terça-feira, 24 de julho de 2012
Alfarrábios do Melo
Até
que não desgosto de shopping.
Mas
tem que ser cedo. Precisando resolver algumas pendências domésticas,
rumo para o centro de compras no acender das luzes, a vaguinha do
carro já certa, nada de confusão, buzina, civilização.
Primeira
parada, um café. Contemplo o leviatã ainda dormente, um
desconcertante e relaxante silêncio recende à melancolia. Paz. As
lojas vão despertando aos poucos, bocejantes. O salgadinho dormido
suscita meu primeiro muxoxo. Mas estou calmo. Que se inicie a
jornada.
Estaco
diante de uma banca, rápida vista de olhos nas notícias do dia,
cada vez mais estéreis nesses tempos digitais. Lembro-me do bebê
que ficou em casa. A seção de gibis grita cores feéricas,
personagens estão lá, sorrindo em suas capas. Minha infância se
mistura na visão e na lembrança do Pato Donald ao lado da Mônica,
ao lado do Recruta Zero, ao lado do Pateta. Ao lado do Cascão.
Preciso
comprar uma camisa, vou dedilhando as lojas, meio disperso. Cartazes
em escândalo anunciam falsas promoções, desde o “TÁ BARATO”
até o “OFF”, a depender do tamanho da carteira do alvo. Artigos
que custam 50 passam a valer de 100 por 60, indago onde está a
pechincha. Vendedoras ociosas treinam seus sorrisos de plástico
enquanto atualizam seus Faces. Enfim, encontro algo útil e a um
preço humano. Provo o tamanho, pago e me vou.
Deixo-me
ir um pouco, gasto o tempo, toco a bola. A inusitada calma urbana
possui um certo encanto, não deixa de ser um refúgio onde se pode
deixar de lado aporrinhações com a rotina cotidiana e com o futebol
do Renato. Lentamente o shopping vai enchendo, mas ainda não
incomoda. Apenas murmura um suave ruído de gente. Passo na lojinha,
compro um chocalhinho, incrível como bebê gosta desses mimos. Anda
fofa, a minha filha.
Supermercado,
a parte mais enfadonha, ao menos é algo rápido, apenas itens
essenciais, fraldas, leite em pó, cerveja. Um primata tenta furar a
fila do caixa, logo à minha frente. Não muito gentil, convenço-o a
se dirigir ao final da espera. Ainda consigo me surpreender com o
cinismo de certos sujeitos. Recordo-me daquela menina, a Patrícia.
Onze
horas, a aventura vai chegando ao final. Antecipo o almoço, quero
garantir uma refeição tranquila e sem filas. Vou percorrendo sem
pressa a vasta praça de alimentos, ainda indeciso se vai ser carne
ou peixe, massa ou frango, diego ou riquelme. Enquanto vou deixando
meu instinto se decidir, ouço ao longe algo que parece familiar, que
vai ficando mais audível à medida que me desloco. Sim, é isso
mesmo. Um menino, seus seis ou sete anos, está sentado sozinho numa
mesa, o pai está no balcão. O garoto balbucia contente, imerso em
seu mundo inocente.
É
o hino flamengo, doce e suave melodia que se vai formando precoce na
desajeitada voz do garoto, um menino feliz com sua alegria de ser
rubro-negro. Não resisto e o encaro com um sorriso, ele me devolve,
cúmplice, parece reconhecer-me um dos seus. E não para de cantar,
de entoar orgulhoso a sua primeira paixão.
“Uma
vez famengo, xempe famengo...”
Afasto-me,
ensolarado e sempre encantado com a intangível mágica de ser
Flamengo. O Flamengo brota, irrompe natural, uma força com vida
própria, uma expressão que tentam sufocar, amordaçar, agrilhoar.
Impõem-se paixões artificiais na tevê, inventam-se rivais
postiços, cospe-se em seu nome, escala-se o Negueba. Mas o Flamengo,
mesmo esfolado, vergado, aparentemente liquidado, sempre irrompe
ainda mais forte, nutrindo-se de cada injúria, cada agravo e
reafirmando-se um gigante descomunal, temido e invejado.
Um
gigante que se exprime, robusto e divino, no doce e sorridente olhar
de um menino em uma manhã qualquer de sábado.
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