quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana segue a penúltima parte da história da conquista do Brasileiro de 1983, dentro da série “A Saga do Penta”. Aliás, será que Pet, Adriano & Cia irão me obrigar a mudar o nome dessa saga? Tomara que sim.
Os outros capítulos (todos já ilustrados com fotos) estão aqui. Nos negritos, links pra vídeos (os vídeos dessa semana estão muito bons). Boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1983 – Parte 05

A classificação obtida após as duas batalhas épicas contra o Vasco aumentou ainda mais a moral dos comandados de Carlos Alberto Torres. A Gávea, que algumas semanas antes andava pesada, séria, agora exalava confiança e alegria. Os treinos tornavam a ser descontraídos, leves, com a presença de mulheres e crianças, como esse aqui.

O Brasileiro chegava à Fase Semifinal. Num dos jogos, o renovado Atlético-MG enfrentava o forte Santos, um confronto bastante interessante, pois o time mineiro, após um início vacilante, vinha atropelando. Os mineiros já sonhavam em reencontrar o Flamengo numa eventual final. Mas o Santos possuía uma equipe mais experiente e qualificada.

Na outra partida, o Flamengo iria duelar com a grande zebra da competição, o Atlético-PR. O rubro-negro paranaense havia montado uma equipe certinha, cuja base era formada por jogadores experientes, como o goleiro Roberto Costa, o lateral Sóter, o meia Nivaldo e o atacante Capitão. Mas o grande destaque era a dupla formada Assis e Washington, jogadores rejeitados em suas passagens anteriores em outros clubes. O time atravessara as duas primeiras fases aos trancos e barrancos, à beira da eliminação, em grupos fracos. Deu algum sinal de melhora na Terceira Fase, mas era considerado completo azarão contra o São Paulo. Venceu por 2-1 em Curitiba. No Morumbi, quando todos imaginavam que o São Paulo não teria dificuldades para sair classificado, os paranaenses venceram novamente, por 1-0 com gol de Assis (que assim conseguia sua vingança particular contra o ex-clube), jogo em que Roberto Costa pegou até pensamento.

Apesar do grande favoritismo flamengo, o Atlético-PR, nos dias que antecederam a primeira partida, tornou-se uma espécie de xodó da grande imprensa. Grande destaque era dado aos gols da dupla Assis-Washington, além das defesas de Roberto Costa. Enorme badalação cercou o time de Curitiba, pouco acostumado a esse tipo de assédio. Enquanto isso, o Flamengo treinava...

Primeiro jogo, Maracanã. O péssimo regulamento dava a vantagem de dois empates ao Atlético-PR, pelo melhor retrospecto nas Quartas (na campanha geral, o Flamengo somava 31 pontos e os paranaenses 26...). Noite de quinta, 110 mil no estádio. O Flamengo não tem Raul, suspenso, Cantarelli entra em seu lugar. O Atlético perde Assis, substituído por Peu (ex-Flamengo).

Logo no início, as equipes já mostram claramente o que pretendem. Não há estudos. O Flamengo parte pro campo do adversário, quer exercer pressão absoluta. Os visitantes buscam esfriar o jogo e partir em contragolpes. Confiam em seu goleiro, em excelente fase. E Roberto Costa logo justifica essa confiança, com grandes defesas. O Flamengo vai pra dentro, movimenta-se bem, faz boa marcação, domina amplamente a posse de bola. O primeiro gol já é questão de tempo. Zico começa a se destacar, faz grande partida. Mas a bola teima em não entrar. A nação flamenga cumpre seu papel, grita cada vez mais alto, mais forte. Mas Roberto Costa parece reeditar sua atuação no Morumbi. Vai pegando simplesmente tudo. Júnior e Leandro abandonam de vez as laterais, viram pontas. Vítor e Élder vão trocando de posição, confundem a marcação adversária. O time gira alucinadamente em campo, cria uma chance atrás da outra. Zico aumenta a intensidade de seu jogo, pede todas as bolas, municia brilhantemente o ataque. O teimoso 0-0 é frágil, mas renitente. Culpa de Roberto Costa.

Trinta e nove minutos, o primeiro tempo já se aproxima do final. Júnior vem pela meia direita e cruza. A zaga rebate, sobra com Júlio César na ponta esquerda. O galego devolve de cabeça pra área, onde está Zico. O Galinho está parado, a bola vem fraca, um zagueiro o acossa. Pouco há a fazer. Pros jogadores normais. Mas para os gênios, tudo é possível. Sem se mexer, Zico joga a cabeça pra trás e consegue acertar um golpe cirúrgico na bola, jogando-a no cantinho direito de Roberto Costa, que voa, procura, estende mãos, braços e tudo o mais, só que a bola já está repousando dentro do gol. Com um lance desconcertante e quase sobrenatural, Zico abre o placar para o seu Flamengo, após longo parto de quase 40 minutos.

A porteira parece querer abrir. Empolgado com o gol e a festa que só a torcida flamenga sabe fazer, o time parte alucinado à frente, e ainda na primeira etapa cria duas chances cristalinas de gol. Numa delas, Zico manda um foguete, mas Roberto Costa espalma de forma espetacular.

Segundo tempo, segue a pressão, segue o inferno, seguem as defesas de Roberto Costa. Mas há Zico, que desfila em campo, exibe a plenitude de seu talento, o total domínio dos fundamentos da bola, que gira de um lado a outro, sempre servil ao comando do craque. Ninguém consegue mais parar Zico. Seus marcadores (sim, são dois) literalmente batem cabeça com os dribles e passes cortantes do camisa 10 da Gávea. O gênio vem pelo meio. Lança Marinho com uma precisão de arrancar lágrimas dos céticos. A bola cai exatamente no pé direito do zagueiro, que está no meio de dois beques. Mas o estabanado Marinho perde o gol, chuta por cima. Agora são 9’, Élder rouba uma bola e dá a Zico. A área está superpovoada, há uma mata cerrada de atacantes e zagueiros que se esbarram. Mas onde 110 mil enxergam tumulto, Zico vê uma cratera. É covardia misturar Zico com os outros 21, desnivela. Pois Zico manda a bola de primeira, sem titubear, sem vacilar, pro meio da fenda que só ele vê. A bola sai dócil, obediente, macia, aveludada, e encontra Vítor, completamente livre. Agora todos podem enxergar a cratera. Zico mostrou o caminho. “me chuta, me bate, me arromba”, implora a bola. E o volante flamengo não decepciona, estoca um balaço, a pelota passa gritando pelo agora impotente Roberto Costa e se espatifa nas redes. Flamengo 2-0.

Torres manda o time continuar em cima. “Mata o jogo, mata a vaga”, exige. O Flamengo segue em cima, segue triturando. Não é mais um mero jogo de futebol. É um massacre, um ritual de execução. Zico vem com a bola em incrível velocidade, flutua, etéreo. Vê Robertinho (entrara no lugar de Baltazar) na direita, dá mais um passe manhoso. O ponta dá um drible da vaca no adversário e leva um pescoção. Pênalti. O estádio acende, pois Zico tem diante de si o iluminado Roberto Costa. Mas Zico é de outro planeta. Cobra com aguda perfeição, faz o goleiro beijar o poste direito enquanto a bola entra calmamente no lado esquerdo. São 16 minutos, o Flamengo faz 3-0.

Preocupado, o treinador atleticano tranca o time, que é beneficiado ainda com uma expulsão tola de Mozer. O Flamengo perde ímpeto, mas ainda há tempo para Zico mostrar mais. Não é possível o que Zico está jogando, não pode ser real. E sempre em Semifinais, como em Curitiba (1980) e Campinas (1982). O Galinho agora mete uma bola de 50 metros exatamente no peito de Leandro, que entra na área e fuzila, mas Roberto Costa pega mais uma. O Flamengo ainda cria mais algumas oportunidades, mas o jogo termina mesmo em 3-0, sob calorosas palmas ao time e principalmente a Zico, o dono e senhor supremo da partida.

Poucos acreditavam que o Atlético pudesse reverter a vantagem contra o poderoso Flamengo em Curitiba. Mas essa possibilidade quase se materializou. Diante de 60 mil torcedores, que quebraram o recorde de público do Couto Pereira, o Atlético, com Assis de volta, apertou, pressionou, abusou do abafa e das bolas alçadas, e após cerca de 30 minutos marcou dois gols relâmpago, ambos de Washington, ambos em bolas vindas da ponta direita. O Flamengo parecia anestesiado, e poderia ter sofrido o terceiro gol, quando o meia Nivaldo entrou completamente livre e mandou uma bomba no ângulo, mas Raul (de volta ao time) fez uma defesa espetacular, mandando a escanteio as esperanças paranaenses.

No segundo tempo, quando todos esperavam a pressão atleticana, o Flamengo melhorou, colocou a bola no chão e a cabeça no lugar, ajustou a marcação sobre os perigosos Nivaldo e Assis e soube cozinhar, com toda a sua experiência, a partida. O Atlético, que tinha uma equipe aguerrida mas limitada, não conseguiu sair da teia armada por Torres, de forma que o jogo ficou nos 2-0. O Flamengo estava novamente na Final do Campeonato Brasileiro.

E o Atlético-MG não teria a sua sonhada revanche. O time mineiro novamente foi traído pelos nervos e não conseguiu passar pelo Santos, que ganhou a primeira por 2-1 (em jogo cheio de falhas individuais dos atleticanos) e segurou na raça o 0-0 num Mineirão lotado. Flamengo e Santos, rivais na primeira fase, iriam se encontrar novamente.

Mas agora o cenário era bem diferente.


Créditos vídeos: http://www.youtube.com/user/bcpand, http://www.youtube.com/user/alrossi, http://www.youtube.com/user/alekmurdoch)

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