domingo, 14 de fevereiro de 2010

A técnica e a competitividade

*Por Victor Esteves, do blog parceiro Buteco do Flamengo

Ninguém duvida que o timaço do Brasil da Copa de 70 teria muito mais dificuldade de ganhar uma Copa do Mundo hoje. A célebre “pensada” que o Gérson deu antes mais um primoroso lançamento, hoje em dia, seria impossível. Em menos de 5 segundos teríamos um ou dois marcadores impiedosos e sem medo de fazer falta acossando o “canhotinha”e provavelmente a jogada não teria o mesmo desfecho. Essa ênfase no preparo físico foi tomando conta dos clubes, seleções e o que se viu foi uma seleção maravilhosa como a da Holanda em 74 cedendo o título a uma “bem preparada”seleção alemã. Que fique a ressalva que a nossa seleção de 70 deve ter sido uma das melhores que produzimos em termos de condicionamento físico até então. Mas o fato é que o futebol passou a ser medido por “resultados”, e a falta, a interrupção da jogada, deixou de ser vista como um recurso dos desprovidos de recursos para ser encarada como legítima, dentro do futebol “profissional” e “científico”. A evolução de todas as atividades humanas passa por transformações e o futebol teve que sofrer esta supervalorização da condição atlética em detrimento aos dons naturais de nossos jogadores.

No Brasil, em razão, talvez, de uma geração absurdamente talentosa (Zico, Júnior e Leandro entre eles, mas com muitos outros não rubronegros), este efeito demorou um pouco mais a se estabelecer como padrão. O time brasileiro de 82, no que pese a grossura do seu atacante e a fragilidade do goleiro escolhido, talvez tenha sido um ultimo alento desse futebol que convencionamos chamar de futebol arte”. O torcedor, sempre disposto a exaltar seu time, passou a valorizar os “carregadores de piano”, e os zagueiros viris (passa a bola mas não passa o atacante). Muitos times foram formados com base nessas premissas de força e aplicação tática. Alguns técnicos foram chamados de geniais, mesmo quando seu maior mérito era o de parar as jogadas seguidamente, ficar jogando bola de um lado para outro, até que o adversário cometesse um erro e o time chegasse à vitória. Quem viu a Copa de 94 se lembra do sufoco que era cada jogo. Completamente diferente da Copa de 70, quando mesmo o adversário saindo na frente, nossa certeza de vitória não se abalava.

Trazendo esta reflexão para o momento atual e principalmente para o Flamengo de hoje, chego a conclusão de que o Flamengo pode dar, neste espaço de tempo que conseguirmos manter o time atual, uma bela ajuda ao futebol arte. Me parece que o Andrade, ao abrir mão do burocrático 3-5-2, objetiva dar espaço ao talento dos jogadores, ainda que saiba ser impossível montar uma equipe só talentosa. Por mais eficiente que seja o Everton Silva, o Léo Moura tem talento. O Juan é habilidoso. O Kleberson joga um futebol de toques. O Pet…bem, o Pet é o Pet, o melhor ocupante da posição antes representada pela camisa 10 desde que o Zico parou. O Vágner Love faz tabelas maravilhosas. O Adriano, que a maioria dos torcedores rubronegros quase não viu jogar antes no Flamengo, alia uma força física a uma qualidade técnica que poucos imaginavam. Ou seja, se ainda não conseguimos jogar 90 minutos na pura técnica, temos tido alguns momentos de pura magia, com jogadas desconcertantes e gols lindos, revivendo os bons momentos em que o talento era mais importante do que o preparo físico.

É claro que isso aqui não é uma defesa para os jogadores se esbaldarem no Carnaval, e depois “a qualidade técnica” resolver. Jogador é profissional e tem deveres a cumprir, como qualquer trabalhador. Fôlego e músculos fortes são fundamentais para executar as jogadas de habilidade. Mas quando vejo uma boa parte da torcida indignada pela quantidade de gols que tomamos, fico pensando se teria sido melhor ter ganho de 1 a zero as nossas partidas ou se não foi muito melhor estar ganhando de 3 a 2, de 5 a 3. Reparem que, dos gols tomados, quatro foram de pênalti. Com o Maldonado retornando deveremos ter uma estabilidade maior ao sistema defensivo (mas sem perder na qualidade técnica). Mas vamos valorizar a disposição do time em fazer mais gols do que levamos. Vamos apoiar esse ressurgimento do futebol ofensivo, da busca incessante de gols. Da minha parte, se ganharmos do Botafogo por 5 a 4 nesta quarta feira, está muito bom. Para falar a verdade, 1 a zero já está bom….

Victor Esteves – 1a. mesa à esquerda do balcão do Buteco do Flamengo

Flamengo Net

Comentários