terça-feira, 27 de abril de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações flamengas a todos. O confuso cenário vivido pelo clube na semana passada mostra que o Flamengo, definitivamente, é uma instituição singular. Como ser flamengo é estar preparado para trilhar os caminhos mais tortuosos em busca da glória, deixo aqui uma passagem interessante, pra quem acha que no período mais vitorioso de sua história tudo foi róseo. Mas atenção, desde já saliento que estou perfeitamente ciente de que a postura daquele grupo era radicalmente diferente do que se vê hoje. Mesmo assim, aí vai o texto. Nos negritos, vídeos. Boa leitura.

Libertadores, o complicado início

1981. Após cerca de um ano e meio invicto em clássicos regionais (não amistosos), o Flamengo é derrotado pelo Botafogo de Zagallo (1-3), sendo prematuramente eliminado do Campeonato Brasileiro. A (relativamente) inesperada derrota acende forte crise na Gávea.

Na verdade, as coisas não andavam bem desde o final do Estadual de 1980, em que o time, mesmo sem perder nenhum clássico, não conseguiu o tetracampeonato. A perda do título (que muitos dentro do clube atribuíram a uma certa soberba) já havia feito o Flamengo iniciar a temporada sob pressão. Para complicar as coisas, o treinador Cláudio Coutinho havia aceitado convite do futebol norte-americano, dando lugar a Modesto Bría. A equipe ainda perdia o lateral Toninho (negociado com o exterior) e o atacante Júlio César “Uri Geller” (contundido). Além disso, os reforços trazidos em 1980, Luís Pereira e Fumanchu, não agradavam.

Durante o Brasileiro, o time sentiu demais a perda de Coutinho, que sabia como poucos dosar autoridade (pela sua origem militar) e capacidade de dialogar. Com seus principais jogadores disputando as Eliminatórias, o Flamengo jamais se encontrou, e apesar de alguns momentos de brilho esporádico (8-0 no Fortaleza, 2-1 no Atlético-MG), a equipe mostrava um futebol pífio, chegando a ser goleada por adversários medianos (0-4 Colorado-PR, 0-3 Paysandu). Perdido e sem conseguir encontrar a formação ideal (chegou a escalar um 4-3-3 com três volantes num jogo em Manaus), Bría não resistiu e deu lugar a Dino Sani.

Com Dino Sani, o ambiente na Gávea, que não era bom, deteriorou-se de vez. Mesmo com a volta de Zico, Júnior e Tita, o time seguiu empilhando atuações medíocres e a eliminação diante do Botafogo mostrou que, pelo menos num primeiro momento, era chegada a hora de renovar o elenco. Tita, seguidamente perseguido pela torcida, era um dos negociáveis, bem como Adílio, que simplesmente não conseguia render na ponta-esquerda, a ponto de se recusar a atuar na posição, entrando em atrito com Dino Sani. Como resultado, Adílio passou a treinar em separado. Luís Pereira foi negociado com o Palmeiras, trocado pelo ponta Baroninho, e Fumanchu não teve seu empréstimo renovado. Além disso, até a permanência do astro maior Zico era incerta, pois seu contrato estava prestes a vencer e o Milan acenava com uma proposta bastante agressiva para contar com o Galinho.

Vem o Estadual e o Flamengo inicia com vitórias, apesar da turbulência. Algumas boas notícias começavam a aparecer, como a renovação do contrato de Zico, a manutenção de Tita, a chegada do ponta Chiquinho, o bom futebol de Baroninho e a afirmação do jovem lateral Leandro, que tomava conta da posição. O rubro-negro vence o Vasco (1-0), faz uma vitoriosa excursão à Itália e parece encontrar seu caminho. Mas tropeços contra Bangu (1-1), América (0-0) e principalmente uma derrota para um time misto do Fluminense (1-2) voltam a azedar o ambiente. Cada vez menos prestigiado, Dino Sani cede e reincorpora Adílio ao elenco. A Libertadores está às portas, e o Flamengo volta a viver forte momento de incerteza.

O time estréia na Libertadores contra seu novo rival, o Atlético-MG no Mineirão. O heróico empate (2-2) dá sobrevida a Dino Sani, e é com o veterano treinador que o Flamengo conquista a Taça Guanabara, após pálida exibição diante do Botafogo (0-0), beneficiado por uma interessante combinação de resultados, e goleia o frágil Cerro Porteño (5-2), pela Libertadores. Mas a conquista do turno não ilude mais a torcida, os jogadores, a imprensa e a diretoria. Algo precisava ser feito, e rápido.

A primeira vítima foi mesmo Dino Sani. Perfeccionista ao extremo e dotado de temperamento difícil, Dino jamais conseguiu estabelecer boa convivência com jogadores e imprensa. Adepto de uma concepção de jogo mais defensiva (gostava de escalar Andrade e Vítor juntos no meio), tinha dificuldades para fazer render uma equipe mais acostumada a um futebol mais solto. As rusgas com Adílio também o ajudaram a perder prestígio dentro da Gávea. O time vencia, mais em função da fragilidade dos adversários do que de seu futebol. O Flamengo parecia sem alegria de jogar. Sem apoio da torcida (que o chamava de “Dinossauro”), dos jogadores e da imprensa, Dino viu-se em situação insustentável. E caiu.

A solução encontrada pela diretoria agradou em cheio ao elenco. Às voltas com seguidas contusões, Carpegiani havia se aposentado precocemente, e vinha trabalhando como auxiliar de Dino, disposto a seguir carreira como treinador. Muito respeitado pelo grupo, Carpegiani recebeu a tarefa de tentar devolver ao Flamengo a magia dos tempos de Coutinho. E desde o início se propôs a resgatar a filosofia de trabalho do antigo comandante.

Mas o início seria difícil. Na estréia de Carpegiani, o Flamengo recebe o Olimpia no Maracanã. Base da seleção paraguaia (campeã da Copa América dois anos antes) e com vários remanescentes do título mundial de 1979, o Olimpia era um adversário bem mais forte que o Cerro. Mas o Flamengo estava empolgado, e animado com os 40 mil no estádio começa a partida a toda pressão. Cria inúmeras chances de gol, e finalmente abre o placar com Adílio (ironicamente), após bola espirrada na área. O time segue em cima, mas não consegue ampliar. O castigo vem na segunda etapa. Cansado, o rubro-negro cede terreno, e numa bola chutada de longe o lateral Solalinde empata o jogo para os paraguaios. O Olimpia se fecha, o Flamengo tenta de todas as formas, mas não consegue chegar à vitória. No fim, o empate em 1-1 embola o grupo, com Flamengo e Atlético-MG liderando (4 pontos), seguidos pelo Olimpia (3 pontos). Mas o Flamengo agora teria que decidir a vaga fora de casa, enquanto seus dois adversários atuariam dentro de seus domínios (somente uma equipe se classificava). A situação na Libertadores estava delicada.

Naqueles dias de julho, o Flamengo ainda se encontrava imerso em um período de grande incerteza. Medidas haviam sido tomadas, mas poucos acreditavam que pudessem vingar. Vozes clamando por uma forte renovação ao final da temporada começavam a ganhar força. Na verdade, nem o mais religioso torcedor era capaz de imaginar o que estava por vir.

Do que o Flamengo, e só o Flamengo, era capaz.

(créditos vídeos: Flamuseu, BanguNet, usuários youtube ilustrissimo, gaddam852, alekmurdoch e alrossi)

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