terça-feira, 11 de outubro de 2011

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos. Depois de mais uma vitória contra os guerreiros de boutique, com direito a um hilariante faniquito no final do jogo, o Flamengo volta à briga pelo título. Mas, para se manter vivo na briga pelo hepta, terá que saber acumular pontos contra os adversários menos cotados. Não dá mais para tropeçar contra franco-atiradores e times menores.
Essa semana, deixo a última parte da série de histórias sobre um dos nossos maiores ídolos, o Dida. Aqui, conto um pouco do que foi o jogo final do Rio-São Paulo de 1961, conquista que recentemente completou 50 anos. Boa leitura.

Ressurgido. E Campeão.

1961. Embasbacada e atônita pela impressionante e fulminante demonstração de força do Flamengo, a crônica finalmente parece se render e apontar o rubro-negro como o principal candidato ao título do Rio-São Paulo. Com efeito, após moer o Palmeiras (3-1) e, principalmente, triturar o super-Santos em pleno Pacaembu (5-1), o Flamengo assume a liderança do torneio. A situação parece surreal, quando se leva em conta que o Flamengo chegou a essa fase final na bacia das almas, segurando a duríssimas penas a terceira vaguinha do seu grupo, às custas de várias exibições medíocres e derrotas contundentes. Mas, crescendo na hora certa, o time agora está a uma vitória do título, partida contra o Corinthians, no Maracanã.

Ironicamente, o Corinthians vive momento exatamente oposto ao do Flamengo. Realizou uma primeira fase fulgurante, onde foi a única equipe a derrotar o Santos de Pelé (2-0). Com várias vitórias expressivas (3-0 Fluminense, 4-2 Botafogo e mesmo 3-0 no Flamengo), o time entrou na Fase Final como um dos principais candidatos ao título. A equipe, dirigida por Alfredo Ramos (ex-Copa 1954), não possui grandes expoentes, mas é coesa e certinha. Seus destaques são o goleiro Cabeção (terceiro goleiro da Seleção), o tosco zagueiro Ari Clemente, o habilidoso médio Oreco e o perigoso atacante Zague. Mas, na fase final, o time sente o cansaço dos jogos e é derrotado, em pleno Pacaembu, por Botafogo (0-1) e Vasco (0-2), sendo afastado da luta pelo título. Entrará no Maracanã como franco-atirador.

O Flamengo, por outro lado, apresenta sérias dificuldades para conter a euforia. O chocolate do Pacaembu ainda repercute, e alguns jogadores sofrem com o pesado assédio de uma torcida que volta a se encantar com seu time após vários anos insossos. Mas Fleitas Solich consegue, a seu modo, manter o elenco blindado e motivado. Só os jogadores sabem como será importante dar a volta por cima e ressurgir, após as críticas, gozações e humilhações da Primeira Fase, especialmente diante das goleadas sofridas. O time, que dispõe de um meio-campo habilidoso (comandado por Carlinhos), um ataque muito forte (Joel, Gerson, Henrique, Dida e Germano), um bom goleiro (Ari) e uma defesa instável (nítido ponto fraco da equipe), finalmente se mostra competitivo e capaz de duelar com os principais adversários do país. E aguarda o momento de sua afirmação definitiva.

Na véspera, o Palmeiras vence o Vasco (1-0) e elimina os vascaínos. Mas o Botafogo derrota o desmotivado Santos (2-1) e segue na briga. O Flamengo precisa da vitória contra os corintianos. Um empate provocará um jogo-extra com os botafoguenses. A derrota manda a taça para General Severiano.

Domingo, Maracanã. O Flamengo vem a campo com a mesma equipe que trucidou o Santos. O Corinthians também vem com o que tem de melhor. Uma atmosfera de expectativa e tensão parece permear o estádio. A Nação Flamenga está lá, canta e faz festa, mas tem medo da repetição de vexames recentes. Confia nos garotos de Don Fleitas, mas ainda anda ressabiada.

E o time parece sentir a apreensão da torcida. Começa nervoso, errando passes. O Corinthians marca pressão, está à vontade no seu papel de intruso. Em uma boa trama na intermediária, Oreco manda a bomba de longe, a bola explode na trave de Ari. Logo depois, Joubert sai jogando errado e perde a bola para Gelson, que entra livrinho na área, mas prefere chutar sem ângulo. Ari fecha bem e faz a defesa. O Corinthians domina a partida e vai se aproveitando do nervosismo flamengo.

Mas um jogador vai fazer a diferença. Nesse momento, o Flamengo não precisa da classe de Carlinhos, do oportunismo de Henrique, da velocidade de Joel, da habilidade de Dida ou dos chutes de Gerson. Agora, o time precisa de alma. Precisa de sangue, algo precisa acontecer. É quando Jadir, o vigoroso e brioso lateral Jadir começa a distribuir bicudas e esporros no meio do campo. A bola vai na ponta-direita do ataque paulista, Jadir manda bola e corintiano pra lateral do campo. A camisa rasga, Jadir está em trapos. Urra, berra, manda o time ir atrás da taça. A Nação, sempre sensível, percebe e sublima-se em uma onda de choque, tornando o Maracanã uma panela, um caldeirão. O estádio vira um inferno. E, agora à vontade, o Flamengo se acalma.

As chances de gol começam a surgir, Cabeção vai se destacando. Dida arranca, faz uma jogada espetacular, encobre o goleiro, vai marcar um gol de placa. Mas a bola, caprichosa e volúvel, roça no travessão e retorna lânguida às mãos de Cabeção. O primeiro tempo termina, 0-0.

Mas agora ninguém mais duvida do título.

Fleitas Solich é bem claro na orientação ao time. Quer pressão máxima no campo adversário, quer o Flamengo açoitando o gol corintiano. O time entende o recado e sufoca a saída de bola paulista. Dida, que junto com Joel é a grande referência flamenga nesse domingo, arranca e chuta forte. Cabeção faz defesa espetacular, e na sobra Ari Clemente afasta antes que Henrique confira. Estrangulado, o Corinthians agoniza e parece aguardar o bote final.

Escanteio. Germano bate alto, a bola percorre toda a área, vai na direita. O cruzamento é preciso, Joel fecha e cabeceia forte, no canto. O Flamengo faz 1-0 aos 7', e já acaricia o título. O Maracanã explode, mesmo alguns corintianos se assombram com a festa da Nação flamenga.

O gol acalma a equipe. Mas acalma demais. Cansado pela asfixiante pressão, o Flamengo recua e chama o Corinthians para seu campo. Os paulistas aceitam o convite e começam a ameaçar. Zague faz grande jogada pela direita e manda um petardo, no ângulo. Ari voa e faz uma defesa espetacular, levando a Nação à loucura.

Mas o Corinthians segue rondando a área flamenga. Don Fleitas está enlouquecido, manda o time avançar. Quer definir logo o jogo. Novamente Ari aparece em uma boa defesa após jogada de Oreco. O estádio, hirto, sofre, ninguém pisca. Carlinhos é um monstro na marcação e vai distribuindo bolas à vontade. Jadir e Joubert vão colecionando hematomas em seus corpos e principalmente nos adversários. Gérson reclama, dá esporro até nele mesmo. Dida e Henrique, isolados, correm alucinadamente querendo jogo. E Joel vai enlouquecendo o lateral Sídnei com seus dribles e arrancadas. O tempo vai passando e o ímpeto corintiano vai arrefecendo. O estádio começa a crescer, a jogar junto. Parece perceber que o êxtase se aproxima.

21'. Bola no ataque corintiano, o desarme, Carlinhos lança na direita. Henrique zanza com a bola, vai à ponta, cruza rasteiro. Dida, sempre Dida, o artilheiro Dida, está lá, livre e desmarcado, pronto para fazer história mais uma vez. E, sutilmente, faz seu trabalho e apenas sussurra à bola, que suavemente vai repousar no canto direito, aninhando-se gentil às redes do Maraca. Flamengo 2-0. A vitória está consumada.

A partir daí, é só festa. O Flamengo toca a bola, ainda resiste a uma pressão suicida dos corintianos, mas agora o rubro-negro só pensa em prender o jogo e esperar o tempo passar. Os jogadores ouvem e recebem, emocionados, os cantos e coros de uma torcida apaixonada, que enfim sente seu time campeão em casa, ali diante de seus olhos. Um título bem ao gosto flamengo, um time que perdeu quando podia e venceu no momento em que a taça estava realmente em jogo. Trila o apito, Flamengo 2-0 Corinthians. O Flamengo é o Campeão do Rio-SP.

Termina o jogo, volta olímpica, mais um troféu para o vasto acervo flamengo. Experiente e tranquilo, um jogador está feliz. Após a rápida ascensão em 1955, a profunda frustração de 1958, as conquistas internacionais ao longo da década de 50 e toda uma trajetória de gols e glórias, Dida parece viver seu auge. Coroa, em grande estilo, uma carreira construída com seu talento invulgar, sempre se destacando ao lado dos mais diversos jogadores, alguns dos melhores da nossa história. Mas, sempre humilde, sorri e agradece. Sabe que o melhor não são os títulos, não são as conquistas, não são os elogios.

Dida é ídolo. É ídolo do Flamengo. E isso nada é capaz de pagar.

Youtube – FLAMENGO 2-0 CORINTHIANS

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