Calma, não é nada disso que estão pensando... XXX é apenas “trinta” em algarismos romanos. Acontece que em 2008 completo trinta anos na minha carreira de torcedor, que começou no augustíssimo campeonato carioca de 1978. Nestes anos já presenciei tanta coisa, que resolvi fazer um resumo do Flamengo (ou dos Flamengos, para ser mais exato) que eu acompanhei ao longo destas três décadas de emoções sempre fortes.
A PONTA-DE-LANÇA E A CAMISA DEZ
Em 1978 o Camisa 10 do Flamengo era simplesmente O CAMISA DEZ, o maior jogador rubro-negro de todos os tempos e eras: ZICO. Para os torcedores da minha idade, ele não apenas um jogador, era um super-herói, um mago, um deus, e acho que não preciso escrever muito mais sobre ele que não tenha sido feito à exaustão. Recordo-me que bem antes de passar a acompanhar os jogos, eu já conhecia o Galinho de Quintino como o principal nome da Gávea e recordo-me que pelos idos 1975 e 1976 eu já me dizia Flamengo, e sabia que o ZICO era o Camisa 10 do time. Foi durante a Copa do Mundo de 1978 que meu gosto pelo futebol de certa forma tornou-se mais agudo, e lembro-me de vibrar muito quando o Zicão marcou seu gol de pênalti contra o Peru – o único dele na Copa daquele ano. Lembro-me também de alguns amistosos que antecederam a Copa da Argentina, como aquele jogo contra uma Seleção do Estado do Rio em que ele meteu 5 dos 7 gols do jogo. ZICO estava no time desde 1971, mas só se firmaria como titular a partir de 1973, e a partir sua trajetória de sucesso levou-o à condição de principal craque da Seleção Brasileira. A Camisa 10 na época era geralmente destinada aos jogadores chamados de pontas-de-lança, aqueles meias mais avançados que não só armavam as jogadas vindos de trás, como partiam para o ataque e metiam muitos gols. Zico reinou absoluto até sua venda ao Udinese, em 1983. Quando as contusões ou convocações provocavam sua ausência, era substituído por Tita, que encarnou de tal maneira o espírito de substituto do Galinho, que em 1979 encerrou o campeonato especial de 1979 metendo uma penca de gols, alguns deles antológicos.
Com a saída de Zico, Tita assumiu a camisa 10 até 1985, quando a volta do Galinho o obrigaria a voltar a jogar improvisado no ataque. Insatisfeito, foi vendido ao Internacional de Porto Alegre, onde iniciou seu périplo por diversos times. Outros provar o gostinho de vestir a gloriosa 10 foram Bebeto e Gilmar Popoca, dois craques egressos de seleções brasileiras de juniores, que tiveram grandes momentos, mas acabaram por sentir um pouco o peso de se tornarem “novos” Zicos. Em 1983, foi contratado Cléo, revelado no Inter como um sucessor de Falcão, Com a contusão trágica do Rei Artur em 85, sua posição passou a ser ocupada por um dos dois, e em 86, o Flamengo contratou Sócrates para compor o que seria um meio-de-campo dos sonhos. Juntos, ele e Zico só atuaram no memorável 4x1 no Fluminense, e o Doutor chegou a fazer algumas boas partidas no Brasileirão de 1986, mas sem o mesmo brilho de antes. A medida que Zico aproximava-se de sua aposentadoria, e com Bebeto deslocado para o comando do ataque, três pratas-da-casa despontaram como possíveis substitutos: Marcelinho, que só em sua posterior passagem pelo Corinthians ganharia o adjetivo de Carioca, Djalminha, que liderou o time de juniores na conquista inédita da Taça São Paulo (com uma goleada arrasadora de 7x1 sobre o mesmo Corinthians) e Marquinhos, que atuou em todas as posições do meio, sem jamais se firmar em nenhuma delas. Todas as contratações tentadas foram completos fiascos: Luvanor, Bobô, Edu Marangon, Toninho, e outros. A camisa acabou sendo herdada pelo raçudo e versátil Nélio, um jogador sem posição definida, que já jogara como atacante, mas que acabou encaixando no sistema tático do Mestre Carlinho como uma luva. Em 1994 foi a vez do jovem Sávio carregar o fardo de ser o herdeiro do mítico Galinho. Bom chutador e cobrador de faltas, ágil e driblador, Sávio fez muitos gols e foi muito importante na conquista do Carioca de 1996, mas não resistiu a um suposto desentendimento com a estrela Romário, e acabou vendido ao futebol espanhol. Muitos anos depois retornaria ao Fla, numa passagem tão pífia que nem mereceria ser lembrada.
A maré não ficou nada boa, e os técnicos e dirigentes que vieram fizeram de tudo para enxovalhar a mística da camisa 10 entregando-a jogadores tão medíocres que me recuso a citar. Em tempos de futebol retranqueiro, a função do antigo ponta-de-lança quase caiu no esquecimento. Mesmo assim, foram trazidos jogadores que dessem um pouco de qualidade ao padrão de jogo, prejudicado pelo excesso de marcadores e carregadores de piano. Nomes como Djair, Iranildo, Marques, Moacir, Palhinha, Rodrigo Fabbri, Andrezinho, Nelinho, Alexandre Gaúcho, Leonardo (cujo retorno à Gávea prometia muito, mas resumiu-se a uma única partida), Juninho Paulista, Hugo, Lopes, Yan e Adrianinho, foram trazidos, mas sem nenhum sucesso. Os dois que ainda conseguiram fazer jus, pelo menos à tradição da camisa, foram Petkovic e Felipe. O sérvio Petkovic, marrento mas com rasgos de genialidade, alternou altos e baixos, mas entrou para a História do Mengão Cósmico muhlenbergiano com seus gols de falta de precisão milimétrica que nos deram os títulos do Quarto Tricampeonato Carioca e da inédita Copa dos Campeões. Já o carioquíssimo Felipe, fez dos seus dribles uma arma letal para nos trazer o Carioca de 2004, mas alternou bons e maus momentos, numa luta eterna contra a fama de chinelinho. De lá pra cá, a posição foi quase esquecida pelos responsáveis pelo time, ficando a gloriosa camisa às vezes entregue a volantes ou segundos volantes, como Renato, Kleberson ou Toró, ou a atacantes como Diego Tardelli, Marcinho e Marcelinho Paraíba, que ocupou a posição no final de 2008.
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