segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A base de tudo

*Por Lucas Dantas

O Flamengo entrou em campo contra o Avaí com um time composto de garotos da base e alguns “estrangeiros”. É lógico que não há equipe no mundo que se sustente dessa forma, estando sem treino, sem experiência e muito menos sem entrosamento. O que a gente vê no final é garoto dando entrevista feliz porque vai dar a camisa pro irmão, de uma derrota por 0x3.

Ninguém descobre a cura da doença no primeiro experimento. Mas falar é fácil, né? O que fazer então?

Há tempos que eu questiono nesse mesmo blog como são feitos os testes da molecada. Não questiono no tom de “é tudo uma merda”, mas na ignorância mesmo. Eu não sei. Já fiz teste no Flamengo, joguei até os 15,16 anos, sei lá, mas na época meus pais decidiram que era melhor estudar e eu não tinha idéia do que se tornaria o futebol hoje. Como não passava necessidade nem era a esperança da família por um mundo melhor, caí fora.

O meu teste foi simples. Me destaquei numa escolinha naquela quadra de salão inclinada ao lado da bocha e fui levado pro pré-mirim. Fiz dois treinos onde hoje são as quadras de tênis, à noite e quase sem luz, e um jogo contra o Monte Líbano. Fiquei e segui. Moleza, não? Sem peneiras no Riocentro, sem empresários, sem duzentos pais torcendo do lado de fora, sem mãe fazendo teste do sofá (ou até mesmo o garoto!) e sem quatrocentos guris com chuteiras vagabundas sonhando com o impossível.

Não me considero craque, mas será que eu teria futuro no Flamengo? Ou seria vendido na primeira oportunidade? Depende muito. Se me destacasse (e dada a minha idade – hoje 31), talvez eu fizesse dois estaduais e um brasileiro. Daí iria pro mundo, pois a Lei Pele ainda não teria nascido e meu passe seria do clube. Isso com dois ou três anos de profissional.

Entendam: se eu tivesse me destacado, teria saído. Fato. Ponto e acabou. Se não tivesse, também teria, mas com mais tempo de casa e não exatamente para onde eu gostaria de ir.

É aí que eu quero chegar.

Li um comentário de um participante ativo do blog a respeito das pratas-da-casa e o histórico no Flamengo. De fato, como ele mencionou, somente uma deu certo como desejamos – a da década de 80. Que foi “criada” uma década antes.

Zico “nasceu” pro Flamengo em 1971, mas só se firmou como titular em 1974. Ganhou, com pouca participação, o estadual de 72 e com mais presença o de 74. Quatro anos se passaram até que levantasse a taça de 78. Desde a sua estréia até o primeiro brasileiro, foram nove anos. E o time jamais havia sido campeão nacional antes.

Três anos sem estadual.

Nove anos até o Brasileiro.

Vocês esperariam esse tempo por alguém hoje?

O Flamengo espera?

Não falando de Zico, mas o Flamengo esperaria por Júnior, Leandro, Andrade, Adílio...? Não querem citar os fora-de-série? Ok. Então pergunto se esperaram por Marcelinho, Djalminha, Paulo Nunes... Não. Foram todos vendidos à preço de banana e quando atingiram a maturidade, brilharam em outros campos. A frase “craque o Flamengo faz em casa” ganhou o complemento sarcástico e cruel “e vende”.
O Flamengo já obteve sucesso com times caseiros. A equipe campeã da Mercosul de 99 possuía seis “crianças” da Gávea: Juan, Athirson, Lê, Rodrigo Mendes, Leonardo Inácio e Reinaldo. Todas começaram a aparecer em 96, 97 por ali. Reinaldo ficou conhecido em 99 mesmo, com a responsabilidade de substituir ninguém menos do que Romário.

Esse mesmo time venceu o poderosíssimo Vasco duas vezes no Estadual. E não lutou contra o rebaixamento jamais. Em 2001, recheados de craques, a coisa degringolou (literalmente) e os garotos pagaram o pato.

Dois ou três anos depois dessa conquista (sob o comando do maior técnico que o Flamengo já teve, Carlinhos) todos foram embora. Todos. Não sobrou um. Craques? Juan, sim. O resto de mediano pra bom, com potencial se devidamente trabalhado.
Mas o Flamengo não teve paciência. Como não teve com Sávio. Como não teve com Djalminha. E teve com Zico, para a nossa sorte, que só foi embora em 83, doze anos depois da estréia.

De 90 para cá, com ênfase em 1995, o clube meteu-se numa cultura de contratações a torto e a direito, sem critérios técnicos, onde o marketing é mais importante do que o a precisão no chute. Treinadores e jogadores vêm e vão como gente na rodoviária. O Flamengo, diria Marc Augé, tornou-se um não-lugar. Ninguém fica, todos passam e não se cria identidade.

O moleque que procurou a Gávea, passou perrengue pra treinar e ama o time de torcer na arquibancada é exatamente aquele com quem os dirigentes têm menos paciência. Preferem passar a mão na cabeça de primadonas desleixadas.

Lógico que os tempos mudaram, os empresários agem como falcões procurando uma presa para engordar seu ninho e a garotada está louca para conhecer as maravilhosas capitais da Letônia, Bósnia, Vietnam e Romênia. Mas o Flamengo, esse aí não muda. Ao invés de engrossar como Renato Augusto e dar tempo ao tempo, preferiu fazer a “maior venda da sua história” e ficou apenas com pequenas fatias da pizza. O dinheiro já era.

De fato, como disse o comentarista do blog, uma única vez na história deu certo montar um time da base. Na única vez que o Flamengo não foi Flamengo e teve paciência. Hoje, o Zico não ficaria dois anos no clube e seria vendido por um décimo do valor. Para pagar o salário do Bruno, do Juan, do Léo Moura...

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