sábado, 5 de dezembro de 2009

Que o hexa seja seu, Cláudio


Por PAULO LIMA*

Queria muito ter conhecido o Cláudio.
Boa-praça, sujeito que falava com todo mundo.
Rubro-negro, como eu; não só de arquibancada, mas de resenha, muita resenha.
É o que a família, à qual me agreguei faz pouco tempo, sempre me relata. E, com dor no coração, lamento não ter partilhado de sua amizade. Como muitos jovens no Rio de Janeiro, Cláudio foi vítima fatal da violência. Mas o que abreviou sua alegria não foi uma bala perdida ou achada, uma briga ou um acidente de trânsito, ou drogas. Tratava-se de um rapaz de 18 anos, íntegro, bem-relacionado, cabeça-feita e sem vícios. Seu único vício era o Clube de Regatas do Flamengo.
Cláudio José da Rocha Cardia deu entrada no hospital em 16 de julho de 1992.
Em coma, veio a falecer alguns dias depois. Foi, portanto, uma das três vidas descartadas após o trágico episódio do segundo jogo contra o Botafogo. Enquanto as atuais lembranças da data, positivas, giram exclusivamente em torno da última conquista rubro-negra no Brasileiro, nem um minuto sequer de reflexão é consagrado ao que se passou naquele dia de Maracanã. E sobre o que existiu de evolução (?) sobre o tratamento ao torcedor em dezessete anos.
Cláudio era um arquibaldo assíduo. Marcara presença em praticamente todos os jogos na campanha do penta. Acordou naquele domingo, vejam só, sem qualquer disposição para assistir ao grande jogo. Era sua primeira chance de ver uma decisão nacional do Flamengo, in loco. As históricas e imensas filas dos dias anteriores não o animaram daquela vez. Mas, horas antes do jogo, um amigo apareceu em sua casa com um par de ingressos, fazendo-o levantar da cama – sem muita animação, diga-se. Sabia que tinha de cumprir um dever cívico rubro-negro. Deixou seu violão em cima da cama e nunca mais voltou para casa. Morreu pelo Flamengo. Desolada com o trágico acidente a família sequer levou à frente uma tentativa de reparação financeira por parte da Suderj. Perfeitamente justo, a dor não se compra. Nem mesmo ânimo houve para brigar por justiça e condenar os responsáveis pelo crime. Igualmente compreensível, o sofrimento suplanta a revolta.
Dezessete anos depois, fala-se no jejum rubro-negro de títulos brasileiros. De fato, Cláudio não perdeu muita coisa. Pudesse estar vivo hoje, teria presenciado parcos títulos estaduais, uma Copa Mercosul (?), um centenário fracassado e uma Copa do Brasil. Nada tão espantoso, haja vista as sucessivas más administrações rubro-negras do período, que resultaram nesta ausência de grandes conquistas. Espantoso mesmo é que, tivesse sobrevivido e acordado do coma somente nesta semana anterior ao jogo, se depararia, ao pisar novamente no Maracanã, com as mesmas dificuldades de comprar ingresso, com uma evolução nada cristalina no atendimento ao torcedor, com riscos não tão menores de acidentes e incidentes dentro e fora do estádio. A exemplo de 1992, nunca há culpados ou punidos. Ficaria ainda mais abismado ao tomar conhecimento de que a "arena" em questão é a da final da Copa do Mundo de 2014 e a da abertura/encerramento das Olimpíadas de 2016. Eventos num horizonte correspondente à metade do tempo desde jejum rubro-negro.
Dezessete anos após uma era tão vergonhosa para a história política do Brasil, nosso jejum esportivo (o do Flamengo) e moral (o do Brasil) ainda assusta. Da mesma forma que os responsáveis pela morte de Cláudio nunca foram indiciados, governantes de todos os escalões e em todo o país ainda corrompem e são premiados pela impunidade, com a mesma facilidade.
Cláudio não pôde ver o penta. Mas, neste domingo, estará em nossos corações, ao menos no meu e no de sua família, em um jogo que pode tirar o Flamengo do ostracismo nacional, depois de tantos anos de espera. Anos que infelizmente não serviram para, ainda que sob o sacrifício de sua morte e de tantos outros, mudar radicalmente o Brasil.
Que o hexa seja seu, Cláudio. E que, desta vez, o título rubro-negro acompanhe alguma esperança por dias melhores.
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*Paulo Lima é rubro-negro, jornalista e servidor público, atualmente lotado na Missão do Brasil junto às Nações Unidas, em Nova York. É marido da prima-irmã de Cláudio. Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Juca Kfouri (http://blogdojuca.blog.uol.com.br/) e, depois, no Urublog (http://colunas.globoesporte.com/arthurmuhlenberg/). Paulo Lima escreve também no Mundo Flamengo (www.mundoflamengo.com) e no site oficial do Flamengo, no blog Mengão Sem Fronteiras (http://www.flamengo.com.br/site/blog/blog.php?id=7)

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