domingo, 6 de setembro de 2009

NOSSO MUNDO É FLAMENGO: Resposta a uma heresia


Paulo Lima*


Heresia. É o que cometeu o Sr. Jose Altafini, o vulgo ex-jogador “Mazola”. Suas palavras, por si só, jamais deveriam ter sido consideradas. Trata-se do primeiro grande traidor da história do futebol mundial. Conquistou o primeiro Mundial com a Seleção, em 58, e se autoexilou na Itália, país que defendeu quatro anos depois, no Chile. Ou seja, suas palavras carecem de crédito na raiz. Pobre homem.


Para quem ainda não se situou: Altafini não apenas teve a audácia de comparar com Zico, o Deus, o pequeno Diego – aquele do Santos, hoje na Juventus, aquele que afundou a Seleção em Sydney/2000 e que jamais se firmou com a Amarelinha. O “judas carcamano” sugeriu que Diego é superior ao Galo, por “ser mais rápido e jogar o campo todo” (leia na íntegra aqui).


Não sei a vocês, mas esse tipo de coisa me dá calafrios. Diego bate faltas? Faz lançamentos? Quantos gols fez Diego, comparativamente a Zico na mesma idade? Que insanidade.


Já escrevi aqui no blog que considero Zico o mais completo e vitorioso jogador de clube da história do futebol (leia o post, publicado no dia 20 de junho). Sustentei a tese de forma racional, sem paixão. Apesar das contestações, não mudo nada do que disse. E ainda reforço, especialmente após ter lido uma barbaridade dessas.


Como prometi ao fim daquele texto, e por crer ser ainda mais oportuno após tais declarações, trago aqui e agora os principais extratos do texto da conceituada revista futebolística inglesa, a “When Saturday Comes”, sobre os 20 anos do Mundial de Clubes do Flamengo, de Zico, e de como os jogadores do então superpoderoso Liverpool reagiram após o massacre de Tóquio. (texto original aqui).


Divirtam-se.


“A ida para Tóquio salvou a Copa do Mundo de Clubes – foi como a Europa viu a mudança. Agora que não era mais necessário viajar para a América do Sul e ter as tripas arrancadas por Estudiantes e Nacional, os clubes europeus acreditavam que era seguro ficar novamente por cima da carne seca. Um jogo único em campo neutro era algo que os ingleses historicamente tinham sucesso. Então como explicar aquele primeiro tempo? Talvez tenha sido o primeiro gol tomado logo no início. O Liverpool não era especialista em se recuperar de desvantagens. Foram surpreendidos por um lançamento de Zico, após um drible em Hansen, que deixou Nunes livre para marcar.(…)"


“O terceiro gol, uma cópia de carbono do primeiro, Zico passou a Nunes, que chutou cruzado batendo Grobelaar, com Hansen chegando atrasado na jogada. Os atletas do Liverpool ecoaram por impedimento, mas não isso não aconteceu. Nunes era apenas mais um atacante cabeludo e matador, para os padrões brasileiros. No auge, diferentemente de artilheiros como Careca e Reinaldo, teve apenas seis convocações e dois gols pela Seleção. Mas os passes de seu capitão e a quadrada defesa do Liverpool o fizeram parecer o maior goleador mundial.”


“O segundo tempo pareceu ter sido jogado em câmera lenta, por um time atordoado. O técnico do Flamengo, Paulo Carpeggiani, se disse ‘desapontado’, enquanto o capitão inglês, Ray Kennedy, falava que a situação era ‘embaraçosa’. Disse não haver explicações e que simplesmente não conseguia entender. ‘Se seu técnico não tem sequer uma pista, então você tem problemas’. O Liverpool estava ‘inacreditavelmente morto’ em suas palavras. (…) Já Thompson, a estrela da companhia, disse: ‘Nós os deixamos jogar à vontade. Poderia ter sido bem diferente se nós tivéssemos jogado à nossa moda’. Souness emendou: ‘Normalmente teríamos jogado mais forte e poderíamos tê-los incomodado’.)"


“ ‘Estávamos tão nervosos por acharmos que teríamos problemas [com os jogadores do Flamengo, por conta dos incidentes nas finais da Libertadores, contra o Cobreloa] que nunca os ameaçamos com a bola nos pés’, disse Thompson."


“ ‘Estávamos ansiosos em evitar qualquer confusão e acabamos deixando-os fazer o que quisessem’, completou Souness. Paisley chegou a dizer que queria evitar problemas a todo custo, de forma que, se fosse necessário, os jogadores até se deitariam no campo – e isso não é o tipo de coisa que se pede a jogadores britânicos."


“Carpeggiani (…) surpreendeu ao tornar como fator-chave do jogo a flexibilidade de seus jogadores – como Tita, que jogou como centroavante. O Flamengo fez fluir seu esquema de meio-campo, confundindo o Liverpool com a movimentação da bola."


“Algumas desculpas tradicionais dos ingleses apareceram posteriormente. 'O Liverpool estava cansado', disse Paisley – sem se lembrar que o Flamengo jogava sua 77a partida no ano. A imprensa fez referência ao gramado pesado e duro e foi o que sugeriu Paisley ao dar os parabéns aos adversários: ‘Fomos batidos por um time superior cuja técnica prevaleceu sobre aquele tipo de gramado’. Então o Liverpool admitia que precisava do tipo de grama correto para dar a eles a chance de enfrentar um time mais talentoso. Quanta inspiração (…)."


“O argumento era injusto."


” [Zico] Era o melhor dos ‘Pelés brancos’, apesar de duas Copas do Mundo decepcionantes com o Brasil (…). 81-82 foi sua grande temporada. Marcou quatro gols na fase final da Libertadores, incluindo dois na grande decisão. Contra o Liverpool, o jornal The Guardian reverenciou sua ‘habilidade e inteligência’ e que o time todo tinha um toque ‘impressionante e preciso’. Zico tinha um primeiro nome tipica e graficamente inglês – Arthur, com H – mas o resto dele, nesse dia, era o melhor do Brasil."


“Do outro lado, Souness parecia a versão de um pobre homem e Dalglish estava simplesmente invisível. Diz-se que o melhor jogador do Liverpool naquele jogo foi Craig Johnston (...). Deu um chute que obrigou Raul a fazer uma difícil defesa, algo que não acrescentou muita coisa."


“As desculpas subsequentes não foram surpresa. Todos nós estávamos chocados. Se o jogo tivesse sido transmitido ao vivo para a Inglaterra, eu não teria visto. E não poderia acreditar em meus olhos quando assistisse os melhores momentos. Mesmo quando o terceiro gol do Flamengo aconteceu, eu ainda apostaria que o Liverpool viraria a partida no segundo tempo. Apenas pelo fato de ser o Liverpool. A BBC recentemente exibiu um programa chamado ‘Quando Liverpool dominou o mundo’. O título era meio ridículo, mas compreensível. Todos nós achávamos que eles eram realmente invencíveis."


“O fato é que nós fomos culpados por acharmos que os times europeus são os melhores, considerando os sul-americanos como franco-atiradores e azarões. (…) A América do Sul também teve suas dinastias. O Santos venceu o Mundial duas vezes (…), o Peñarol (…) o São Paulo (…) Nenhum time inglês teve sucesso no Japão até o Manchester, em 1999. E sem nenhum inglês marcar um gol."


“Tempo para talvez ter humildade – mas não espere isso nas bandas de Merseyside (condado onde fica Liverpool, na Inglaterra). Após o jogo contra o Flamengo, o presidente do Liverpool, John Smith, era todo desafiador: “Se não cometermos erros, voltaremos aqui e na próxima vez mostraremos o que somos capazes de fazer”. Em 84, contra um inexpressivo Independiente, o Liverpool perdeu novamente: 3 a 0."


“Há um livro na praça sobre o desempenho do Liverpool em 87-88, chamado “Better than the Brazilians” (Melhor que os brasileiros). (…)."
Mazola, é melhor é deixar Arthur na dele.



* Paulo (Henrique Caruso) Lima, 29 anos, residente em Nova York (NY), é servidor público federal e ex-repórter ("Falquinho") do Diário LANCE! (entre 2001 e 2008), e escreve também no Mundo Flamengo (www.mundoflamengo.com)

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