segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O Flamengo como destruidor dos falsos mitos

Entre as inúmeras vocações do Flamengo, está a de aniquilar os falsos mitos que insistem em povoar o imaginário esportivo carioca. Foi assim em 2007 e 2008, quando parte significativa da imprensa inventou um Botafogo Laranja Mecânica, suposto supra-sumo do futebol arte que estava destinado às mais altas glórias. A torcida também fez sua parte, ao debochar de forma ferina do cântico amoroso e fofinho entoado pelos 36 torcedores que iam regularmente ao Maracanã na crença de que presenciariam algum êxtase místico protagonizado por gente da estirpe de Túlio e Diguinho.

Pois bem, mas qual foi o mais recente mito destroçado pelo Flamengo? Dois mitos, mais especificamente: o do "time de guerreiros" e um derivado, o do Fluminense como protagonista da mais espetacular reação esportiva de 2009. O primeiro é óbvio. É preciso ser uma criatura excessivamente crédula para botar fé na idéia de que o elenco tricolor é formado por onze guerreiros heróicos capazes de enfrentar qualquer adversidade. O jogo de ontem desmontou completamente essa narrativa histórica, pois provou que dez Flamengos em campo e 35 milhões do lado de fora são suficientes para desacreditar essa balela. Como o próprio treineiro rival lamentou, "a torcida deles entrou". E, acrescento eu, outras coisas entraram, com tal facilidade que tornou a idéia de "time de guerreiros" algo tão crível quanto a Laranja Mecânica do Botafogo ou a mula sem cabeça.

Virou pó também um papo que vem sendo disseminado de forma oblíqua nas esquinas cariocas. Refiro-me à essa tentativa espúria de transformar uma escapada de rebaixamento num acontecimento esportivo grandioso. De acordo com mais essa ficção, o "hexa caiu no colo do Flamengo, enquanto a reação do Fluminense foi muito mais espetacular". A noite de ontem serviu para reafirmar os parâmetros da normalidade e retirar os tricolores do universo paralelo em que viviam desde o final do ano passado. Neste universo paralelo, o sujeito acha mais legal ir a uma festa e não apanhar dos amigos de playground do que pegar a menina gatinha. E pior, transforma essa simples obrigação numa apoteose de virilidade.

O jogo de ontem desfez esse segundo mito. Ao ensinar mais uma vez como se joga um Fla-Flu de gente grande, o Flamengo contribuiu para colocar em perspectiva o ano passado. Os fatos não mudaram, mas a narrativa que os arruma se alterou completamente. O que parecia épico transfigurou-se numa simples fuga do playground. E o que parecia, aos olhos dos eternos ressentidos, apenas o resultado do "acaso" ou do corpo mole de adversários, virou mais uma evidência do ardor sagrado rubro-negro.

Historinha qualquer um conta. Mas só os que podem botar uma faixa com "Hexa. Hegemonia. Libertadores. Mundial" sabem a diferença entre a Turma da Mônica e Shakespeare.

Flamengo Net

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