terça-feira, 25 de maio de 2010

O Menino e a Mãe do Menino do Flamengo

José Eustáquio Cardoso

Seria apenas mais um desses jogos chochos com que o Flamengo sempre teima em nos brindar a cada início de campeonato, quando perde pontos a serem chorados mais adiante, ao empatar com Barueris (ou que outro nome tenham), Santo Andrés, Avaís e quejandas mediocridades. Seria apenas mais uma entediante, se não enervante, partida para nos matar de raiva e frustração até os minutos finais, com jogadas bisonhas e erros de cruzamento e cada jogador, salvo uma ou outra honrosa exceção, falhando em passes e não conseguindo tão simplesmente vazar uma defesa menos que razoável e acertar as redes adversárias com um chute ou uma cabeçada, a obstinadamente dirigirem a bola para a linha de fundo. Seria apenas mais um embate feito duro pelo nivelamento por baixo a que nosso time se deixa submeter, com dois chorados golzinhos de alívio apenas lá pelos quarenta e tantos do segundo tempo. Ufa!

Mas não: o destino se insinuou por entre todas aquelas pernas e carrancas para desbrotar num sorriso branco de menino negro e feliz e certamente pobre e nas lágrimas de emoção de uma mãe jovem e sofrida.

Desde o início se sabia que no banco se sentava um tal (pelo menos para mim, que nunca lhe ouvira o nome) Diego Maurício. Quem era Diego Maurício? O repórter esclarecia: – Um garoto dos juniores a quem nosso querido Rogério resolvera promover e dar a primeira chance. – Era bom? – Não se sabia ao certo, o repórter apenas informava que se vinha destacando como atacante em sua categoria.

E eis que já pela segunda metade do tempo final se anuncia que Bruno Mezenga sairia. Eu me perguntei somente, ainda que com o devido respeito a quem quer que vista o manto sagrado: – Uai, e ele entrou? – Pois é, Bruno sairia e quem entraria em seu lugar? Ninguém menos que Diego Maurício, um garoto musculoso de porte e semblante a me lembrarem Cláudio Adão.

Diego entrou, e de repente o câmera viu a própria atenção atraída para um certo movimento na chamada geral vip, se meus olhos não me enganaram. Que movimento inusitado era aquele? A câmera mostrou: uma mulher jovem e negra, igualmente trajando a camisa rubro-negra que sempre me estremece, exibia seu sorriso branco e esticava uma faixa em que se via, bem ao centro, o escudo de nossa paixão. E embaixo? Algo havia, não consegui ver senão que se trataria de uma inscrição. Um nome, certamente. Que nome? Ora, o câmera teve o faro e a intuição: era a mãe de nosso herói, a querer ostentar ao mundo o nome de seu rebento e a própria felicidade de vê-lo jogar no Flamengo, de vê-lo desfilar em pleno gramado do Maraca envergando as cores honradas, eternizadas e gritadas ao mundo por Zico, por Dida, por Domingos da Guia, por Zizinho, por Júnior, por Leandro, por Pet... e quantos mais?... A mãe sorria e dançava, aos olhares cúmplices de quantos a rodeavam e se emocionavam com sua simples alegria.

O jogo ainda se arrastava num irritante empate e já estaria pelos quarenta e três do segundo tempo. E eis que Juan acerta aquela bola de primeira, num feliz arremesso encobrindo o goleiro rumo à rede. Pronto, tudo indicava que já ganharíamos.

Mas o destino ainda passeava inobservado pela grama e pelas pernas fortes do garoto. E ei-lo lançado pela entrada da área, e ei-lo a invadi-la protegendo a bola de um zagueiro desesperado, e ei-lo finalmente derrubado pelo último recurso de um adversário já derrotado. É pênalti! E quem o cavou, no melhor sentido e direção? Ora, que pergunta! Diego Maurício, cujos olhos, desse momento em diante só fizeram marejar: era dele também a felicidade de sua mãe e de toda a galera. Diego Maurício, o predestinado.

Eu queria que ele cobrasse o pênalti, torci por isso. Mas convim em que seria arriscado para o menino, um simples menino já com a imensa responsabilidade de honrar aquela camisa. Vágner Love bateu, e foi o que se viu: 3 a 1 para nós, primeira vitória no Brasileiro. Não foi Diego Maurício quem fez o gol, não foi seu pé que empurrou a bola para a rede, mas que ninguém duvide: foi a sua alegria, a sua realização de menino, a sua emoção, a sua já lacrimosa felicidade que residiu por instantes no pé direito de Love.

O jogo acabou, e eis novamente Diego Maurício, engasgado e falando com o repórter, mas não conseguindo dissimular sua ânsia de encontrar um rosto no meio da torcida. Finalmente, os olhares se cruzaram, e eu próprio me arrepiei de emoção. E aquela negra linda brotou de entre tantos rostos, e seu próprio rosto brotou de entre tantas lágrimas:

– É o meu filho, é o meu garoto! – exclamava. – Eu não tinha nem dinheiro pra passagem pra levá-lo aos treinos – chorava mais ainda.

Um nó se avolumou em minha garganta. Aquela mulher sofrida chorava, naquele momento, a esperança e a alegria irrealizada de tantos pais e mães que não lhe puderam ter a mesma felicidade. A felicidade pela qual eu próprio daria tudo que tivesse. A felicidade de ver o próprio garoto jogando no Mengão, porra! Quantas reticências deveriam ser apostas a esta exclamação? Juro que eu senti o Diego Maurício como se fosse meu próprio filho. E como pai, que me restava fazer? Não aguentei, chorei também. E algo me diz, finalmente, que aquela energia benfazeja de olhares felizes e cruzados não pode ter sido em vão.

– Diego querido, que mal começas a caminhada, eu não sei que peripécias ainda te reservam as tantas voltas que o mundo dá e as tantas linhas tortas por onde verte a escrita divina. Mas, seja o que for, aconteça o que acontecer, do caminho e das batidas do meu coração rubro-negro não sairás nunca, meu garoto! Eu nunca esquecerei teu sorriso de menino e as santas lágrimas de tua mãe, igualmente tão menina. Que Deus abençoe a ambos.

Niterói, 23/5/2010

Flamengo Net

Comentários