quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Liberta de 1981: ah, sim, ganhamos com dois gols do Zico

*Por Gustavo de Almeida

O sr. Leonardo Ribeiro disse hoje uma frase que jamais esquecerei, em entrevista ao site GloboEsporte.com: “O Flamengo tem que se libertar desta geração 81”. Presidente do Conselho Fiscal do clube, travando uma eterna guerra de bastidores contra Zico, Ribeiro resolveu apelar para a iconoclastia que caracteriza uma nova tendência de chatice, capitaneada pelos Danilos Gentilis e Rafinhas Bastos da vida: a da “bandeira anti-politicamente correto”. São pessoas que, como sabemos, em nome de uma suposta liberdade de expressão, desatam a falar sandices, com referências a Auschwitz, ao Holocausto, exercendo um sentimento libertário que mais se assemelha ao chafurdar do porco em qualquer parte do pasto do que ao vôo da águia pelas pradarias.

No afã desta iconoclastia – que nos dá saudades de verdadeiros iconoclastas, como H.L.Mencken, Paulo Francis e José Guilherme Merquior – o sr. Ribeiro resolveu “alfinetar” Zico e Júnior.

Diria Arthur Muhlemberg, uma das referências da Filosofia Rubro-Negra, que estou “acendendo vela de primeira para defunto de terceira”. Na verdade, queria sair em defesa daquilo que é uma das coisas mais preciosas da vida: a memória.

O que o sr. Ribeiro chama de “Geração de 1981”, com certa desfaçatez, meio que diminuindo, é simplesmente o alicerce do rubro-negrismo de hoje. É o que foi Dida e Evaristo para meu pai, Leônidas da Silva para meu avô. E o que talvez seja Petkovic para nossos filhos. Não estou me referindo a títulos, não me refiro nem mesmo a gols ou a dribles bonitos. Isto sempre tivemos.

Eu me refiro apenas ao sangue. Ao sangue derramado por Rondinelli nos campos inimigos do Mineirão, diante dos chutes covardes dos atleticanos. Ao sangue que corria nas veias de Zico e Junior, ao sangue que escorria dos olhos de Nunes enlouquecido após o gol em 1980, ao sangue que Adílio verteu de cortes no supercílio dados pelo covarde Mário Soto em Santiago do Chile. Ao sangue que corria nas veias de Leandro, de Marinho, Mozer e Lico, ao sangue que verteu do nariz de Lico nos jogos disputados na altitude, ao sangue que Tita derramou quando Chicão entrou de sola no joelho ainda naquela final de 1980.

E ao sangue, sim, de todos nós, que venoso é negro e arterial, vermelho, aquilo que mais Flamengo poderia ser. Nós somos todos um sangue só, eternamente derramado nos campos de batalha.

Diz o sr. Ribeiro que “o Flamengo precisava se libertar da geração 81 e ganhar outra Libertadores, outro mundial”. Quero só ressaltar: não vivo de passado: a vida é que é uma coleção de memórias, sempre. E vocês são uma das melhores memórias que tenho na vida, ao lado da do Natal de 1983 e do dia em que conheci minha mulher.

Bobagem: ganhar outra Libertadores não fará o Flamengo maior. A Lei da Física impede isto: não há como ser maior do que o Flamengo – nem mesmo o próprio Flamengo. Já disse e repito que, mesmo que o Flamengo não tivesse um título sequer, sua camisa ainda seria gigantesca, monumental, sua memória seria vasta e colossal como a de guerras romanas, sua sombra se estenderia por sobre a terra como um apocalipse feito de felicidade.

Que o sr. Ribeiro, autoridade do clube, presidente do Conselho Fiscal, me perdoe, mas quero dizer que jamais vou me libertar da geração de 1981. Porque seria como deixar de ser Flamengo. A geração de 1981 é o que me prende, tal e qual uma corda pela eternidade, aos dias, meses e anos inesquecíveis que vivi com meu pai, de 1979 a 1983, conquistando tudo, festejando todos os meses, aprendendo a ser Flamengo, até que o velho se despedisse da vida em 1984 (ano em que coincidentemente o Flamengo não ganhou nada, mas quem se importa?). A geração de 1981 me ensinou a ter raiva do vexame, a não ver nada melhor no mundo do que o Flamengo campeão, a entender que não podemos ganhar todas – mas que jamais podemos deixar de exercer esta bênção que é ser Flamengo.

Peço desculpas ao Zico, ao Júnior, ao Raul, ao Leandro, a todos os que foram citados. Não tenho procuração para falar em nome de nenhum rubro-negro, a não ser talvez daquele que se foi e que está lá ao lado de Dida e Geraldo Assoviador. Se tivesse, eu diria à geração de 1981: nunca me libertarei de vocês, pois foram vocês que me ensinaram a liberdade.

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