terça-feira, 3 de novembro de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Hoje dou início à história do tetracampeonato brasileiro conquistado pelo Flamengo, sem qualquer dúvida a mais polêmica das nossas conquistas. Aliás, não vou me ater muito à batalha extracampo que envolveu clubes, federações e a CBF naqueles conturbados dias. Quero dar enfoque maior ao que aconteceu no campo, onde efetivamente o Flamengo ganhou aquele título brasileiro. De qualquer forma, quem tiver interesse em conhecer a história dos bastidores daquele campeonato, há um ótimo texto que o colega André Monnerat publicou em seu blog SobreFlamengo, disponível aqui.
Bem, é isso. Nas áreas em negrito, há links para vídeos. Boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1987 – Parte 01

A perda do Campeonato Estadual foi muito mal digerida na Gávea. Com isso, o trabalho do treinador Antônio Lopes, que já estava longe de ser uma unanimidade, passou a ser fortemente pressionado. Na verdade, muita gente não engolia as raízes vascaínas do rígido e disciplinador técnico, que entre outras medidas havia sido o principal responsável pelo afastamento de Adílio do elenco (o meia acabaria negociado com o Coritiba). De qualquer forma, a confusão na definição da fórmula de disputa do Brasileiro foi providencial, para que o time se acalmasse e pudesse realizar uma preparação adequada.

Além de Adílio, que já estava sem espaço, o Flamengo também perdia o falso-ponta Marquinho (outro bom jogador preterido por Lopes), transferido ao Atlético-MG, e Mozer, vendido ao Benfica. Assim, o clube foi atrás de um zagueiro experiente para a reposição, pois o jovem Aldair, apesar de talentoso, ainda era considerado muito verde para assumir a posição de titular. A solução foi repatriar o experiente Edinho, que retornava de bem-sucedida passagem pelo futebol italiano (foi companheiro de Zico na Udinese). Mas Edinho, tão logo chegou ao Brasil e assinou contrato, deu polêmica entrevista se declarando “símbolo do Fluminense tal como Zico no Flamengo”, o que irritou a diretoria, que tentou repassá-lo ao tricolor, em troca de Ricardo Gomes. Com a negativa das Laranjeiras, Edinho foi enquadrado e incorporado ao elenco.

Junto com Edinho o rubro-negro trouxe mais um veterano, o carismático atacante Nunes, contratado junto ao Atlético-MG (onde viveu ótima fase), para fazer companhia a Renato Gaúcho e marcar os gols que Kita, Bebeto e o garoto Wallace não vinham conseguindo fazer.

Por fim, havia o retorno dos contundidos. O lateral Adalberto finalmente estava pronto para jogar, após longa e sofrida recuperação de uma fratura que vinha do ano anterior. Mas todas as atenções estavam voltadas mesmo para o retorno de Zico, que depois de uma delicadíssima e arriscada cirurgia que o deixou quase um ano parado estava de volta, mostrando a todos uma rara capacidade de superação, desafiando a ironia e o escárnio de uma imprensa que já o dava como acabado.

A situação de Antônio Lopes não melhorou muito com os amistosos de preparação, disputados no México. Sem Zico, que ficara no Brasil se recuperando de uma pancada no tornozelo sofrida na final contra o Vasco, o time não foi bem, vencendo três jogos e perdendo outros três. De positivo, a boa adaptação de Edinho ao time e a boa mobilidade de Adalberto. Mas, no último amistoso de preparação, em Salvador contra o Bahia (0-0) e já com Zico de volta, o lateral viveu mais um capítulo de seu drama, ao se contundir sozinho num escanteio, o que decretaria mais um longo afastamento e praticamente o fim de sua trajetória no Flamengo. Como o reserva Airton (limitado e que não vinha agradando) estava também contundido, Lopes resolveu lançar um garoto de apenas 17 anos, magricela e de pernas finas, que pouco impressionou à primeira vista. Era a estréia de Leonardo no Flamengo.

Selada uma trégua entre o Clube dos 13 e a CBF, finalmente teve início o Campeonato Brasileiro, vendido com o nome comercial de Copa União. A competição teria 16 equipes (os 12 mais tradicionais, mais Bahia e três convidados, Goiás, Coritiba e Santa Cruz), divididas em duas chaves de oito. No primeiro turno, os jogos seriam cruzados entre os grupos, no segundo turno as partidas ocorreriam dentro das chaves. O campeão de cada grupo em cada turno chegaria às Semifinais. O Flamengo entrou em um grupo com Botafogo, Corinthians, Palmeiras, Atlético-MG, Grêmio, Bahia e Santa Cruz, de sorte que no primeiro turno o time enfrentaria os adversários da outra chave.

Vários setores da mídia, empolgados com o novo formato, entraram de sola no projeto, como a Rede Globo, que pela primeira vez acenava com a transmissão de três jogos fixos por semana e a Coca-Cola, que celebrou contrato de patrocínio com quase todos os clubes (uma das exceções foi o Flamengo). O aporte de patrocínio foi tão interessante que se calculou que os clubes já entravam em campo com uma renda equivalente a um público de 10 mil pessoas, independente do que fosse arrecadado nas bilheterias. Evidente que os excluídos iriam chiar.

Voltando ao futebol, o Flamengo encarou o São Paulo na estréia, em um Maracanã com 25 mil (foi o segundo melhor público da rodada. O futebol vivia séria crise de arrecadações na época). Leandro, sem contrato, e Edinho, sem ter sido regularizado, desfalcaram o time. Outra ausência foi Aílton, contundido. Dessa forma, Lopes precisou recorrer a vários garotos para montar sua defesa. Armou a zaga com Guto e Zé Carlos II, improvisou Aldair na lateral-esquerda (ainda achava cedo para Leonardo) e colocou o habilidoso e lento Flávio no meio. Além disso, armou o time com três atacantes (Renato, Nunes e Bebeto). O resultado foi desastroso. A formação mostrou-se (como previsto) extremamente vulnerável, e o time, com 18’, já perdia por 2-0, dois gols de Müller, marcados com inacreditável facilidade (o primeiro deles parecia gol de coletivo). O bando de garotos flamengos foi totalmente envolvido por Silas, Pita, Müller, Lê e Edivaldo. É verdade que o time, quando conseguia sair pro ataque, criava várias oportunidades, mas aí esbarrava no goleiro Gilmar (Rinaldi), que estava mordido com a contratação recente do goleiro chileno Rojas e simplesmente resolveu pegar tudo. Cabeçadas à queima-roupa de Renato e Nunes, voleio de Zico, toque de Bebeto cara-a-cara, o sujeito defendeu simplesmente todas as bolas que lhe apareceram na frente. No final, sob muitas vaias e rendido pelo toque de bola do adversário (que ainda perdeu chances claras de ampliar), o time acabou mesmo batido por 2-0. As coisas começavam mal.

Com a contundente derrota, Antonio Lopes viu-se sem ambiente na Gávea e foi demitido. Em seu lugar, a diretoria resolveu efetivar o auxiliar Carlinhos como interino, enquanto voltava a falar em nomes consagrados, como Carlos Alberto Silva e Carlos Alberto Parreira. Carlinhos, que já vivera duas experiências fugazes como treinador (em 1983 e no primeiro semestre de 1987), não nutria muitas esperanças sobre sua continuidade. Seu desafio era juntar os cacos e preparar o time para a batalha seguinte, que já se vislumbrava muito complicada: o Vasco de Roberto, Romário, Geovani, Mazinho etc, que passara por cima do Bahia e de 45 mil na Fonte Nova (3-0, os três de Romário), vinha voando e era considerado favorito.

Era um jogo importante. Mas o que poucos imaginavam é que o desfecho daquele clássico seria fundamental para a trajetória do Flamengo na competição.

Aquele Flamengo x Vasco, de certa forma, seria o ponto de partida para o tetra.

Flamengo Net

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