terça-feira, 9 de outubro de 2007


Inconseqüências

Já repararam que as grandes concentrações humanas assumem um caráter feminino? Coincidentemente, a boa norma da língua portuguesa reza que esses mares de gente devem ser chamados por todos como se mulheres fossem. Dizemos a comunidade, a nação, a torcida, a multidão. Então é normal que a lógica coletiva desses grupos seja muito parecida com o jeito das mulheres pensarem. Sancho Panza, personagem que representa o bom senso e a malandragem dos sobreviventes no colossal Don Quijote, de Cervantes, manda uma frase sensacional lá no meio do livro: "No, por cierto; y entre el sí y el no de la mujer no me atrevería yo a poner una punta de alfiler, porque no cabría." (Claro que não; e entre o sim e o não de uma mulher eu não me atreveria a pôr a ponta de um alfinete, porque não caberia.).

Para boa parte da multidão, da torcida e da Nação (Rubro Negra, claro), essa mulher maravilhosa, a distância tão precisamente medida por Sancho Panza é a mesma que separa o Mengão do nirvana futebolístico da mais abjeta indigência mulambática. Na mais fina lógica lusa, muitos bons rubro-negros (mais um dos meus pleonasmos redundantes) pensaram assim - Ganhou do São Paulo, foram bestiais. Perderam do Flor, são umas bestas. Depois de terem sidos guindados aos céus na noite de quinta-feira, na segunda o Joel Santana acordou como Joel Cachaça pior que Ney Franco, Souza é um bonecão de posto, Juan não joga nada, Bruno é frangueiro, entre outras conclusões alopradas que são apenas um dos piores sintomas da cabeça inchada; a inconseqüência.

Galera, vamos devagar com a louça. Um resultado, positivo ou negativo, quando descontextualizado de todo o restante do campeonato, não é suficiente nem pra se fazer uma análise medíocre de uma equipe, quanto mais para começar uma caça às bruxas fora de época. Futebol não é micareta, vamos respeitar o calendário. Perder pra time de segunda é feio, isso é indiscutível. Mas uma derrota em um clássico milenar onde, salvo improváveis goleadas, todo e qualquer resultado é possível, não pode jamais ser usada como motivo para que se coloque em questão o trabalho que vem sendo realizado no Flamengo. Não falo em defesa do trabalho, da comissão técnica ou de qualquer dirigente, principalmente porque não sou maluco de aprovar incondicionalmente um trabalho cujos detalhes extra-campo desconheço. O que não me impede de não gostar de muitas coisas que vejo em campo.

Falo que não se deve questionar o trabalho porque ainda não é a hora. Esse time já foi montado enquanto o campeonato rolava, mudou o técnico, teve jogos adiados, sofreu o diabo na zona maldita e como outros 14 times em 20, ainda não se garantiu na Primeira Divisão de 2008. Será que vale a pena insistir em trocar o pneu do carro enquanto ele está andando e começar a fazer o Flamengo 2007 em Debate ainda na primeira quinzena de outubro? Meus senhores e minhas senhoras, é evidente que não. Críticas ao Joel, ao elenco, aos cartolas, ao preço do ingresso e até `a temperatura da cerveja no Maraca existem aos milhões, são em sua maioria legítimas e merecem ser ouvidas. Mas, por enquanto, vamos anotá-las e guarda-las para depois que o Mengão fizer o dever de casa, fizer as provas e garantir que vai passar de ano.

Todo mundo que se mete no mundo do futebol tá careca de saber que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Ninguém vai ficar magoado de ouvir umas verdades, mas no nosso elenco, sabidamente capenga, um ou outro menos experiente ou mais superestimado pode se desestabilizar. E, independente de quem seja o nervosinho, essa não é a hora pra qualquer tipo de faniquito. Seja por salário, contusão ou barração. Nem no elenco, nem na torcida.

A torcida tem que segurar a sua onda por mais algumas semanas. Já carregou o Flamengo nas costas por 30 rodadas e agüentar as 8 restantes não vai ser tanto sacrifício assim. Quem acredita em Libertadores que continue com suas velas e macumbas, mal não há de causar. Quem acha que não passa de Sul Americana, beleza, continue apoiando, de preferência no Maraca. E quem só tá a fim de reclamar porque acha maneiro, que continue fazendo o serviço que a arco-íris não tem competência pra fazer sozinha: tumultuar o ambiente do Mengão na pior hora possível.

Mengão Sempre

Flamengo Net

Comentários