terça-feira, 11 de agosto de 2009

Alfarrábios do Melo

Olá, saudações rubro-negras a todos. Essa semana, sigo contando a história da conquista do segundo Brasileiro do Flamengo, em 1982, com ênfase na melhor partida daquele campeonato. A primeira parte pode ser acessada aqui. Há link para vídeo na parte em negrito. Então, boa leitura.

Campeonato Brasileiro de 1982 – Parte 02

A Primeira Fase do Campeonato Brasileiro chegava ao seu final, restando apenas uma rodada. Flamengo e São Paulo, classificados em seu grupo com sobras, disputavam a liderança do grupo, faltando justamente a partida entre as duas equipes, no Morumbi. Ao Flamengo, com 13 pontos (6 vitórias e um empate) bastava o empate, enquanto o tricolor paulista, com 11 pontos e campanha incrivelmente parecida com a do rubro-negro, precisava vencer para ficar com o título simbólico da chave. Além desse estímulo moral, os são-paulinos ainda encaravam a partida como uma revanche do jogo do Maracanã, onde estiveram muito perto da vitória mas acabaram cedendo a virada ao time de Zico & Cia. Além disso, o confronto entre duas das três maiores forças do futebol brasileiro (a outra era o Grêmio) acirrava a rivalidade entre as imprensas paulista e carioca, ciosas de suas equipes.

E foi assim que cerca de 70 mil torcedores lotaram o Morumbi para assistir ao clássico. Apesar de classificados, nenhum dos dois times sequer cogitava poupar jogadores. O São Paulo, desfalcado de Oscar e Mário Sérgio, foi a campo com uma formação cautelosa, o que se chamaria hoje de um 4-2-2-2, com dois volantes de forte pegada (Almir e Heriberto), dois meias habilidosos (Renato e Everton) e dois atacantes (o jovem Ricardo e o goleador Serginho). Já o Flamengo finalmente conseguia colocar em campo seu time titular completo, a mesma equipe que saíra de Tóquio com o título mundial: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior, Andrade, Adílio, Zico, Tita, Nunes, Lico. O cenário prometia um grande espetáculo, mas o jogo acabaria sendo muito mais que isso.

Os dois times começam a partida com um ritmo forte. O Flamengo desde o início tenta impor seu toque de bola, mas o São Paulo, apoiado pela torcida, consegue encaixar uma forte marcação sobre o meio carioca. Mesmo assim, o rubro-negro cria algumas oportunidades de gol. Mas, já aos 8’, é o São Paulo quem sai na frente. Everton cobra falta no primeiro pau, Renato se antecipa à zaga e cabeceia com estilo, sem chance para Raul. São Paulo 1-0, para festa do público presente. Pela terceira vez no campeonato o Flamengo saía atrás no marcador.

Sem se afobar, o time rapidamente demonstrou capacidade de reação. Com sua formação mais defensiva, o São Paulo foi empurrado para seu campo pelo Flamengo, cujos jogadores se movimentavam em bloco. Todos defendiam, todos atacavam. Ao contrário do jogo no Maracanã, o São Paulo, apesar da vantagem, não conseguia ditar o ritmo do jogo, e com o aumento da movimentação dos jogadores flamengos, seu meio-campo já não conseguia acompanhar a evolução do adversário. Assim, o Flamengo passou a criar chances de gol, acossando a meta de Waldir Perez. O jogo mal passava dos 15’, e o empate rubro-negro já era iminente. E chegou aos 20’, numa jogada espetacular. Tita vem pela meia-esquerda e dá a Zico, que enfia uma bola com açúcar a Adílio, no meio de três defensores. Adílio bate cruzado pra dentro da área, onde Nunes, muito bem colocado, apenas tem o trabalho de escorar pro gol vazio. É o empate, 1-1.

O gol emudece o Morumbi. Aliás, passam-se a ouvir claramente os gritos de “Mengo, Mengo”. O São Paulo parece sentir o gol, está acuado. O Flamengo sente o bom momento e acua a presa. São apenas 22’. Lico recebe de Andrade, deixa com Adílio e corre. Recebe na frente, toca de primeira a Adílio, que dá um tapa de volta a Lico, que entra livre e tira de Waldir Perez, Flamengo 2-1. Tudo de primeira, tabelinha de almanaque, Lico, Adílio, Lico, Adílio, Lico, gol.

A virada desnorteia o São Paulo, que joga de forma aguerrida mas simplesmente não consegue articular nenhuma jogada. O time está nas cordas, mal passa do meio-campo. O Flamengo está numa noite particularmente feliz, todos jogam bem. Zico quase marca um incrível gol de calcanhar. Waldir Perez faz várias defesas, e o primeiro tempo termina em 2-1, um excelente resultado para o São Paulo, tal o domínio flamengo.

Sentindo a facilidade, o Flamengo volta do vestiário com tudo, a fim de matar logo a partida. Quem esperava a tradicional “pressão de 15 minutos” do time da casa acabou vendo, no início do segundo tempo, a uma das mais perfeitas exibições coletivas de um time de futebol em gramados brasileiros em toda a sua história. O Campeão do Mundo simplesmente se negou a ceder a posse de bola ao São Paulo. Com marcação perfeita e movimentação alucinante, o Flamengo enlouqueceu a defesa são-paulina. E o bombardeio começou aos 4’. Nunes vem pela ponta-direita (isso mesmo, pela ponta!) e cruza forte, rasteiro. A bola atravessa a área e chega até Tita, que domina e arremata para o gol quase vazio. É o terceiro, e a goleada começa a ganhar contornos mais nítidos.

O melhor time do mundo continua em cima, não dá trégua, quer mostrar porque dá as cartas no planeta. Agora Zico e Tita vão apresentar um dueto para os 70 mil privilegiados. O Galinho chama Tita, que entra pela meia-esquerda, para, espera e cruza, quer dizer passa a bola pelo alto até a cabeça de Zico, que com um leve meneio encobre Waldir Perez. Flamengo 4-1. Isso mesmo, QUATRO A UM, ainda aos 10’ do segundo tempo. A multidão presente ao Morumbi assiste a tudo, incrédula. Alguns se rendem e aplaudem. É futebol para se assistir com terno e gravata, é um desperdício gastar emoções tolas diante desse grupo de artistas. Melhor contemplar e gravar na retina à perfeita exibição desse grupo de Globetrotters, que está goleando o poderoso São Paulo, uma das bases da Seleção Brasileira, o vice-campeão brasileiro e bi paulista, um timaço crivado de craques. Mas que, naquela noite, rendia-se possuído por um adversário alado. O Flamengo transcendia a simples condição de equipe de futebol, o que aqueles rapazes faziam em campo era arte em estado de máximo refinamento.

Transidos pela perspectiva da humilhação precoce, os tricolores atiram-se ao ataque como se fosse a última partida de suas vidas. Conseguem, ainda aos 13’, o gol que lhes salva a honra. Everton ganha dividida de Lico e cruza na cabeça de Darío Pereyra, São Paulo 2-4. Agora o time paulista é só raça, impõe-se no coração, briga até por lateral. A partida se torna equilibrada, o Flamengo parece satisfeito com o jantar. Mas o placar é perigoso. Aos 26’, Renato recebe de Serginho e lança Everton, que toca na saída de Raul, São Paulo 3-4. O Morumbi acorda, que jogo sensacional, o final vai ser dramático!

Mas não foi. O time do Flamengo agora evolui sobre o fio de uma navalha. Seus jogadores voltam à partida e começam a rodar a bola de um lado a outro. Inicia-se uma tourada. Os bravios são-paulinos escoiceiam por toda a parte, perseguem os artistas flamengos por todo o campo. O Campeão do Mundo faz o relógio correr por graciosos 20 minutos, imprime um ritmo angustiante para o adversário, acelera o jogo, aí quebra a velocidade, troca passes curtos, longos, em profundidade, gira em círculos, abusa de deslocamentos na vertical, torna um inferno a vida dos marcadores do São Paulo. E desperdiça várias chances, perde a oportunidade de fazer cinco, seis e fazer o jogo virar estatística permanente. Mas a partida termina mesmo em 4-3, São Paulo 3-4 Flamengo, sob calorosas palmas do público que se divide entre a resignação e o êxtase.

Após o recital, o Flamengo passou a ostentar a condição de favorito absoluto para a conquista do título. Zico, que vinha voando, já era eleito o craque do campeonato, ainda em fevereiro. Pairava a sensação de que ninguém era capaz de parar o campeão mundial. Vários jogadores teciam loas ao Flamengo, manifestando o sonho em jogar lá. O clube era considerado um modelo de administração (reportagens da Placar na época: “por que o Corinthians não é um Flamengo?”, “Jogadores são-paulinos sonham com a torcida do Flamengo”) e a principal referência do futebol brasileiro, que estava em alta. Choviam convites para amistosos no Brasil e no Exterior. O clube confirmava, para depois do Brasileiro, amistoso contra o Cosmos em Nova York, na despedida de Carlos Alberto Torres do futebol.

Mas antes vinha o Brasileiro e sua Segunda Fase. Restavam 32 equipes, divididas em oito grupos de quatro. Ao Flamengo, a nada aprazível companhia de Internacional, Atlético-MG (sempre sedento de vingança pelas derrotas recentes) e Corinthians, que se recuperava de uma forte crise, ganhava uma das vagas da Taça de Prata e vinha embalado. Um verdadeiro “Grupo da Morte”, certeza de grandes dificuldades à vista.

Mas nem o mais pessimista torcedor flamengo imaginava o que estava por vir.

Iria começar o sofrimento.

Crédito vídeo: http://www.youtube.com/user/aleflamengo

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