terça-feira, 18 de março de 2008

Cena Carioca



No prédio em que eu moro, com seus duzentos e cinqüenta apês por andar, privacidade não é um dos pontos mais fortes. Daqui da janela do meu cafofo eu pude assistir às cenas que agora descrevo. O diálogo ficou por minha conta, infelizmente não moro tão perto assim dos vizinhos pra poder ouvir tudinho.


Segunda-feira, era umas 7 e meia da noite. O cara tava na sala, perfeitamente alerta, escornado no sofá e com os pés na mesinha. Numa mão a latinha e na outra o controle, zapeando entre o Tá na Área e o VT de uma peladinha na ESPN.

Barulho de chave rodando na porta. O cara parece o The Flash. Tira o pé e coloca a lata na mesinha, se deita no sofá e começa a fingir que tá dormindo.

Entra a jovem madame, larga a bolsa na estante, desliga a TV e sem dar sequer uma olhadinha pro individuo prostrado no sofá, pergunta:

- Tem jogo do Flamengo no Domingo?

Ele se levanta e volta a ficar sentado. Não adianta continuar fingindo, ela não caiu mesmo e ele prefere responder da melhor maneira possível.

- Nem sei, querida. Tenho que olhar a tabela e...

Ela nem deixa ele encaixar a segunda mentira completa.

- Eu já olhei, o Flamengo joga sábado.

- Puxa, sábado, é mesmo? Contra quem?

- Não se faça de idiota, você sabe que é Flamengo x Cabofriense.

- Não sabia mesmo, nem tô ligando pra campeonato Carioca.

- É mesmo? Então você tem usado um bocado de horas do seu dia e das nossas noites pra ler e assistir tudo que passa na TV sobre um campeonato que você não está ligando.

O negócio estava indo de mal a pior. Ele não deu uma dentro desde que ela chegou e já estava encurralado. Era melhor cortar o papo furado.

- Por que esse súbito interesse no Flamengo, posso saber?

- Eu não tenho o menor interesse no Flamengo. É que como nessa semana o seu jogo é no sábado, é melhor você saber que nós vamos ao teatro no domingo. Achei que começando o assunto pelo Flamengo ia doer menos pra você receber essa informação cultural.

- Doer? Eu não entendi. Eu gosto de teatro.

- Se você não parar de mentir com essa cara de pau agora eu juro que vou gritar.

Ela era capaz de gritar mesmo. E o pior é que era mentira. Ele não gostava de teatro. Quer dizer, de teatro ele até gostava. Eram as peças de teatro que ele achava chatas.

- Tá certo, eu não gosto muito de teatro. Na verdade eu acho o horário das peças inconveniente. É sempre na hora do jogo.

- O teatro é no horário em que gente normal, não obcecada e adulta pode dedicar ao lazer e ao enriquecimento do espírito após cumprirem suas jornadas de trabalho.

- Ah é? Gente adulta? Explica então os horários do teatro infantil? Sempre na hora dos jogos, um absurdo! Explica.

Ela não acusou o golpe e continuou a levar ele pras cordas.

- Eu não vou explicar coisa nenhuma. Só anota aí no seu caderninho de estatísticas que no sábado, 22 de março, o Flamengo joga contra Cabofriense às 16 horas no Estádio Mário Filho, na Avenida Maracanã, sem número.

- Tá legal, pode deixar que eu sei o endereço.

- E anota também que no Domingo, 23 de março, eu vou ao teatro na sessão das 18 horas, depois vou a um jantar romântico e vou terminar a noite no melhor motel da cidade...

Ao ouvir a promessa lasciva embutida naquele roteiro macabro ele cometeu um erro de avaliação primário, achou que ela tinha desistido da luta e resolveu dar uma dançadinha, mesmo estando nas cordas.

- Ah, meu amor. Vamos estudar melhor esse horário do teatro...

- Anota direito. Domingo às 18 horas...com ou sem marido. Boa noite.

O árbitro abre a contagem. Nocaute. Soa o Gongo.

Mengão Sempre

Flamengo Net

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