Saudações flamengas a todos. Vai começar a temporada de 2011, um ano que promete ser marcante para o rubro-negro, por conta da vinda do Ronaldinho. Estamos em evidência, somos os mais falados, os mais comentados, mais festejados, mais odiados, enfim, o Flamengo está em seu lugar natural, em plena e total evidência. Hoje quero lembrar um momento em que o Flamengo sabia capitalizar seu prestígio internacional, enchendo a sua Nação de orgulho. Especificamente, relato um amistoso que se tornou célebre no auge da Era Zico. Boa leitura. A Despedida do Capita
1982. O Flamengo acaba de conquistar o pentacampeonato da Taça Guanabara, ao derrotar o Vasco por 1-0, num gol de Adílio aos 44’ do segundo tempo, jogo que se torna célebre pela presepada do árbitro José Roberto Wright, que apita a partida com um microfone embutido. Enquanto o Vasco esperneia e tenta anular a partida e parar o campeonato, o rubro-negro curte o período de UM ANO tendo conquistado TODOS os títulos oficiais que disputa. Agora, o Campeão Mundial, Sul-Americano, Brasileiro, Estadual e da Cidade tem viagem marcada a Nova York, onde irá participar da despedida do craque Carlos Alberto Torres, em amistoso contra o mitológico New York Cosmos, no Giants Stadium. Fruto da febre de futebol que assola os EUA nos anos 70, o Cosmos foi criado para aglutinar craques como Pelé e Beckenbauer. A iniciativa dá certo, a liga americana (NASL) é um estrondoso sucesso e o Cosmos ganha fãs pelo mundo todo. Seus jogadores são tratados como superstars, tendo acesso livre às melhores casas de shows e restaurantes. Seu vestiário é visitado por estrelas como Mick Jagger e Robert Redford ou estadistas como Henry Kissinger (Secretário de Estado norte-americano). É verdade que não há mais Pelé, mas o time segue forte, num elenco com Beckenbauer, Carlos Alberto Torres, Neeskens (remanescente da Laranja Mecânica), o atacante paraguaio Cabañas (não confundir com o homônimo) no esplendor de sua forma, o jovem Romerito (que mais tarde faria sucesso no Fluminense) e o robusto atacante italiano Chinaglia. Um time harmônico, sob a batuta de Júlio Mazzei, que conquista o tetracampeonato da Liga Leste e vence três das últimas quatro edições da NASL. Para a despedida do Capitão, o Cosmos ainda irá contar com o reforço de Sócrates. O jogo é tratado como um evento de gala. Será o encontro do New York Cosmos com o Flamengo, “The World Club Champions”, “The World Soccer Masters”, nas próprias palavras da imprensa local. O rubro-negro não terá Raul, Andrade, Mozer, Leandro e Tita. Em compensação, Carpegiani resolve interromper a aposentadoria e irá prestigiar Torres, atuando com a camisa 6 do Mengão. Linda noite de luar, Giants completamente lotado. Assim que começa a partida, as duas equipes logo abrem seu repertório de belíssimas jogadas e técnica extremamente refinada. O Flamengo, atuando estranhamente de meias inteiramente vermelhas (talvez pela única vez em sua história) e de tênis, rapidamente se adapta ao gramado sintético e faz a bola rolar, transformando o templo americano em seu campo de pelada. Em um dado momento, o time faz a bola rolar macia, só de primeira, dócil, por quase uma eternidade, colocando o Cosmos e o público na roda. Aplausos calorosos, efusivos. Mas o Cosmos não é um botafogo da vida. O trio formado por Sócrates, Beckenbauer e Chinaglia inferniza a defesa flamenga, obrigando Cantarele a várias defesas difíceis. As duas equipes, de índole extremamente ofensiva, vão dando a sensação de que o gol sairá a qualquer momento. E cabe a Zico, o melhor jogador do mundo em atividade, abrir os trabalhos. Carpegiani vem com a bola na intermediária e deixa pro Galinho, que resolve arriscar de longe. A bola ganha efeito e vai no cantinho, ainda beija a trave antes de entrar. Flamengo 1-0. Com o gol, as equipes se soltam de vez, e a busca pelo gol se torna quase lírica. Mas, ao contrário do escore, o que encanta e cativa os espectadores de todo o mundo é a beleza e o refinamento do futebol apresentado. De um lado, Beckenbauer distribui passes cirúrgicos, aristocráticos, acaricia a bola e lhe dá o mundo, mas sempre senhor, incólume, altivo. Do outro Zico, dono de uma objetividade mortal e cortante, dotado de uma desconcertante capacidade de prever e executar sempre a jogada certa, também corteja a bola com um futebol sedutor e lascivo, transformando-a em mero objeto de seus desígnios. Nesse duelo de floretes, Zico e Beckenbauer fazem de nomes como Júnior, Sócrates, Carpegiani e Carlos Alberto Torres meros coadjuvantes. A bola, esperta, rende-se a ambos. No meio desse futebol de smoking, o Flamengo começa a desfrutar os espaços que lhe são oferecidos. O irrequieto ponta Wilsinho avança pela direita, avança, avança, e resolve chutar. A bola sai fraca, mas desvia num zagueiro e engana o goleiro alemão Birkenmeier. É o segundo gol brasileiro. Logo depois, Nunes cai pela direita e serve Adílio, que vê Júnior entrando sozinho na área. Cruzamento rasteiro, toque por baixo do goleiro, tudo aparentemente simples, a técnica mais sofisticada é a que parece ser a mais prosaica, é o terceiro, Flamengo 3-0. Aplausos entusiásticos, público embevecido. Após o intervalo, o Flamengo troca meio time, saem Zico, Carpegiani, Nunes, Wilsinho, entram Zezé, Peu, Vítor e Ademar. Agora o rubro-negro está em campo com um time praticamente reserva. O Cosmos mantém os titulares, americano não gosta de perder nem par ou ímpar. E começa a atacar no abafa, na pressão, o jogo agora parece oficial. Acabou o amor. O brio das estrelas parece ferido. Acossada, a defesa do Flamengo começa a colaborar de forma estranha. Primeiro, Figueiredo mete a mão na bola e interrompe uma espetacular tabela de Beckenbauer, Cabañas e Chinaglia. Pênalti, que o italiano converte. A seguir, Cabañas manda de longe, Cantarele solta inexplicavelmente nos pés de Chinaglia, que escora e diminui. Inflamada, a torcida empurra o Cosmos à frente, e num cruzamento despretensioso de Beckenbauer, Figueiredo novamente mete a mão na bola. Novo pênalti, Chinaglia cobra e empata. 3-3. Após o gol e o empate conveniente (resultado comum nesse tipo de jogo festivo), os dois times se acalmam e passam a tocar a bola. Nada de mais relevante acontece, e após o apito final Carlos Alberto Torres recebe uma bonita homenagem, saindo de campo consagrado. Mas uma cena chama a atenção. Beckenbauer, o Kaiser Beckenbauer, o maior jogador da história da Alemanha e uma das lendas do futebol mundial, faz questão de se deixar fotografar ornamentado pelo Manto Sagrado Flamengo, exibindo como criança seu presente. Como todos, o Kaiser quer prestar um tributo de reverência aos artistas da bola que acaba de enfrentar. O Manto cai bem em Beckenbauer. Aliás, Beckenbauer é que cai bem no Manto. Afinal de contas, é a camisa do Melhor Time do Mundo.
Vídeo NY COSMOS 3-3 FLAMENGO (www.flamuseu.blogspot.com)
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