terça-feira, 29 de setembro de 2009
Alfarrábios do Melo Olá, saudações rubro-negras a todos. Hoje sigo contando a história da conquista do Brasileiro de 1983. A primeira parte pode ser acessada aqui. Então, boa leitura. Campeonato Brasileiro de 1983 – Parte 02 Após garantir a classificação para a Segunda Fase, jogando um futebol nada convincente, o Flamengo deu uma pausa no Brasileiro para a sua estréia na Libertadores. E até conseguiu um bom resultado, ao sair do Olímpico com um empate em 1-1 contra o Grêmio, num belo gol de Baltazar. Voltando à competição nacional, agora viria a Segunda Fase, com 32 equipes, em 8 grupos de 4. Ao Flamengo, cabia a companhia do pouco cotado Tiradentes/PI (que havia levado 10-1 do Corinthians, a maior goleada da história dos Brasileiros), do perigoso Americano e do badalado Palmeiras. Tudo indicava uma classificação tranqüila, com disputa da liderança contra os paulistas. A estréia do time aconteceu em Teresina. Em mais um estádio nordestino apinhado de torcedores flamengos, sessenta mil felizes espectadores contemplaram uma exibição inspirada de Zico, que com dois gols foi a principal figura em campo da vitória por 3-1 (Andrade marcou o outro gol). Após a boa atuação no Piauí, o Flamengo foi a São Paulo, enfrentar o Palmeiras, no Morumbi. A equipe paulista vinha embalada. Seu treinador, o veterano Rubens Minelli, vinha obtendo êxito na montagem de uma equipe recheada de excelentes jogadores, como o zagueiro Luís Pereira, os volantes Batista e Rocha, os meias Cléo e Jorginho e os atacantes Enéas e Carlos Alberto Seixas, além de jovens talentosos, como o zagueiro Vagner Bacharel e o atacante Barbosa. O time havia feito uma Primeira Fase impecável, classificando-se tranqüilamente de forma invicta. A torcida palmeirense vinha motivada e esperançosa em se livrar do incômodo jejum de títulos que se arrastava desde 1976. Já o Flamengo encarava a partida no Morumbi como a oportunidade para afirmar de vez a sua equipe, mas Carpegiani ganhava um sério problema: Andrade havia sofrido grave contusão no joelho e estava fora do campeonato. Assim, Vítor ganhava a posição de titular, adiando a efetivação de uma idéia que o treinador vinha acariciando há algum tempo: colocar Andrade e Vítor juntos no time. Quarta-feira, 70 mil no Morumbi. O Flamengo começa bem, pressiona e com apenas 6’ abre o placar, numa cobrança de escanteio que Zico escora de cabeça para Adílio marcar. Mas a equipe não resiste ao futebol mais robusto e competitivo dos donos da casa, que fazem uma marcação pesada em Zico e Adílio, soltam o arisco Carlos Henrique em cima de Leandro e se impõem de forma contundente, virando o jogo para 3-1, numa noite em que Carlos Henrique (ex-Flamengo) ganhou todos os prêmios de melhor em campo. Se a partida em São Paulo era encarada na Gávea como um jogo-chave, o resultado não poderia ter sido pior. Após a derrota, a crise se instalou de vez no Flamengo. Jogadores, diretoria e comissão técnica não se entendiam. A torcida começou a protestar de forma mais veemente, cobrando um futebol mais compatível com a grandeza flamenga. Uma mensagem de um torcedor enviada a uma revista semanal é eloqüente: “É inadmissível uma equipe com tantos craques estar jogando assim. É preciso mais seriedade, entusiasmo e empenho. Os jogadores têm que pensar na galera que enche os estádios, pagando com sacrifício os ingressos pra ver seu time jogar sem garra e com excesso de otimismo.” Mas o problema da equipe estava longe de ser apenas falta de entusiasmo. Na verdade, a concepção de jogo implantada por Coutinho, adaptada por Carpegiani e utilizada, de certa forma, por Telê Santana na Seleção havia sido destruída em 1982, quando Paolo Rossi e sua turma mostraram ao mundo como montar um time certinho e aplicado taticamente, e assim abater, à base de muita marcação e rápidos contragolpes, equipes virtuosas. O Flamengo, com sua receita de laterais que só apoiavam, apenas um volante e vários meias-atacantes, agora era neutralizado por equipes que enchiam o meio de volantes e colocavam jogadores velozes nas costas de seus laterais. Os jogos em São Paulo, contra Santos e principalmente Palmeiras, mostravam que, para se manter na ponta do futebol brasileiro, o Flamengo teria que rever sua forma de jogo e atualizar vários conceitos. E nesse contexto a contusão de Andrade não poderia ter vindo em pior hora. Carpegiani, apesar de ter vislumbrado essa necessidade (pensava em colocar Andrade e Vítor juntos) não tinha mais o respaldo da diretoria, da torcida e de alguns jogadores. Visivelmente abatido com as más atuações recentes, não conseguia mais motivar o grupo. Assim, o desfecho não poderia ser outro: após dois anos de um trabalho espetacular e muito bem sucedido, Paulo César Carpegiani não era mais o treinador do Flamengo. Enquanto a diretoria resolvia se entregava o comando técnico da equipe a alguma aposta ou a um treinador consagrado (falava-se em Telê, Menotti etc), Carpegiani ainda dirigiu o time nas duas partidas seguintes, ambas no Maracanã, contra o Americano (boa vitória por 3-0) e o Tiradentes, um pálido 2-0 (dois de Zico) recheado de vaias, que marcou a estréia de mais uma jovem promessa trazida da Bahia, o mirrado e extremamente talentoso atacante Bebeto. Os públicos dessas partidas (12 mil e 6 mil) dão uma boa idéia do ceticismo da torcida em relação ao time. Após alguns debates, a diretoria resolveu manter a política de apostar em treinadores “da casa” e efetivou Carlinhos, o Violino, um dos maiores jogadores da história recente do clube, que vinha fazendo um bom trabalho nas divisões de base. Na base da conversa, Carlinhos tentou tranqüilizar o grupo e não mexeu na formação padrão do time (Raul, Leandro, Figueiredo, Marinho, Júnior, Vítor, Adílio, Zico, Robertinho, Baltazar, Lico), o que foi seu principal erro. No jogo seguinte, 80 mil torcedores foram ao Maracanã dar seu apoio, em busca da vitória, da revanche e da classificação contra o Palmeiras, que seguia triturando os outros adversários. O Flamengo, revigorado, começou bem, abriu o placar com Baltazar, mas cedeu terreno e, após alguns ajustes de Minelli em sua equipe, fez um segundo tempo desastroso, onde sofreu o empate, e por muito pouco não saiu do Maracanã derrotado. Para piorar, Lico machucou-se gravemente, e também estava, a exemplo de Andrade, fora do campeonato. As fortes vaias mostravam que a crise ainda não havia passado. Pior, com o 1-1 agora até a vaga para a Terceira Fase estava ameaçada. Vinte mil ingressos foram colocados à venda e rapidamente esgotados no acanhado Estádio Godofredo Cruz, para Americano x Flamengo. O Americano, embalado, brigava por uma vitória, que o deixaria a um ponto do Flamengo, e com um jogo a menos que o rubro-negro. E o time passou um sufoco terrível no esburacado gramado. Sofreu um gol logo no início, empatou com Baltazar, levou outro gol e já na segunda etapa chegou ao novo e definitivo empate, mais uma vez com Baltazar. Com os 2-2, o Flamengo estava na Terceira Fase, a duríssimas penas. O funil ia apertando. Agora restavam 16 equipes, divididas em quatro grupos. A chave do Flamengo era difícil, com Goiás, Guarani e Corinthians. A imprensa paulista apostava abertamente em Corinthians e Guarani como favoritos às duas vagas. E a crise na Gávea parecia sem fim. O time vai à Bolívia fazer dois jogos pela Libertadores. Segura um sofrido 0-0 contra o fraquíssimo Blooming e leva um vareio do frágil Bolívar (1-3), resultados que derrubam Carlinhos. De volta ao Rio, Carlinhos ainda comanda o time na opaca vitória por 2-0 sobre o Goiás, no Maracanã, jogo em que o time, visivelmente abatido, teve sua tarefa facilitado pelo excesso de respeito dos goianos. A seguir, já comandado pelo interino Cléber Camerino, o Flamengo vai a Campinas, sofre grande pressão mas consegue sair de campo com um 0-0 que, até ali, dá a liderança do grupo ao time. Mas no domingo a parada é muito mais indigesta: o Corinthians de Sócrates, no Maracanã. Já se avançava pelo mês de abril. Praticamente fora da Libertadores e fazendo uma campanha opaca no Brasileiro, o Flamengo parecia afundar no desânimo das más atuações e dos resultados ruins. Poucos ainda acreditavam que aquela base, já visivelmente desgastada com boa parte da torcida, fosse capaz de esboçar alguma reação, ainda mais com a perda de alguns jogadores importantes. Mas o marasmo da Gávea logo seria varrido por um vendaval, uma enxurrada que iria colocar abaixo todas as convicções e vaticínios, fazer páginas e mais páginas de jornal, litros de tinta, palavras, profecias, previsões, tudo isso ser atirado ao lixo. Porque estava chegando de Nova York o homem que iria mudar toda a história do Campeonato Brasileiro de 1983. Senhoras e senhores, surgia o redentor: Carlos Alberto Torres.
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