terça-feira, 21 de junho de 2011

Alfarrábios do Melo


Saudações flamengas a todos. Quinta rodada do Brasileiro, e o Flamengo segue insistindo em brindar sua Nação com um futebolzinho “tá ruim, mas tá bom...”. A questão é que a paciência do torcedor está esgotando, o Ronaldinho perdendo o encanto e o processo de desgaste do “pofexô” Luxemburgo começa a ganhar contornos expressivos. Isso em meio a uma diretoria que não contrata, não define metas, não consegue patrocínio e vai tocando o futebol à custa de adiantamentos e endividamentos.

Enfim, sábado tem Atlético-MG. E, aproveitando que estamos em um ano rico em efemérides (10 anos do tetratri, 50 anos do Rio-SP), quero lembrar uma passagem da Libertadores-81, que completa 30 anos. E aproveitar para contar um pouco do que aconteceu no célebre 21 de agosto, mais um incidente em que se criou um mito.

A Decisão Que Não Houve


1981. Está encerrada a Primeira Fase da Taça Libertadores. No entanto, ainda resta uma vaga, pois o Grupo 3, após uma disputa muito equilibrada, ainda vai ser decidido com uma partida desempate entre os brasileiros Flamengo e Atlético-MG.

As feridas da polêmica final de 1980 ainda estão longe de ser fechadas. Os atleticanos consideram-se eternamente “roubados”, o Flamengo não perdoa a selvageria do primeiro jogo daquela decisão. Além disso, a disputa pela vaga transcende as quatro linhas. Torna-se notória a “ajuda” oferecida pelos mineiros ao Olimpia, para fazer os paraguaios suarem sangue no empate em 0-0 com o Flamengo em Assunção, que definiu a necessidade do jogo-extra. Os mineiros querem a todo custo levar o duelo para São Paulo, “lá o Flamengo vai ter torcida contra”, é seu pobre argumento principal. No entanto, a sede mais indicada é Goiânia, o gramado do Serra Dourada é o melhor da América do Sul, a região é central, o estádio recebeu várias melhorias para acomodar jogos da Seleção Brasileira, estando apto, portanto, a receber jogos internacionais. Além disso, o público goiano é fanático e participativo, proporcionando várias arrecadações interessantes. O argumento financeiro mostra-se mais robusto e a partida é, enfim, marcada para Goiânia.

Gramado impecavelmente decorado, 75 mil, tudo parece indicar que a belíssima noite de sexta-feira irá presenciar um espetáculo inesquecível. De fato, o que irá acontecer em campo será eternamente lembrado, mas por outros motivos...

O Flamengo segue sem Andrade, ainda contundido. Raul, às voltas com uma tensa renovação contratual e com um forte torcicolo, chega a ser dúvida, mas vai a campo. Leandro irá atuar como volante, entrando Carlos Alberto na lateral. Já no Atlético, o zagueiro Luisinho está fora, suspenso. Toninho Cerezo, sem contrato, também seria um desfalque, mas a diretoria consegue uma liminar na justiça forçando o meia a atuar, o que irrita bastante o jogador. Aliás, algumas informações dão conta que o ambiente interno no Atlético não é dos melhores. Mas isso pouco importa, pois enfrentar o Flamengo já lhes serve de motivação.

O Flamengo possui ligeira vantagem, pelo melhor saldo de gols. Joga por um empate nos 90 minutos e na prorrogação. No apito está José Roberto Wright, tido como o melhor árbitro da atualidade, escolhido de comum acordo entre as diretorias. Wright dirigiu a nervosa estréia de ambos na Libertadores, no Mineirão, conseguindo um bom desempenho (ao menos não houve expulsão).

Desde o início da partida, as propostas de jogo são claras, bem delineadas: o Flamengo, mais cauteloso, compacta o meio, com Tita e Adílio mais recuados, ajudando Leandro na marcação dos perigosos Palhinha e Éder e sufocando Cerezo, o principal armador adversário. Os mineiros tentarão pressionar a saída de bola flamenga e explorar os ponteiros Vaguinho e Éder.

No entanto, essas táticas logo tornam a partida bastante truncada, o que é agravado pelo latente nervosismo dos jogadores. O Flamengo consegue anular Cerezo, que está apagado. Palhinha inverte posição com Reinaldo, que vai buscar jogo no meio. Mas o jogo mineiro não flui, o jeito é apelar para chutões, a tal “ligação direta”, que é bem neutralizada pela zaga flamenga. Leandro, em noite exuberante, não perde uma bola. Mas o Flamengo também tem problemas. O recuo de Tita e Adílio tira a força ofensiva, Nunes também volta para buscar jogo, e Zico e Baroninho acabam isolados, sacrificando-se no combate à saída de bola adversária. Há poucas chances de gol. O jogo não é estudado, é muito corrido, mas há poucas perspectivas de que o 0-0 seja alterado. O ferrolho de Carpegiani vai funcionando. Com isso, os jogadores mineiros vão se tornando mais nervosos. Perigosamente tensos.

Não é um jogo fácil para o árbitro. No histórico recente, sempre vai alguém expulso, invariavelmente atleticano, normalmente o truculento Chicão. Já aos 3' começam os problemas, Reinaldo reclama de uma marcação de toque, Cerezo puxa a camisa de Leandro. Amarelo. Logo depois, falta para os mineiros, Nunes catimba, leva um esporro meio exagerado de Wright, que também começa a mostrar certo nervosismo. Um preocupante nervosismo.

Mas, mesmo com toda a atmosfera tensa, Wright vai administrando a partida, picota as faltas, ajuda a truncar ainda mais o jogo. É necessário. Mas os mineiros não dão a menor mostra de colaboração. Palhinha a toda hora grita, gesticula, presepa, até que consegue seu cartão amarelo, após dar um tapa em Tita e, na sequência, acertar um pontapé em Leandro. Pouco depois, bola alçada na área flamenga, Mozer se antecipa a Reinaldo, mas a bola resvala no braço de Figueiredo, que está de costas. Mesmo assim, Reinaldo se desespera, pede pênalti, joga a bola pro alto, estrela um show. A seguir, Vaguinho dá um coice em Júnior. Amarelo. A paciência de Wright vai se esgotando e, aos berros, o árbitro avisa que na próxima vai um expulso.

O Flamengo não chega a controlar o equilibrado jogo, mas vai mantendo as ações concentradas no meio. E começa a viver um momento melhor, já cria chances com mais frequência, João Leite é acionado. Isso vai irritando ainda mais os mineiros, Leandro aplica drible desconcertante em Éder, que o agarra com violência. Mais um amarelo. Mozer também é advertido, ao derrubar Vaguinho na ponta. Nesse momento, o ambiente já é hostil. Palhinha encosta em Wright e fala um monte. Reinaldo passa, mais gracinhas. O ar se torna irrespirável, a ignição é iminente. Até que Zico pede a bola...

Zico, até então sem espaço e dedicando-se a atrair marcação, resolve voltar para buscar jogo. Recebe de Júnior e vai conduzindo, mas Reinaldo corre para dar combate, tira os dois pés do chão e acerta uma voadora no Galinho, que ainda tenta seguir (está em posição perigosa), mas vai ao chão. Wright, sem pestanejar, expulsa o mineiro. “Eu avisei”. Vai começar o inferno.

Em uma cena burlesca, os atleticanos abordam Wright em fila, e distribuem xingamentos e empurrões em série, devidamente retribuídos pelo árbitro, já exaltado. Mas o jogo segue. O Flamengo tenta atacar, perde a bola, contragolpe mineiro em velocidade, falta. Éder tenta cobrar com pressa e a bola rolando, Wright para o lance, arruma o lugar, o mineiro dá um esbarrão no árbitro, rua. É o estopim. Ali, acaba a partida.

O que se segue é digno de pastelão. Os dirigentes atleticanos entram no gramado e tiram os jogadores de campo. Jogadores como Chicão e Palhinha forçam a todo custo suas expulsões, metem o dedo na cara do árbitro, destilam sua bile, ofendem, achacam, e finalmente conseguem seu intento. A essa altura, o Atlético-MG só conta com sete jogadores. Mas os mineiros já decidiram melar o jogo, apenas precisam resolver a forma. Reúnem-se numa constrangedora conferência na beira do campo, alguns dão entrevistas exaltadas, um desorientado fala em necessidade de intervenção militar na CBF tipo 1964, entre outras aleivosias. O Flamengo, do outro lado, bate bola e brinca de bobinho. Enfim, após uma eternidade, resolvem, “pela honra do esporte”, voltar para o jogo. Logo se perceberá a cascata. A contragosto, Wright, que já está de saco cheio, resolve continuar a pantomima.

O circo vai seguindo. O Atlético-MG queima suas duas alterações (máximo permitido) e manda os reservas para o vestiário. Dirigentes ainda alegam que Wright os expulsara, outra conversa mole. Se algum mineiro se machucar, acaba o jogo. Não dá outra. Trila o apito, Cerezo recua a bola para João Leite, que dá um chutão pro lado e desaba, mão na coxa. Wright, que já percebera a intenção mineira, manda o jogo seguir, mesmo com o goleiro no chão. Agora é Fernando Roberto, que acabara de entrar, que cai ao solo. Os mineiros se recusam a seguir, Wright percebe que a ópera-bufa não vai render mais, expulsa mais um atleticano e acaba com a palhaçada. A atmosfera é de perplexidade.

Há mais. Alguns jogadores mineiros confraternizam com os flamengos, trocam camisas. Os dirigentes, enfurecidos, tiram-nos de campo. Como ato final, todos os jogadores atleticanos fazem uma corrente, vão ao centro de campo, saúdam os espectadores e se retiram sob uma sonora e caudalosa vaia. É o fim da canastrice.

Após o triste episódio, o Flamengo é obviamente declarado vencedor. Os mineiros recorrem, chiam, esperneiam, destilam aquela velha conversa de complô, Globo etc, mas a própria diretoria do clube já tira suas conclusões, e começa a desmontar o time. Negocia os encrenqueiros Palhinha e Chicão para o Santos, em nome de uma nova mentalidade, mais vencedora e competitiva. Ironicamente, o “novo” Atlético-MG será eliminado no Brasileiro-82 pelo Flamengo, e o Santos de Palhinha e Chicão cairá diante do... Flamengo.

Essa é a história do “escândalo”, da “roubalheira”, do “jogo negociado pela mídia” e outras tantas bobagens. Como 1987, como o pretenso “suborno do lateral botafoguense” de 1992, do “goleiro comprado” do Liverpool, são lendas urbanas que insistem em ser alimentadas por uma mal resolvida capacidade de se ombrear ao rival maior.

Mal sabem que, quanto mais se espalham os mitos, maior o Flamengo se torna.

Vídeos:
FLAMENGO 0-0 ATLÉTICO-MG na íntegra;
A Falta de Reinaldo em Zico;
FLAMENGO 0-0 ATLÉTICO-MG melhores momentos;

Flamengo Net

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