas podem arejar o cérebro mais preguiçoso. Por isso sempre dou papo pra qualquer arcoírista que esteja a fim de discutir o tema com educação. Vocês podem imaginar como é engraçado tentar debater em alto nível com esse povo esquisitão. Os mais primitivos alegam que o Flamengo tá de frescura, que todo mundo sempre jogou lá em cima e que nunca teve pobrema. Só mesmo um observador desatento ao mundo que o rodeia poderia se sair com uma respostinha tão restrita e estúpida a uma questão complexa como essa.

Pra que fiquemos apenas num exemplo banal, no fim da década de 70, quando os andinos começaram a participar da Libertadores, a média de distancia percorrida por um jogador durante os 90 minutos de um jogo de futebol era de x metros por jogo. Hoje em dia, com o extraordinário avanço dos treinamentos, dos equipamentos, da condição atlética dos jogadores e do vertiginoso aumento do ritmo do jogo, essa distância se multiplicou. O que era x metros em 1980 de repente virou 2, 3 ou 4x.

Tendo em mente esses fatos de conhecimento geral é fácil concluir que, dados os níveis extremos de competitividade exigidos no futebol profissional moderno e, sobretudo, nas condições quase estratosféricas de cidades como La Paz, Cuzco e Potosi, uma comissão técnica que oriente seus jogadores a empregarem todos os seus recursos físicos na obtenção de uma vitória contra um adversário perfeitamente aclimatado às condições locais, é criminosa. Pois estará, inevitável e irresponsavelmente, colocando em sério risco a integridade física dos atletas a ela subordinados.

Talvez algum clube sem tradição possa até ter cogitado semelhante barbárie esportiva, mas nunca, jamais, o Flamengo. Não é da nossa natureza tal atitude. Aliás, quando os 6 jovens remadores compraram a baleeira Pheruza e fundaram o Grupo de Regatas do Flamengo, em 1895, tinham em mente exatamente o oposto disso. Felizmente, e para nossa imorredoura grandeza, a esses princípios norteadores o Flamengo se mantém fiel.

Mas voltando a 2008, me responda qual é o time que hoje em dia pode entrar em campo para uma partida do mais importante campeonato do continente pensando em segurar o ritmo e não se desgastar fisicamente? Quem tentar tal palhaçadinha será fatalmente aniquilado, jantado por velozes bolivianos e seus bilhões de glóbulos vermelhos a mais. Ora, meus amigos do júri, é exatamente essa superpopulação de hemácias que corre nas veias dos jogadores andinos que configura exemplarmente o escandaloso doping natural contra o qual o Flamengo, em nome do belo esporte, vem lutando sem cessar. Ponto pro Mengão!

Sendo assim, esse papo de que o Flamengo tá de frescura simplesmente não procede. Quanto ao argumento de que sempre se jogou lá em cima e nunca morreu ninguém, não passa de grave desinformação ou burrice má intencionada. Pega até mal, parece que se está esperando alguém empacotar pra mudar de opinião. Mas é nessa hora, ao verem esgotados seus parcos recursos argumentativos nessa questão, que 10 entre 9 dos detratores do Flamengo correm em direção ao último refugio dos canalhas, o patriotismo.

O argumento de que é uma questão de justiça e de que o alto das cordilheiras é o torrão natal daqueles homens que, como nós e todos os outros, tem o sagrado direito de jogar sua bolinha em sua terra natal, pode ser até poético, mas é furado. Principalmente porque a justiça nas competições esportivas não guarda qualquer relação entre a proximidade do local do nascimento dos atletas e o local onde se dará a competição da qual participam. Se políticos populistas fazem um carnaval e tentam nacionalizar uma questão pertencente exclusivamente ao âmbito esportivo, o fazem de pura malandragem, já que apostam numa mistificação grosseira que não resiste a dois minutos de reflexão.

Não existe perseguição aos paises andinos, a questão é de saúde e nela não cabem argumentos políticos. Apenas o fato desses fanfarrões terem plena consciência de que jogar ao nível dos condores é uma extraordinária e ilegal vantagem competitiva para seus conterrâneos justifica tanta onda pra aceitar jogar lá embaixo. Reparem que todos os países que pretendem mandar jogos oficiais lá no alto do morro também possuem estádios em altitudes mais próximas ao nível do mar. Logo não há nenhuma injustiça ou lesa-pátria na determinação da FIFA, ninguém está sendo proibido de jogar dentro dos limites de suas fronteiras.

E vamos parar de ser cara de pau, é evidente e comprovado que a altitude excessiva é prejudicial para o desempenho e a saúde dos sedentários, que dirá dos atletas. Não é coincidência o fato de que não exista a Maratona de La Paz (3660 m) ou que jamais se tenha disputado o Mundial de Atletismo em Quito (2850 m). Aliás, em diversas modalidades do atletismo os recordes porventura obtidos em competições já na altitude do Cidade do México (apenas 2.235 m) são simplesmente ignorados. Imaginem no alto dos Andes?

Agora chega de bater boca com arco-íris, falta menos de 48 horas pro jogo. Pra encerrar esse assunto que já encheu o saco e porque agora é hora de torcer pro Mengão e não de ficar arrumando encrenca, só digo mais uma coisinha que eu copiei do um livrinho oficial de regulamentos da UEFA de 1987 que eu tenho aqui em casa. Essa frase fica no fim de um capitulo do livro intitulado “Recomendações aos Dirigentes” e na minha opinião encerra a questão:

“A pratica do futebol em caráter competitivo e oficial não é um direito universal. É um privilégio adquirido pelos países que podem arcar com as responsabilidades intrínsecas ao pleno usufruto desse privilégio.”

Lennart Johansson

Mengão Sempre

Flamengo Net

Comentários