terça-feira, 3 de agosto de 2010

PELO MUNDO FLAMENGO: No divã, com as migalhas

.
por Paulo Lima, de Nova York - @mundoflamengo


É hora de abrir o coração.

Não, meu ídolo no futebol NÃO é o Zico.

Explica-se, em primeiro lugar: nasci em 1980, início da Época Dourada, quando reinamos aí, aqui e acolá. Fomos predominantes até o tetra, mas só comecei a realmente seguir e vibrar de verdade com o futebol tempos depois Fla-Flu de Juiz de Fora.
Aí vieram Júnior, Gaúcho, Renato Gaúcho (o de 93), Romário, Sávio, Pet ...
Sim, meros mortais face ao Galo.

Há um pequeno consolo: cheguei a ver Zico jogar ao vivo. Lembro-me de um Flamengo x Criciúma de 88 ou 89, eu estava com meu pai nas velhas cadeiras azuis atrás daquela trave que ele soltou um foguete e marcou um de seus mais belos gols. Mas é memória fugaz. Zico é um mito. Nunca pareceu-me ser de verdade.

Por essas e outras, os primos, tios, e toda a “rubro-negrada” da geração anterior esfregava-me na cara o passado lado-a-lado com Zico e sua turma para, de uma certa forma, com um ar de superioridade, se blindar de infortúnios e de sofrimento, típicos de uma década perdida como a de 90 pós-Penta, por exemplo.

E a mim, a meus contemporâneos, o que restou?

As migalhas.

Por anos, vivemos das migalhas que a geração de ouro nos deixou.

Migalhas que, diga-se, até seriam suficientes adubar o solo e re-semear o pomar. Mas não, o novo plantio não aconteceu. Por razões que todos conhecem, poucos exploram e (quase) ninguém divulga.

Aqueles que conviveram com Zico, aqueles que foram assíduos de Maracanã e TV (mais Maracanã do que TV) com Ele no comando, podem enxergar suas virtudes nesta nova fase fora de campo de maneira mais clara, com a ciência do erro que o faz humano. Sabem que pode errar microscopicamente, mas o conjunto da obra, o longo prazo, o legado e a história serão construídos com exatidão, mas a seu tempo – considerando-se, claro, um ideal cenário politicamente estável e sem interferências.

Por mais que tenha visto o fim de seu reinado em campo, Zico é um sobrehumano para meus olhos. Caráter exemplar, pai de família, competência e sucesso em praticamente todos os projetos executados após a aposentadoria. Um craque lato sensu, sem "pacotes".

Assim, as velhas cantinelas dos mais “vividos”, aqueles que usavam as glórias zicoínas como subterfúgio e válvula de escape dos desesperos atuais, também bradavam o retorno do Galo à Gávea como a única salvação possível. Nada sobrenatural, mas uma medida concretamente perfeita. Para mim e para os que viram mais Zico em VT do que na TV, a assunção de Zico à diretoria do Flamengo é comparada à volta de um Dom Sebastião a do próprio Messias (sem heresias, apenas uma referência histórica).

Toque de mágica, tudo estaria nos conformes, como há 30 anos fez dentro das quatro linhas. Certo?

Nada. Nem Portugal do século XVI nem a Terra Prometida encontravam-se tão putrificadas quanto o C.R.F de 2010. Crises em âmbito técnico, institucional, esportivo, financeiro, jurídico, creditício. E moral. A pior delas. E mesmo depois do topo nacional do ano anterior. Sábias palavras: "O título brasileiro acabou sendo ruim". Mais do que verdade.

Agora, Zico está aí.

Separá-lo do mito é muito difícil. Causa arrepios pensar que um mero pixel da grande imagem mítica que Ele construiu com a pele rubro-negra pode ser arranhado com a nova função. Nem bem está dois meses no cargo, e ele não será poupado. Com todos os seus milagres, Jesus não foi uma unanimidade. Mas é impossível pensar que Zico não atingiu este patamar como jogador do Flamengo. Fora de campo, porém, sob o ar executivo, torna-se um anjo caído. Um mero mortal.

Por tudo isso, é nítida a importância histórica do momento. Necessidades imediatistas são secundárias. Em nome de Zico, do mito ou do ídolo, Flamengo eu hei de ser, sempre, ainda que nas mãos de Rogério Lourenço e nos pés de Borja. Passamos anos na parte de baixo da tabela sem construir absolutamente nada, sem um dirigente à frente aos pés do gabarito de Arthur Antunes Coimbra.

Pelo amor de Zico, agüentemos as migalhas. Mais algumas delas. Já agüentamos tantas...

Graças a Zico, e só a Ele, elas levarão a novo plantio.

Flamengo Net

Comentários