terça-feira, 3 de abril de 2012

Alfarrábios do Melo


1996. O Flamengo vai derrotando o Botafogo (2-1) em um jogo-chave da Taça Rio. O rubro-negro, que já conquistou a Taça Guanabara, vai abrindo, com a vitória, uma vantagem importante sobre um rival direto, praticamente o eliminando da competição. Por conta disso, o alvinegro pressiona muito, e Joel Santana põe o time atrás, para manter o placar. Até que, aos 47', o Flamengo consegue um contragolpe fulminante. A bola é lançada para Romário, que recebe livre, sozinho, solto e isolado. O Baixinho, o grande nome daquela tarde (marcou os dois gols flamengos) arranca e somente tem diante de si o goleiro Wagner. Romário, em fração de segundos, ausculta sua presa, contrai o corpo e prepara o bote. Wagner, entre resignado e consternado, espera o momento do salto protocolar. Mas algo se passa antes da estocada derradeira. Romário muda de ideia e decide conferir certo requinte ao lance. Meneia o corpo e dá um toque macio e aveludado, buscando encobrir Wagner. Mas o toque sai fraco, débil, tíbio, e o incrédulo goleiro apenas estica os braços para receber o insólito mimo. Na sequência da jogada, a defesa flamenga falha e o Botafogo consegue o empate, no último momento da partida. Fecham-se as cortinas.

Essa partida talvez tenha sido a mais emblemática de toda a passagem de Romário pelo Flamengo. Um jogo em que o Baixinho brilhou, esmerilhou, comeu a bola, mas no momento da glória final, do ápice, do clímax, algo faltou ao goleador e tudo escorreu pelos dedos. Talvez, por conta disso, a passagem de Romário tenha sido tão contestada, apesar da pilha de gols (alguns deles antológicos) que o jogador tenha erigido no período 1995-99.

Em 1995, o Flamengo vivia um momento complicadíssimo, um cenário de terra arrasada deixada pela inepta gestão de Luiz Velloso, que conseguiu, em cerca de um ano e meio, destruir o momento presente (o time pentacampeão brasileiro) e o futuro (liquidando, em 18x sem juros no carnê, boa parte da geração Copa SP). Havia recebido um campeão brasileiro e entregue um time na rabeira do Brasileiro. A auto-estima rubro-negra havia descido ao nível mais baixo desde o fim dos anos 60. Uma onda de derrotismo e pessimismo havia invadido a Gávea, o que propiciou a ascensão do ex-radialista Kléber Leite. A vinda de Romário trouxe orgulho e esperança a uma Nação sedenta por novos ídolos, novos craques. Mas cobrou seu preço.

Romário jamais se notabilizou por seu profissionalismo. Sempre às voltas com rusgas com treinadores, regalias em treinamentos, escapadas noturnas e estranhas lesões, era o mais contumaz representante da filosofia “enquanto a bola estiver entrando, posso tudo”. E o Baixinho sempre dava um jeito de fazer a bola entrar. Diante de uma gestão carente e disposta a lhe erguer um planeta sob os pés, Romário mandou e desmandou como poucos, a ponto de imprimir e entranhar uma mentalidade permissiva que esgarçou a tradicional liberalidade flamenga a níveis que beiraram o insuportável e o insustentável. Derrubou (ou ajudou a derrubar) dois treinadores, Luxemburgo e Autuori, arrumou confusão com jogadores (Sávio, Rodrigo Fabbri), estourou madrugadas (segundo rumores, teria virado a noite na véspera do Fla-Flu decisivo de 95), trouxe seus amigos (Edmundo, Lyra, Joel) e principalmente rendeu quando lhe foi conveniente, como em 1996 (cosmou que queria jogar as Olimpíadas) e no final de 1998/início de 99 (irritado com o corte para a Copa do Mundo). Com isso, sua trajetória acabou marcada por uma fieira de gols e pobreza de títulos.

Após ser enxotado do clube em 1999, por conta do rumoroso incidente de Caxias, Romário deixou um nefasto e perverso legado, do qual o Flamengo não se livrou completamente, mesmo após quase duas décadas. O clube segue cultuando um excesso de “alegria”, traduzida em uma permissividade e uma falta de controle inaceitáveis em um tempo onde o futebol anda cada vez mais profissional e o dinheiro começa a escorrer lauto, farto, puro business. No entanto, as referências tem sido nomes como Edilson, Felipe, Petkovic, Adriano, que vicejam no rastro de gestões “coparticipativas”, onde a voz de comando é rouca, tépida, pálida e risível.

E agora, temos o Ronaldinho.

Que já derrubou treinador, arrumou problema com jogador (Alex Silva), estoura madrugadas, joga quando quer...

Boa semana a todos.

Flamengo Net

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