sexta-feira, 4 de março de 2011

Três emoções (breves histórias da camisa mais linda do mundo)

O primeiro Manto eu ganhei quando nasci. Era o dia 7 de abril de 1973. Enquanto o Flamengo se preparava para enfrentar a Portuguesa no Maracanã, com um certo Zico entre os reservas, bem longe do Rio eu nascia cedo demais, direto do ventre de minha mãe para a ala de prematuros. Meu pai, valendo-se de sua credencial de médico pediatra, levou consigo uma camisa vermelha e preta e com ela cobriu a incubadora onde eu estava, como se dissesse: “Meu filho, eu te abençôo, em nome de Moderato, Valido e Dida. Amém.”

Mais tarde, enquanto a notícia da minha chegada se espalhava, ele ouvia a vitória pelo rádio. Há de ter sido um dia feliz para meu pai. Eu nasci para ser Flamengo como ele, e vencemos.

Do Manto que ficou sob a incubadora em diante, sempre estive cercado de vermelho e preto. Não tenho memória, em qualquer nível, anterior à camisa do Flamengo. Ela me envolveu quando eu nasci, esteve pendurada na porta do quarto da maternidade, já estava no berço quando cheguei em casa.

As fotos do álbum de infância comprovam. Sempre estive vestido de Flamengo. E conto três histórias que me emocionaram.

Primeira. Aos oito anos, eu já havia ganhado várias camisas do Flamengo. Mas era um tempo em que não se encontravam camisas oficiais longe do Rio, e não havia essa preocupação com royalties. Tive camisas rubro-negras feitas pela Hering, pela Penalty e pela Topper, enquanto o Flamengo já jogava de Adidas. Eram as camisas de torcedor. Mas um dia meu pai chegou em casa com um embrulho da loja Caça e Pesca, que também vendia material esportivo. Me entregou e disse: “Até que enfim”. Abri o pacote. Era a camisa oficial, que ele encomendava insistentemente. Adidas. Listras grossas. O mítico tecido furadinho, com escudo, logotipo e número em relevo aveludado. Vesti por cima do uniforme da escola e corri para me ver no espelho. Era algo como estar com as roupas e as armas de Jorge. Meus inimigos não me alcançariam. Me senti invencível. E um mês depois, fomos campeões mundiais.

Segunda. Minha primeira vez no Maracanã, dia 24 de fevereiro de 1985. Flamengo e América pelo campeonato brasileiro. Atordoado pela grandeza do estádio e enfeitiçado pela torcida que ainda gritava Mengo-Mengo-Mengo, fiquei com os olhos fixos na boca do túnel. O Flamengo entra em campo liderado por Mozer. Leandro logo atrás, e os outros não consegui identificar em meio à chuva de papel picado. Quando os torcedores à minha frente se sentaram, vi o time espalhado pelo gramado verde, as camisas rubro-negras em formação de jogo, prontas para defender as nossas emoções. Virei para meu pai e perguntei: “Pai, como pode alguém não ser Flamengo?”. E ele, detrás dos bigodes: “O problema é essa camisa. Ela não é pra qualquer um”.

Terceira. Já tenho quase trinta e oito anos. A vida e o mundo mudaram demais. Pensei que fosse morrer quando Zico deixou os gramados, mas o Flamengo foi maior. O Maracanã que eu tanto amei está em ruínas. As fornecedoras de material esportivo macularam a camisa do Flamengo ano após ano. Teve até um modelo chamado de Freddy Krueger. E recebo um e-mail com o título “NOVO MANTO!”. De tanta decepção com as últimas edições, abri com receio. As fotos foram se abrindo lentamente. Surge uma camisa de listras rubro-negras no corpo e nos braços. Depois, a camisa branca de mangas longas, vestida por Adilio. Por um instante, voltei a 13 de dezembro de 1981. Voltei a sentir a vontade de vestir a camisa e correr para me olhar no espelho, para me sentir invencível. E me emocionei, porque sei que agora sou eu que vou comprá-la para presentear meu pai, e mais uma vez ele vai me dizer, orgulhoso: “Essa camisa não é pra qualquer um”.

Tremei, adversários. O Flamengo está outra vez vestido de Flamengo.

Flamengo Net

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