terça-feira, 17 de agosto de 2010

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos. A cabeça dói, e ando mal-humorado. O time segue exibindo um futebol onde a aridez de bons momentos assusta, a miríade de especulações e reforços “a anunciar” ganha proporções insuportáveis e o meu maldito computador teima em se manter quebrado. Enfim, vamos lá.

Vamos lá porque isso aqui não é o “botafogonet”, chega de lamúrias. Bem, o Flamengo parte para a próxima jornada, onde irá enfrentar o Atlético-PR na Arena da Baixada, campo onde o nosso histórico é, digamos, pouco recomendável. Mas nem sempre foi assim. Aliás, o local onde se ergue a Arena possui algo místico e pleno de significado histórico para a instituição flamenga, como veremos na história que conto a seguir. Então, boa leitura.

A Primeira Partida Fora do Rio

1914. O Flamengo, enfim, parece pronto para traduzir em conquistas o enorme prestígio de que já desfruta entre os adeptos do futebol, o novo esporte cuja popularidade crescente já torna o remo um entretenimento secundário. Com efeito, as tardes de domingo, antes destinadas à realização de regatas que mobilizavam a sociedade carioca, já abrem espaço para os jogos do Campeonato Carioca, que se torna a principal competição esportiva do Rio de Janeiro, sempre aguardado com imensa expectativa.

E nessa temporada o Flamengo enfim mostra no campo porque possui a melhor equipe do Rio. Após perder por pouco os campeonatos de 1912 e 1913, o título de 1914 se torna questão de honra para a base de talentosos jogadores que debandaram do Fluminense e criaram uma nova agremiação que a cada dia conquista um inesperado apelo popular, em função da vontade demonstrada em campo e da facilidade de contato com os fãs (o time chega a treinar em campos de rua, cercado de curiosos).

O primeiro turno se encerra, e o Flamengo se impõe sobre os principais rivais, o América de Belfort Duarte, o Botafogo de Mimi Sodré e o Fluminense de Marcos Mendonça. Aclamado pelo público e reconhecido como o virtual campeão, o rubro-negro já adquire imenso prestígio, que leva o dirigente Joaquim Américo a convidá-lo para as festividades de inauguração de uma nova praça esportiva em Curitiba, para uso do Internacional FootBall Club. Será a primeira vez que o Flamengo irá se exibir fora do Rio de Janeiro.

Domingo. Sol intenso, temperatura agradável. Desde que desembarcou em Curitiba, a delegação do “futuro campeão da capital” é tratada com carinho e reverência pelo público curitibano. Com efeito, a presença de uma equipe da envergadura do Flamengo na capital paranaense delimita um marco no incipiente futebol local, que ainda está se organizando. E isso pode ser constatado nas instalações da Baixada da Água Verde, completamente abarrotada de torcedores. Não há mais lugar livre. Arquibancadas, árvores, barrancos, está tudo coberto e tomado por uma multidão barulhenta e curiosa. E ávida para que os representantes locais protagonizem uma jornada histórica, algo como um “davi-golias”.

Mas é impensável. É verdade que o Internacional é, de longe, a melhor equipe do Paraná, como irá comprovar no ano seguinte, onde conquistará com constrangedora facilidade o primeiro campeonato paranaense da história. Mas o Flamengo está em outra realidade, outro patamar. Seus jogadores estão entre os melhores do país. Nomes como o lendário goleiro Baena, que se aproxima do terceiro título carioca pelo terceiro time diferente, ou o irrequieto médio Gallo, ou o mortífero atacante Arnaldo. Sem falar de sua defesa, formada pelo virtuoso zagueiro Emanuel Nery e por Píndaro de Carvalho, praticante de um futebol tão viril e aristocrático que recebeu a alcunha de “Gigante de Pedra”. Os dois zagueiros formam uma dupla intransponível, a ponto de figurarem como titulares da primeira seleção brasileira da história, em amistoso disputado poucos meses antes. Os desfalques são os atacantes Borgerth (líder da rebelião que redundou na criação do futebol flamengo) e o goleador Ricardo Riemer, ambos poupados.

O Flamengo é o primeiro a entrar em campo. Traja a camisa cobra-coral, e recebe calorosa salva de palmas, que logo se converte em gritos de apoio ao time local, uma provocação que mostra que o campo será um caldeirão. Quando o Internacional, vestindo alvinegro (como o Botafogo) adentra o gramado, é ovacionado com gritos, cantos e hinos. Percebe-se nos rostos dos locais uma viva vontade de consumar uma façanha.

A partida começa e o Internacional, ignorando a força adversária, parte ao ataque e começa a exigir boas intervenções de Baena. Mas logo o Flamengo assume as rédeas e impõe sua maior categoria. Chega a passar exatos 10 minutos no campo do adversário. Mas não conta com a suicida vontade do time local e principalmente com a espetacular atuação do goleiro paranaense Roger, que enlouquece a assistência com defesas impossíveis. O jogo é muito movimentado e agrada, nem parece amistoso.

Mas o Inter não resiste. Numa boa trama do ataque flamengo, o ponta-direita Pinho serve o atacante Arnaldo, que emenda para abrir a contagem e marcar o primeiro gol da história da Baixada. 19’, Flamengo 1-0.

A seguir, o Internacional busca uma desesperada reação, mas seus jogadores sentem a força da intransponível defesa flamenga. Numa bola alçada, um atacante paranaense tem a infeliz idéia de disputar uma bola pelo alto com Píndaro. Desaba, retorcido e todo amassado. Píndaro, o Homem de Pedra, domina e sai jogando, sem olhar para o oponente. Não é boa idéia partir para o choque direto com Píndaro.

Fim da primeira etapa, Flamengo 1-0.

Vem o segundo tempo e a equipe carioca entra bem mais disposta em campo. Chega de exibição, o time agora quer resolver logo a partida. E, logo a 1’ marca o segundo, dessa vez com Baiano. Os paranaenses agora estão perdidos, sufocados, não conseguem reagir. Aos 6’, nova blitz flamenga, bola na área, o zagueiro Júlio se apavora e chuta contra seu gol. É o terceiro gol, Flamengo 3-0. Mais cinco minutos, outro ataque carioca, Arnaldo faz um banzê na área e é derrubado. Pênalti. Píndaro, um dos destaques do jogo, que não cometeu um erro a olho nu, é designado para a cobrança. Manda uma bomba inapelável, 4-0. A goleada é inevitável, o público resignado já se conforma com a chuva de gols que se desenha. E ela vem, caudalosa. Aos 19’, Píndaro avança ao ataque e lança a Gallo, que emenda de longe e marca o quinto gol. O Internacional dá a saída e perde a bola, que viaja para Joca (reserva de Riemer) marcar 6-0.

Com o sexto gol, o Flamengo finalmente se acalma e faz a bola correr. Ainda perde Arnaldo após uma pancada, e o time local aproveita o relaxamento adversário para marcar seu gol de honra, já aos 33’. Mas, a um minuto do fim, Joca apanha uma bola perdida e emenda mais uma vez de longe. Dessa vez o goleiro Roger falha, e o Flamengo chega ao seu sétimo e último gol. Sem mais tempo, o placar é definido em Internacional-PR 1-7 Flamengo.

Após a consagradora exibição, o Flamengo ainda faria duas partidas em solo paranaense, mostrando seu poderio ao golear a Seleção de Curitiba (9-1) e ao pulverizar o Paranaguá FC, em jogo que teria terminado 15-0 (há poucos registros dessa que provavelmente foi a maior diferença de gols aplicada pelo Flamengo em sua história).

Já a Baixada da Água Verde seguiria sendo um dos principais palcos de Curitiba. Em 1924, o Internacional se funde com o América local, dando origem ao Atlético Paranaense. A Baixada seria posteriormente denominada Estádio Joaquim Américo, mas ficaria conhecida como o Caldeirão do Diabo, pela dificuldade imposta aos visitantes. Mais tarde, o estádio daria lugar à moderna Arena da Baixada.

O Flamengo, ao voltar ao Rio, confirmaria as expectativas e conquistaria o título carioca, não sem algum drama no final, ameaçado por Botafogo e América. Com isso, a temporada de 1914 estava encerrada, consumando um ano bastante especial e positivo para o rubro-negro, que viu seu prestígio e sua força crescerem exponencialmente, inclusive fora do Rio de Janeiro. Com a fama, logo surgiriam novos convites, novas excursões, e no ano seguinte, o time empreenderia uma célebre jornada ao Pará, onde seria fincado um significativo bastião para o aumento da sua popularidade fora da capital.

Mas aí já é outra história.

(Texto produzido com a ajuda de informações do blog FlaEternamente. Link)

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