Futebol e profissionalização no Brasil
Recomendo a todos a leitura da entrevista do dirigente do Atlético-PR que está indicada no post do Juan, aí embaixo. É um retrato acabado das promessas e dos dilemas trazidos pelos ventos da profissionalização no futebol. Ali está uma boa receita de como construir um patrimônio sólido, pensar em longo prazo e organizar administrativamente um clube de futebol. Está anos luz à frente da mentalidade de nossos dirigentes. Mas vi também alguns problemas que me incomodam em toda essa discussão. Explico-me.
A idéia principal da profissionalização é a de que o clube é um produto comercial com grande potencial de lucro, e como tal deve ser pensado. Nesse sentido, são criados projetos que visam agregar valor, racionalizar a administração e equilibrar as finanças, ou seja, tudo que possa explorar a marca e transformar o futebol num ativo rentável como qualquer outro. Nessa lógica, todos sairiam ganhando: consumidores, administradores, patrocinadores, etc. Onde está o problema?
No meu ponto de vista, está na concepção filosófica disso tudo. Um clube não é apenas um ativo, assim como uma sociedade não se resume a um mercado, embora este seja dimensão importante daquela. Futebol é expressão cultural, atividade que transcende o esportivo e se constitui numa fonte de comunicação e tradição. Por sua vez, clubes são vistos pelos seus torcedores como símbolos, imagens que traduzem sentimentos e histórias, além de proporcionarem uma identidade aos seus seguidores.
A lógica mercantil é uma entre outras lógicas que regem a relação dos povos com o esporte. Se for tomada como única e primordial, corre-se o risco de vermos dirigentes defenderem propostas aberrantes, como na citada entrevista : ingressos mais baratos custando 20 reais, imposição de formas de comportamento dito civilizado aos torcedores (não pode ficar em pé, não pode fazer bagunça, etc), etc. Na lógica do dirigente, tudo se justifica porque o que importa é valorizar o ativo, ou seja, o clube. Se a viabilidade comercial implicar uma elitização do esporte, que assim seja!
Enfim, ser chato às vezes é uma necessidade. Nada contra uma organização mais racional dos clubes, das competições e de calendários. Isso é crucial para a sobrevivência do nosso Flamengo. Mas tudo contra se tomar a profissionalização como sinônimo de uma mercantilização desenfreada, como se a lógica do lucro e da eficiência tivesse autoridade total para passar por cima das formas tradicionais que construímos para viver e sonhar o futebol no Brasil.
quarta-feira, 16 de março de 2005
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