terça-feira, 13 de abril de 2010

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. E aí, já cumprimentou seu freguês? Eu sei que não é muito polido ficar chutando cachorro morto, mas eu ainda não consigo parar de rir com os acontecimentos de domingo. Antes do jogo, vi uma reportagem do PFC, onde se informava que uma torcida organizada dos caras foi recepcionar os jogadores na porta do ônibus, já no Maracanã, entregando-lhes um folheto: “e aí, vamos ser vices de novo?”, tentando mexer com os brios dos atletas.

Depois de quase perder o controle de tanto gargalhar, eu me lembrei de uma história mais ou menos parecida, ocorrida nos anos 50. E é essa passagem que eu conto essa semana. Então, boa leitura.

O Jogo da Revanche. Que Revanche?

1957. O Campeonato Carioca já está na penúltima rodada. Flamengo e Vasco irão protagonizar o principal jogo, mas nenhum dos dois reúne chances de título. Nos dias de hoje, certamente uma situação dessas ensejaria a certeza de um jogo frio, em um estádio deserto. Mas não era o caso daquele 15 de dezembro. Principalmente para os vascaínos, que ardiam de ânsia por aquele encontro.

Para entender o motivo da ira vascaína, retrocedemos dois meses, ao clássico do primeiro turno. Naquela tarde ensolarada, o cruzmaltino, após ter saído na frente logo aos 3’, levou um dos maiores bailes de sua história, quando o Flamengo, numa tarde iluminada de seu ataque, especialmente de Dida (que anotou 3 gols), enfiou 4-1, revivendo os áureos tempos do Rolo Compressor, com direito a um humilhante “bota na roda” que durou minutos. Na saída do estádio, a torcida flamenga cantava, debochava. Os vascaínos, embrasados, juravam desforra.

O que tornava a derrota vascaína mais dolorosa era a certeza de que o Bacalhau possuía uma boa equipe. A zaga de seleção brasileira, formada por Bellini e Orlando Peçanha, já iniciava uma tradição na Colina. O forte ataque, com os perigosos Pinga e Sabará, ainda contava com os promissores Wilson Moreira e Almir Pernambuquinho, trazido do Sport. Na regência, o meia Rubens, tri pelo Flamengo e campeão em 56 pelo próprio Vasco. Enfim, uma das melhores equipes da cidade e do país, que defendia o título carioca e acabara de conquistar o vice do Torneio Rio-SP.

Já o Flamengo mostrava uma impressionante capacidade de renovação, especialmente em seu ataque. Após perder nomes como Índio, Paulinho, Benitez e Evaristo, o treinador Fleitas Solich havia conseguido remontar um setor ofensivo talvez ainda mais forte, um ataque tão poderoso que, um ano mais tarde, quatro de seus cinco integrantes (Joel, Moacir, Dida e Zagalo) iriam integrar a Seleção Brasileira na Suécia. E o preterido, Henrique (que formava uma dupla mortal com Dida), vivia sendo convocado. No entanto, o irregular sistema defensivo não estava à altura do ataque, e nem mesmo o futebol refinado de Dequinha era capaz de conferir à equipe solidez suficiente. Mesmo assim, o Flamengo era uma equipe temida, especialmente pelo espírito de luta e pela incomparável torcida, já um diferencial.

Voltando ao dia da sonhada revanche (para os vascaínos). O Vasco passa a semana distribuindo declarações contundentes, ajudando a incendiar o clima do clássico. “Não esquecemos aquela goleada”, “o torcedor merece a desforra”, coisas assim. A imprensa, deliciada, ajuda a promover ao máximo. O Flamengo deixa a desmotivação de lado e se prepara com afinco. Tudo leva a crer que será um jogão.

Chega o domingo. Impressionantes 40 mil (para a natureza do jogo) vão ao Maracanã, e desde o início promovem uma verdadeira guerra de cantos e provocações. No apito, o experiente Alberto da Gama Malcher dá a saída. E o clima já se torna pesado, com uma sucessão de entradas firmes, viris e até maldosas. O clima é de decisão. De “amistosa” a partida não terá nada.

Como era de se esperar, o Vasco parte com todas as suas forças ao ataque, cada cruzmaltino dardeja olhos de cólera. Mais do que sua dignidade, sua vida parece estar em jogo. Bicuda, porrada, tudo vale. O Flamengo tenta fazer um jogo de inteligência, explorando o desespero rival, mas é acuado. Mal passa do meio. Felizmente a defesa flamenga parece estar em um bom dia e vai se virando. Mesmo assim, logo a superioridade territorial vascaína vai se transformar em chances e trabalho para o goleiro Fernando. O grito de gol chega a sair abafado do lado direito do estádio pelo menos duas vezes, em duas chances claríssimas perdidas pelo nervoso Wilson Moreira, uma delas com o gol vazio, Fernando batido. O Vasco está melhor, e tudo parece mesmo indicar que o dia será seu.

Mas aos poucos Dequinha, Moacir e o recuado Zagalo vão acalmando o jogo. Experiente, Dequinha trunca a partida, comete e sofre faltinhas, esfria o ódio rival, quebra o élan do adversário. O tempo vai passando e o 0-0, embora injusto, já não parece absurdo. Mas, quando todos já acreditam numa primeira etapa terminando em branco, aos 41’ uma bola é esticada a Joel, que aproveita a única chance flamenga e abre o placar. A primeira etapa termina Flamengo 1-0.

Todos imaginam um Vasco ainda mais agressivo na segunda etapa. No entanto, Fleitas Solich surpreente (como de costume) e manda o Flamengo avançar a marcação. Quer pressão total no início. Atordoado, o Vasco é surpreendido no contrapé e se rende ao ataque flamengo. Sua respeitada defesa bate cabeça. E bastam cinco minutos para Zagalo ampliar, 2-0. A torcida flamenga já começa a repetir seus cantos debochados. O silêncio no lado vascaíno é perturbador.

Muito mais calmo em campo, o Flamengo é o senhor das ações. O Vasco ataca e ataca, mas o faz de forma desordenada, espuma um bonito espírito de luta, mas esbarra na segurança do rubro-negro, escorado na tranqüila vantagem que construíra. No entanto, os vascaínos, de tanto tentar, enfim conseguem seu gol, aos 15’, em uma bola boba, que rebate em meio mundo e sobra para Wilson Moreira finalmente deixar o seu e diminuir, 1-2. Agora vai pegar fogo.

E pega mesmo. A adormecida torcida vascaína volta a berrar e deixar os pulmões no estádio. Invoca a virada, tenta se impor diante de seu rival maior. Mas o Flamengo também é raça, ninguém na Gávea admite ceder a reação. Não depois daquela semana de provocações. O pau come, a defesa flamenga resiste de todo jeito, o Vasco tenta balões na área, chutes de longe, tabelas pelo meio, mas nada funciona. O tempo vai passando, ninguém arrisca desfecho. É um dos melhores jogos do ano.

40’. O Vasco todo no ataque esbarra pela enésima vez na parede de Pavão e Jadir. A bola retomada vai a Zagalo, que conduz e enxerga o deslocamento de Dida. Passe açucarado, Dida vem na corrida, dá um drible desconcertante em Bellini e fuzila para fazer o estádio jorrar euforia e alívio. O Flamengo faz 3-1. A fatura está liquidada.

O Vasco desiste. Após a ferroada de Dida, torcida, jogadores e comissão técnica recolhem seus paninhos e só querem acabar logo com aquilo. Exangues e derrotados, assistem ao adocicado toque de bola flamengo. São obrigados a escutar novamente as infernais musiquinhas inventadas pela sempre criativa mente carioca. Mas ainda virá o pior. 43’, o Flamengo toca, toca e toca a bola, parece inerte, desinteressado. Mas, num faiscante estalo, a tabela veloz como flecha, a bola nos pés de Henrique, o golpe de misericórdia, o gol, a quarta estocada. Com um requinte de sadismo quase inverossímil, o placar do Maracanã exibe Flamengo 4-1 Vasco. De novo.

Após a repetição da surra, o Rio de Janeiro se tornou pequeno para as gozações flamengas, que comemoraram a façanha como um título. Foi difícil ser vascaíno naquele final de 1957, após o merecido castigo dado a uma equipe que falou muito e prometeu o que não tinha condições de cumprir.

Pensando bem, anos e anos se passaram e continua sendo difícil ser vascaíno.

Principalmente quando o Flamengo lhe cruza o caminho.

Flamengo Net

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