terça-feira, 12 de outubro de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações flamengas a todos. Enfim, nos poucos meses que restam para o final da temporada, alguma pálida perspectiva surge no horizonte. A chegada de Vanderlei Luxemburgo aparentemente fará com que o atual arremedo se torne uma equipe minimamente organizada, o que será suficiente para garantir a vaga na Sul-Americana com folgas. E desconfio que ainda se falará de Libertadores por aqui antes do final do ano...

Mas não é disso que quero tratar hoje. Nos últimos dias, ao ler algumas notícias dando conta de que o nosso ZICO admite a hipótese de comandar o Flamengo, com base em sua recente experiência (inclusive chegando a tratar do assunto em algumas conversas), não posso deixar de perceber que a trajetória do Galinho, até aqui, possui vários pontos em comum com a história de um contemporâneo seu. Que os torcedores flamengos me perdoem, mas vou falar um pouco da realidade de um rival nas linhas que seguem. De qualquer forma, boa leitura.

A História se Repete?

2002. O estádio de São Januário recebe um público razoável para a estréia do Vasco no Torneio Rio-São Paulo, contra a Ponte Preta. O atual trivice campeão estadual quer utilizar o torneio para preparar sua equipe, em meio às indefinições que ainda cercam a realização do Estadual, cuja fórmula de disputa sequer está fechada. No entanto, a prosaica tarde ensolarada marcará de forma indelével os destinos do clube cruzmaltino.

A partida em si não tem nada de especial. Como sempre, a torcida canta que o Vasco “é da virada”, anima, empurra, e no final vaia e solta muxoxos com o empate em 3-3. Um resultado comum e plenamente esperado, enfim. Mas um incidente registrado nas Tribunas de Honra do velho estádio protagonizará todas as manchetes nos jornais do dia seguinte, envolvendo duas eminentes figuras da instituição.

Como costuma fazer em suas tardes de folga, o ex-jogador Roberto Dinamite, que após encerrar a carreira entrara no mundo da política, leva o filho para assistir à partida nas Tribunas de Honra de São Januário, honraria concedida a alguns ídolos. No entanto, após acomodar-se nas dependências da vetusta arena, surpreende-se com a informação de que sua presença não é permitida. Argumenta, procura os motivos. Ordens do Presidente, é o que lhe sinalizam. Humilhado, enxotado, de cabeça baixa, Roberto deixa o recinto sob o silêncio de vários vascaínos consternados. Alguns seguranças o escoltam, seguindo orientação expressa do Presidente. Imprescindível a presença dos seguranças, a ordem é clara.

Ocorre que Eurico Miranda, presidente, vice-presidente, deputado e dono, havia se irritado com declarações recentes de Roberto, com algumas críticas aos métodos pouco ortodoxos de gestão do “capo” vascaíno. Em represália, Eurico adota postura típica dos tiranetes de aldeia e resolve impor-se pela truculência, preparando o espetáculo de humilhação pública de um dos maiores ídolos da história vascaína, responsável direto pelo PENTAVICE estadual (78-79-79E-80-81) e por um BIVICE campeonato brasileiro (79-84), honrarias até hoje lembradas com carinho pela Turma da Casaca.

No entanto, a pantomima tem um efeito completamente reverso. Diversos setores do Vasco manifestam solidariedade a Roberto, que após o episódio entra definitivamente na política do clube, com o apoio de facções marginalizadas por Eurico. Nas eleições seguintes, Roberto Dinamite é derrotado por pequena margem, e Eurico é reeleito com o apoio decisivo de muitos associados falecidos. Mas Dinamite não desiste e no pleito seguinte, bastante controverso por sinal, com direito a anulação, remarcação e muitas idas e vindas, finalmente é eleito Presidente do Vasco, acabando com o reinado do “notável” Eurico Miranda.

Até aqui, Roberto, em sua gestão, tem buscado introduzir algumas inovações e modernizar o clube. Mas há que se reconhecer que o grande mérito de sua obra é não fugir das raízes históricas do Vasco, que continua sendo sistematicamente surrado pelo Flamengo nos momentos decisivos.

* * *

2010. Zico, o maior ídolo da história do Flamengo, assume o Departamento de Futebol do Flamengo, com a idéia de implantar uma profunda reestruturação na forma de gerir o clube, incutindo princípios de profissionalismo e combatendo práticas anacrônicas detectadas na formação de atletas da base e na relação com empresários de jogadores, entre outras coisas. Sua principal bandeira é a construção do Centro de Treinamento em Vargem Grande, considerado ponto fundamental para o estabelecimento de uma gestão profissional. Aclamado por torcedores e por boa parte da crônica esportiva, Zico recebe um clube em frangalhos, com sérios problemas de imagem e esmigalhado politicamente.

Quatro meses depois, assolado por pressões vindas de toda parte, especialmente de “notáveis” e seus capitães-do-mato, que vêem no Galinho uma ameaça a uma determinada situação interna, Zico é forçado a se retirar. É enxotado pra fora do barco. Atacam sua honra. Questionam sua moral. Fazem piadas, jactam-se de sua gestão, “esquecem-se” dos problemas anteriores. Zico descobre inimigos em todos os setores do clube, e mesmo em partes da imprensa. Triste, frustrado, sai de cena. Mas admite voltar...

* * *

Se as trajetórias de Zico e Roberto irão convergir no futuro, ainda é muito cedo para saber. Mas não deixa de ser animador constatar que a passagem de Zico fez com que um movimento se organizasse e a política interna da Gávea ocupasse a berlinda. O fato é que, conhecendo a trajetória pessoal de Arthur Antunes Coimbra, sabemos que estamos diante de um homem determinado, que não irá desistir facilmente de seus objetivos. Um homem que não nasceu para receber ordens ou simplesmente perder-se nas escrivaninhas empoeiradas de algum departamento menor.

Zico não nasceu para ser conduzido. Nasceu para conduzir.

Flamengo Net

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