terça-feira, 22 de setembro de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Dando continuidade à série “Saga do Penta”, inicio a história do Campeonato Brasileiro de 1983, conquista que coroou uma trajetória cheia de altos e baixos, onde a crise bateu várias vezes à porta da Gávea. Tempos dourados? Sim, mas com problemas. Há links para vídeos nos negritos. Então, boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1983 – Parte 01

1983, recomeço. Essa era a palavra de ordem na Gávea. Ao contrário do ano anterior, onde o retorno das férias havia sido em clima de festa pela conquista do planeta, dessa vez o elenco tinha que juntar os cacos, após a perda da Libertadores (numa derrota inacreditável para o Peñarol, em pleno Maracanã) e do Estadual. Erros de avaliação do elenco, contratação de apostas que não vingaram (Zezé, Jasson, Wilsinho) e o início de atritos entre jogadores e Carpegiani haviam minado a trajetória rubro-negra no segundo semestre de 1982. Agora, era a hora de dar a volta por cima e reiniciar a caminhada, mostrar aos críticos que a equipe ainda não chegara à sua curva descendente. Mas a desmotivação e a apatia pairavam de forma ameaçadora sobre a Gávea. Para piorar, o supervisor Domingos Bosco, ícone de competência querido por todos, havia falecido no final do ano, causando choque semelhante ao da perda de Coutinho. Decididamente, a fase não era das melhores.

O Campeonato Brasileiro estava para começar. Houvesse Bolsa de Apostas à época, ela fervilharia em direção às equipes de São Paulo. O futebol paulista, com o renascimento do Corinthians e sua democracia (campeão paulista praticando um belíssimo futebol) comandada por Sócrates, Zenon, Casagrande e Wladimir, vivia uma febre de contratações sem precedentes. O Palmeiras, disposto a quebrar um jejum que vinha de 1976, abriu os cofres e montou uma verdadeira seleção, trazendo os volantes Batista e Rocha, o meia Cleo, o lateral Perivaldo e os atacantes Enéas e Carlos Henrique (ex-Flamengo). O Santos reforçou sua já forte base com o meia Paulo Isidoro e o atacante Serginho. O São Paulo apostava no atacante Careca, contratado para o lugar do Chulapa. E por fim o Corinthians trazia para o gol ninguém menos que Emerson Leão, eliminando assim um ponto fraco de seu elenco. A grande maioria dos analistas acreditava que dificilmente o título sairia de São Paulo, especialmente em função da má fase de Cruzeiro e Internacional, do desmanche no Atlético-MG e da prioridade que o Grêmio já sinalizava conceder à Libertadores, cuja disputa se iniciaria no primeiro semestre.

E no Rio de Janeiro? Fluminense e Botafogo viviam grave crise financeira e estavam fora da briga pelo título. O Vasco, embalado pelo título estadual, trazia o meia Elói, em grande fase, para reforçar o elenco e era considerado um dos candidatos. Já o Flamengo resolvera emprestar Nunes ao Botafogo e Tita ao Grêmio. Nunes não resistiu aos seguidos atritos com Carpegiani, e a uma crônica má fase que insistia em não passar. Já Tita, que notoriamente não gostava de atuar deslocado pela direita, cansou-se de ser o alvo preferencial das vaias da torcida e pediu para ser negociado. Para seu lugar, o Flamengo trazia o ponta Robertinho, um dos destaques do falido Fluminense, e para substituir Nunes veio Baltazar, que também estava desgastado no Sul e foi envolvido na troca com Tita (essa transação duraria apenas um semestre).

A fórmula de disputa do campeonato seguia sem novidades. Na Primeira Fase, os 40 times eram divididos em 8 grupos de 5, passando os três primeiros de cada mais quatro repescados, que se juntariam a quatro equipes “promovidas” da Taça de Prata, formando assim a Segunda Fase com 32 times. Ao Flamengo, coube uma chave com Santos, Paysandu, Rio Negro-AM e Moto Club do Maranhão. Nada que assustasse.

A estréia foi contra o Santos, velho conhecido e freguês, no Maracanã. Um bom público, cerca de 68 mil pagantes, foi conferir de perto a nova formação flamenga, com Raul, Leandro, Figueiredo, Marinho e Júnior, Andrade, Vítor e Zico, Robertinho, Baltazar e Lico. De forma, apenas Adílio, contundido. E a equipe não decepcionou, impondo seu futebol desde o início, sem tomar conhecimento do bom time adversário e criando várias chances, com um futebol agradável e uma boa partida do estreante Robertinho. E o primeiro gol saiu logo aos 14’, marcado por Baltazar (que assim estreava de fato), num frango sensacional, verborrágico, despudorado, do goleiro Ademir Maria, que substituía Marola. Na segunda etapa, Zico concluiu uma bonita tabela e selou a vitória por 2-0, que poderia ter sido mais elástica, não fosse a afobação de Baltazar, que desperdiçou inúmeras chances de gol. O começo parecia animador. Parecia.

Vem a partida seguinte, contra o inexpressivo Moto Club do Maranhão, no Maracanã. Lico está fora, Carpegiani põe o garoto Edson em seu lugar, preferindo assim atuar com dois pontas abertos. Mas o abusado treinador do Moto, Zé Eduardo, que havia derrotado o Flamengo atuando como jogador pelo Botafogo-PB em 1980, armou forte bloqueio em sua intermediária e escalou dois pontas velozes para explorar as costas de Leandro e Júnior. Com isso, o time maranhense deu um nó no rubro-negro e mereceu sair na frente do marcador, para irritação do público presente no Maraca. Zico empatou em seguida, mas quando todos esperavam que a equipe partiria para a virada, o Moto se trancou atrás e o Flamengo, engessado e previsível, não foi capaz de vencer a partida. Numa zebra monumental, o time empatava em 1-1 com o Moto Club em pleno Maracanã, debaixo de pesadas vaias.

Jogo seguinte, mais sufoco. Adílio e Lico voltavam, mas o Flamengo quase derreteu dentro do caldeirão do Estádio da Colina e não conseguiu acompanhar a infernal correria do Rio Negro. Saiu de Manaus com um empate em 1-1 (gol de Zico), arrancado a duríssimas penas. Seguindo no Norte, o rubro-negro voltou a vencer, dessa vez contra o Paysandu, mas uma vitória sofrida, por 3-2, conseguida com um gol de Baltazar já perto do final (os outros foram de Lico e Leandro).

Para fechar a mini-excursão ao Norte-Nordeste, restava São Luís e o jogo contra o Moto, já pelo returno. Animada pelo milagroso empate no Rio, a imprensa local tentou criar um clima de guerra para a partida, incutindo no público local a noção de que seria possível vencer o Flamengo agora que o Moto estava atuando em seus domínios. Quer dizer, mais ou menos, pois a ampla maioria dos 47 mil torcedores era flamenga. E viu um time mordido pelas críticas e pelas provocações dos maranhenses abrir três com pouco mais de meia hora de jogo e fechar a conta em 5-1, num jogo que poderia terminar tranqüilamente em nove ou dez não fosse o egoísmo e a ansiedade de seus atacantes, notadamente Baltazar e Edson, que perderam gols inacreditáveis.

De volta ao Rio, o Flamengo recebe o Rio Negro no Maracanã. Desconfiada, a torcida coloca apenas 25 mil no estádio. E quem não foi perdeu um massacre. Após um início preguiçoso, em que chegou a sofrer um gol, o Flamengo demorou um pouco, mas partiu com uma agressividade incomum, uma necessidade de trucidar e moer, que assombrou os valentes amazonenses, e em quatro minutos enfiou três gols. Na segunda etapa, o time seguiu retalhando o adversário, e o coletivo de luxo terminou em 7-1. Destaque para o jovem meia Júlio César, lançado como titular, e para o lateral-direito Cocada, autor de dois belos gols (Leandro atuou como zagueiro).

A penúltima partida da fase foi contra o Paysandu, no Maracanã. Tudo indicava mais uma vitória tranqüila, o Mengo abriu 3-0, os três de Baltazar, seria a terceira goleada seguida, que devolveria de vez a paz à Gávea. Mas, mostrando incrível displicência, o rubro-negro cedeu dois gols ao adversário e teve que suportar uma terrível pressão nos minutos finais. Fim de jogo, vitória por 3-2 sob muitas vaias e críticas. O Flamengo estava classificado. Mas não engrenava.

Para terminar a Primeira Fase, o Santos, no Morumbi. Carpegiani mantinha Cocada na lateral e Leandro na zaga. No meio, outro garoto tinha sua chance, o meia Élder. Mas o Santos estava completo. E motivado. E turbinado por 110 mil pessoas, abriu 3-1, numa atuação consagradora de Serginho e do ponta Serginho Dourado, que enlouqueceu a defesa rubro-negra com suas arrancadas e dribles. Quando uma goleada do time da casa não pareceria absurda, o Flamengo achou um gol no final com Edson e saiu de São Paulo com uma derrota (2-3) e ferimentos leves, tal o nível do atropelamento. O time terminava a Fase em segundo, atrás do Santos, e perdia a invencibilidade. Contudo, ainda não havia encontrado, salvo em alguns momentos esporádicos, nem um arremedo do futebol que encantara o país pouco tempo antes. Mesmo Zico, sua estrela maior, que seguia sendo o principal destaque e referência, não rendia tudo o que podia. A equipe parecia ter perdido a alegria de jogar, a competitividade, atuava de forma burocrática. Algo estava errado. Alguma coisa precisava ser feita, o time precisava de uma chacoalhada.

E ela logo viria.

(Créditos vídeos: www.flamuseu.blogspot.com e www.youtube.com.br/user/alrossi)

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